Outras doenças não esperam a pandemia de COVID-19 passar para se manifestarem

Outras doenças não esperam a pandemia de COVID-19 passar para se manifestarem

Webinar promovido pela Abramed reuniu médicos especialistas para alertar sobre a importância de manter as rotinas de prevenção e o tratamento de doenças crônicas durante a crise gerada pelo novo coronavírus

13 de Maio de 2020

O mundo inteiro está mergulhado em assuntos relacionados à COVID-19, mas é preciso enfatizar que outras doenças não esperarão a pandemia passar para se manifestarem. Foi com esse intuito que a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) reuniu especialistas de áreas clínicas e do setor de diagnóstico para o webinar “A sua saúde pode esperar? Em tempos de pandemia, não podemos deixar de lado a prevenção e o tratamento de outras doenças”. O objetivo foi reforçar a importância da prevenção e da manutenção de tratamentos mesmo diante da crise de saúde vivida atualmente.

Mediado por Priscilla Franklim Martins, diretora-executiva da Abramed, o encontro teve o formato de mesa-redonda virtual e contou com a expertise de Clarissa Mathias, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC); Fadlo Fraige Filho, presidente da Associação Nacional de Atenção ao Diabetes (ANAD); Juan José Cevasco Junior, diretor-médico da Alliar Médicos à Frente; e Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

Com as recomendações de distanciamento social e as diretrizes amplamente divulgadas para que as pessoas evitassem ao máximo procurar o hospital para prevenir exposições desnecessárias ao coronavírus, a população deixou de buscar assistência médica mesmo em casos extremamente importantes.

Algumas cidades como São Paulo vivenciam o distanciamento social há dois meses e um atraso de sessenta dias no diagnóstico de alguma patologia oncológica pode ser fatal. É o que explica Clarissa ao lembrar que quanto mais tarde for descoberta a doença, menores as chances de recuperação e a eficiência dos tratamentos. “Existem neoplasias com atividade muito acelerada e um retardo de dois meses no diagnóstico pode fazer com que o paciente saia de um cenário onde haveria cura para um cenário voltado apenas ao tratamento paliativo”, declarou.

Essa é uma preocupação mundial e um estudo inglês recentemente publicado pelo The BMJ e mencionado por Clarissa durante o debate constrói um cenário preocupante: a mortalidade por câncer pode aumentar 20% por causa da pandemia.

Segundo o estudo, parte desse aumento está diretamente atrelado às pessoas com câncer que são infectadas pelo novo coronavírus e, por serem grupo de risco, chegam ao óbito; mas outra parte relevante ocorre pois, por conta da crise, o diagnóstico foi atrasado ou o tratamento, como a quimioterapia, interrompido.

Com muito receio de ir a um pronto atendimento e, assim, contrair a infecção, os pacientes deixam de procurar os médicos mesmo em situações em que, em sua rotina pré-pandemia, naturalmente procurariam. “Hoje mesmo eu atendi um paciente que estava com a pressão 18/10 e não queria ir à emergência por não se sentir seguro”, pontuou Clarissa retratando uma situação muito clara de como doenças crônicas, como a hipertensão, por exemplo, podem se tornar uma questão grave durante crises de saúde que assustam a população.

Para entrar nessa área e falar sobre cardiologia, o webinar recebeu Marcelo Queiroga, da SBC, que trouxe dados sobre a alta taxa de mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis no mundo, situação compartilhada também pelos brasileiros. “São cerca de 18 milhões de mortes ao ano por doenças cardiovasculares. Somente no Brasil, 380 mil óbitos anualmente”, comentou.

Para o presidente da SBC, a drástica redução de atendimentos cardiovasculares na emergência é sinônimo de alerta. “No Incor, que em São Paulo é o serviço de referência em angioplastia primária como tratamento para o infarto, em março deste ano verificamos uma redução de 50% no número de atendimentos quando comparamos com março de 2019. Na SBC vemos dados que mostram redução de até 70% no número de intervenções coronárias percutâneas na primeira semana de maio de 2020 no comparativo com o mesmo período do ano passado”, apontou enfatizando que ainda não é possível afirmar que a letalidade aumentou, já que os dados de óbitos não estão disponíveis.

Mesmo sem as informações precisas para conclusões, é possível que o Brasil esteja vivenciando o mesmo que os EUA já divulgaram: aumento significativo de mortes súbitas detectadas pelas ambulâncias locais. “É preciso que o sistema de saúde crie rotas alternativas para assegurar o atendimento à população tanto dessas doenças prevalentes quanto das crônicas”, disse Queiroga.

