Conversamos com Daniela de Andrade Bernardo, sócia da área trabalhista do Machado Nunes
29 de maio de 2020
É inegável que a pandemia do novo
coronavírus acuou – e transformou – diversos setores da economia, intervindo
inclusive nas relações trabalhistas e nos modelos de negociação praticados em
território nacional. No início de abril, o Governo Federal publicou a MP
936/2020 autorizando as empresas a reduzirem salários e jornadas e suspenderem
contratos de trabalho, como forma de minimizar o impacto da crise no caixa
dessas companhias preservando, de certa forma, a empregabilidade.
Ainda nesse cenário de incertezas,
por intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF), foi derrubado o artigo 29 da
medida provisória 927/2020 que havia sido editada no final de março, com
intuito de trazer alternativas para as empresas no enfrentamento do estado de
calamidade pública que vivemos, afastando a presunção de que a COVID-19 não é
doença profissional.
Somada à essas mudanças, temos
também inclusão de muitos profissionais em modelos de trabalho à distância,
tais como o trabalho remoto ou teletrabalho que, também, geram questionamentos.
Para responder às principais
dúvidas sobre as alterações propostas durante a pandemia de COVID-19,
conversamos com Daniela de Andrade Bernardo, sócia da área trabalhista do
Machado Nunes. Confira a entrevista completa.
Abramed em foco – Posso fazer as reduções temporárias de jornada e salário permitidas pela MP 936/2020 por meio de acordos individuais?
Daniela Bernardo – Depende
da redução. Existem três faixas de corte salarial com redução proporcional da
carga horária. Quando o corte for de 25%, a mudança pode sim ser feita por
acordo individual entre empregador e empregado independentemente do nível
salarial. Já quando essa redução for de 50% ou 70%, os acordos individuais só
podem ser firmados com empregados que ganham menos de R$ 3.135,00 ou mais de R$
12.202,12 e, neste último caso, desde que o colaborador seja portador de
diploma de nível superior. Aqueles que estiverem entre esses dois patamares só
podem celebrar acordos com seus contratos modificados por acordo ou convenção
coletiva com participação do sindicato. Lembrando que não é permitida a redução
do salário sem redução proporcional da carga horária e há uma limitação de
redução por, no máximo, 90 dias. Importante frisar que estão em tramitação no
Senado alterações na MP 936/2020 que podem modificar as faixas salariais, sendo
imprescindível acompanhar as notícias para compreender essas mudanças.
Abramed em foco – E como
funciona a suspensão do contrato de trabalho?
Daniela Bernardo – Para empresas, no ano calendário de 2019, com receita bruta até R$ 4,8 milhões, durante a suspensão temporária de até 60 dias o governo se compromete a pagar 100% da parcela do seguro-desemprego que o empregado teria direito. Já empresas com receita bruta superior ao mencionado devem fornecer, ao empregado, uma ajuda de custo compensatória equivalente a 30% do seu salário. Durante o período em que o contrato estiver suspenso, é importante que os empregadores compreendam que o empregado não deve estar à disposição da companhia, nem mesmo enviando e-mails.
Abramed em foco – Agora a COVID-19
é considerada doença profissional?
Daniela Bernardo – Não
podemos dizer exatamente dessa forma. O que ocorreu foi que o STF afastou a
presunção de que a COVID-19 não é doença profissional. O artigo 29 da MP 927/2020
dizia que os casos de contaminação pelo novo coronavírus não seriam
considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. A
anulação desse artigo não torna todos os casos de COVID-19 automaticamente
doença de trabalho. O posicionamento do STF, nesse caso, ratifica a necessidade
de as empresas promoverem medidas e controles ocupacionais para que possam
provar a inexistência de nexo causal entre a infecção e as atividades de
trabalho.
Abramed em foco – Como as
empresas podem se proteger?
Daniela Bernardo – O
principal é que todas as empresas se munam de documentos que comprovem suas
ações em prol da proteção dos empregados e do combate ao contágio dentro do
ambiente de trabalho. Entre as medidas, podemos destacar o envio de comunicados
com orientações sobre a COVID-19 e que informem sobre as medidas adotadas pela
instituição; investir em atendimento separado e bem sinalizado aos pacientes
com suspeita de infecção pelo novo coronavírus; reforço nos processos de
limpeza dos espaços; fornecimento contínuo de equipamentos de proteção
individual; reforço da importância da higienização das mãos e oferta de álcool
em gel; controle e acompanhamento dos trabalhadores infectados; liberação do home
office para profissionais de áreas administrativas que podem desempenhar
atividades remotamente; entre outras ações positivas diante da crise.
Abramed em foco – E como deve
ser a interpretação da COVID-19 como doença ocupacional?
Daniela Bernardo – Segundo
a Lei n° 8.213/91, doença profissional é aquela produzida ou desencadeada pelo
exercício do trabalho ou em função de condições especiais em que o trabalho
está sendo realizado. Além disso, está previsto na referida lei que a perícia
médica do INSS considerará a natureza acidentária da incapacidade quando
constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o caso. Nesse
cenário, caberá às empresas adotarem medidas eficazes de controle e gestão na
saúde para eventualmente discutirem esses enquadramentos e demonstrarem que a COVID-19
não pode ser reconhecida como doença profissional.
Abramed em foco – O home
office passou a ser realidade para muitas empresas, como funciona esse
modelo de trabalho durante a pandemia?
Daniela Bernardo – O teletrabalho
foi regulamentado pela reforma trabalhista de 2017 e passou a ser um regime que
poderá ser adotado através de um aditivo no contrato de trabalho que trará
definições claras sobre o funcionamento do home office.
Porém, durante a pandemia de
COVID-19, a MP 927/2020 faz algumas abordagens relativas ao trabalho remoto,
inclusive dispensando da necessidade de alteração do contrato de trabalho. Mas
nossa recomendação é a de que é sempre importante termos tudo documentado. O
que não ficou claramente acordado não pode ser usado em uma futura defesa.
Combinar a regra do jogo é sempre importante antes de iniciar o jogo.
Abramed em foco – Que
precauções devemos tomar com aqueles colaboradores que estão desempenhando
trabalho remoto?
Daniela Bernardo – É
importante enfatizar que o trabalhador não pode trabalhar de forma ininterrupta,
há o direito à desconexão. Observar a carga horária é fundamental para evitar
problemas futuros. Para isso, é preciso existir uma separação clara entre
residência e local de trabalho, visto que é natural que a falta de deslocamento
entre esses dois ambientes físicos leve as pessoas a estender as horas
trabalhadas deixando de lado o descanso necessário entre os turnos. É
importante lembrar, também, de questões ergonômicas, até porque o trabalho
remoto foi imposto de forma emergencial e as pessoas não tiveram como preparar
suas casas para essa atuação.
Daniela de Andrade Bernardo
também participou do webinar promovido pela Abramed no dia 15 de abril para
tratar sobre as atualizações jurídicas e de recursos humanos durante a
pandemia. Clique AQUI para assistir à apresentação.