Essa “rota alternativa” mencionada por Queiroga já é apontada por Juan José Cevasco Junior, diretor-médico da Alliar Médicos à Frente, como uma realidade em alguns locais. “Claro que existem cidades onde os sistemas estão super lotados, mas o paciente não pode achar que vai procurar o pronto socorro e sairá de lá infectado. Existem rotas especiais para suspeitas de COVID-19 e rotas para outros pacientes, além das unidades hospitalares trabalharem com isolamento entre as equipes”, explicou dizendo que alguns estudos mostram que a taxa de contaminação de profissionais de saúde em atuação nas áreas de atendimento à COVID-19 é similar às taxas de contaminação de profissionais de outras áreas, o que leva a uma compreensão de que a infecção pode estar ocorrendo de forma ainda mais relevante na comunidade do que nos equipamentos de saúde.

Essa falta de assistência também afeta os diabéticos. “Com a orientação de que não devem ir ao pronto-socorro, as pessoas com diabetes estão aguardando em casa sem controle adequado. Aqueles que precisavam retornar ao médico após dois meses, não o fizeram. Lembrando que 40% das pessoas que morreram de COVID-19 eram pacientes diabéticos”, afirmou Fadlo Fraige Filho, presidente da ANAD, reforçando que a patologia piora o prognóstico de outras doenças, inclusive da infecção pelo novo coronavírus.

Diagnóstico

Com os pacientes deixando de comparecer às consultas, eles também desaparecem dos laboratórios e das clínicas de imagem. Hoje, segundo Cevasco Junior, os exames que estão sendo realizados mostram patologias em níveis bem mais avançados. “O que vemos, do ponto de vista da radiologia, são casos muito mais graves do que a média. As pessoas deixam de realizar seus exames no momento indicado para fazê-los somente quando a resolução já será muito mais complexa”, declarou.

Para o especialista, comparecer a uma unidade de diagnóstico hoje pode ser mais seguro do que ir ao mercado. “Muitas unidades oferecem o teste de diagnóstico de COVID-19, o RT-PCR, no formato drive-thru para evitar que pessoas que estão no local para outros exames não relacionados ao novo coronavírus tenham contato com esses pacientes com suspeita da doença. Além disso, quando um paciente potencialmente infectado pelo novo coronavírus vai a uma clínica para uma tomografia de tórax, por exemplo, ele tem um acesso separado dos outros cidadãos. Isso sem falar no reforço com a higienização dos equipamentos, que está muito mais intensa”, explicou.

Telemedicina

Aprovada em caráter emergencial para suprir demandas geradas pela pandemia de COVID-19, a telemedicina também foi pauta no webinar. Clarissa enfatizou que a SBOC montou uma plataforma de telemedicina que está sendo utilizada por até 30% dos pacientes que estão em atendimento oncológico.

Na cardiologia, evidências científicas sugerem que a telemedicina pode salvar vidas. “O telemonitoramento da insuficiência cardíaca pode ajudar na redução da mortalidade. Essa é uma ferramenta que deve ser utilizada dentro ou fora de uma pandemia”, disse Queiroga.

Para Cevasco Junior, a telemedicina já era uma realidade que vem sendo confirmada durante a crise do novo coronavírus, podendo inclusive auxiliar nesse controle para que eventos evitáveis recebam o atendimento devido. “Com medo de se expor ao risco, o paciente pode fazer uma primeira avaliação via telemedicina e o médico saberá quais as suas limitações, a qual tipo de risco ele pode estar sujeito e se é melhor que ele seja examinado naquele momento, encaminhando-o ao consultório se julgar necessário”, disse. Quanto ao futuro da telemedicina no país, o especialista declarou: “Espero que esse acesso remoto faça parte do ‘novo normal’ que vivenciaremos em breve”.

Para encerrar o debate, Priscilla questionou os participantes sobre o Brasil entrar em uma situação grave já vivida por países europeus e que exigirá, dos médicos, a tomada de decisões sobre quem terá acesso ou não aos equipamentos e leitos hospitalares. Cenário que já está sendo cogitado em estados como o Rio de Janeiro.

“Quando a pandemia extrapola a capacidade dos sistemas, as decisões passam a ser mais radicais. É um cenário de guerra, bastante complicado. E é difícil escrever um mesmo protocolo que atenda a todas as especialidades médicas”, pontuou Cevasco Junior.

Para que seja possível evitar que essa hipótese se torne realidade, é ainda mais necessário que as pessoas mantenham seus tratamentos em dia e não deixem de procurar assistência caso tenham sintomas que possam indicar outras patologias, assim como todos os que estão com alguma investigação de saúde em curso devem manter seus exames e consultas. “É a hora de se cuidar ainda mais. Procurar os serviços de saúde, fazer os exames periódicos e seguir com os controles. Caso contrário teremos uma terceira onda da pandemia, focada na mortalidade das doenças crônicas, ainda mais devastadora”, concluiu Fraige Filho.

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