Outubro de 2018
O aumento de custos com a saúde é recorrente objeto de discussão no setor privado e no setor público. Em ambos os casos, administradores vêm aplicando as melhores técnicas de gestão visando à constante redução de custos, seja por meio da adoção de tecnologias com melhor aproveitamento, seja pela alocação adequada de pessoas e aumento da produtividade.
A despeito desse grande esforço, o sistema regulatório nacional inibe várias dessas iniciativas, trazendo custos adicionais sem razões técnicas ou legais que os justifiquem. A legislação antiquada e a visão dos órgãos reguladores, incluídos os conselhos profissionais, geram a maioria desses problemas.
Os Conselhos Profissionais, integrantes da Administração Pública Indireta, foram, a princípio, criados para fiscalizar a conduta ética e técnica dos profissionais autônomos que não respondiam a qualquer organização. Afinal, grande parte desses profissionais atuavam (e continuam atuando) de forma totalmente independente, não estando, portanto, sujeitos a qualquer subordinação organizacional.
Os primeiros Conselhos Profissionais instituídos foram o dos advogados, seguido dos Conselhos de Engenharia e Medicina. Nos últimos 50 anos, foram criados inúmeros Conselhos Profissionais cujo escopo de atuação da profissão não é autônomo. A bem da verdade, esses profissionais atuam, na maioria das vezes, vinculados a instituições com estrutura hierárquica e não têm, necessariamente, a independência inerente ao espírito de criação dos primeiros Conselhos Profissionais. A título exemplificativo, citamos os casos dos Conselhos de Enfermagem, com raros profissionais autônomos, e de Técnico de Radiologia, quase todos funcionários de empresas.
A despeito de, como dito, terem sido criados para fiscalizar os profissionais a eles vinculados no que se refere aos aspectos éticos, a visão corporativista dessas autarquias tem extrapolado seu objetivo legal e a competência que lhe fora conferida pelo legislador, tomando para si o papel de Sindicatos focados na defesa corporativa.
Na área da saúde, o abuso dessas autarquias profissionais acaba ganhando ainda mais força pela ausência de normas que possam embasar a atuação das instituições. Diante da omissão do Ministério, Secretarias de Saúde e da ANVISA, aos quais o legislador efetivamente conferiu competência para regulamentar a prestação de serviços de saúde, os estabelecimentos do setor, desconhecedores desse abuso legal, acabam seguindo as resoluções ilegais expedidas pelos Conselhos dos Profissionais que atuam na área, as quais, aliás, acabam influenciando os órgãos públicos reguladores da atividade de saúde.
O Conselho de Medicina, por exemplo, pode regulamentar as questões relacionadas à ética médica e editar normas que definam o caráter experimental de certos procedimentos. A despeito da clara limitação de competência regulamentadora conferida pelo legislador ordinário, a autarquia, com muita frequência, edita resoluções que tratam do fluxo de retaguarda em instituições de saúde; do quadro de Médicos em determinados setores dos Hospitais; dos requisitos para atendimento domiciliar de pacientes; da forma de escolha de Diretor Clínico, entre outros temas próprios da prestação dos serviços de saúde. A maioria das resoluções expedidas pelo Conselho de Medicina, contudo, acaba incluindo dispositivo que garante a proteção da demanda do mercado por médicos, ainda que, tecnicamente, não seja necessário, interferindo, inclusive, na gestão das organizações da área da saúde.
Exemplo dos esforços envidados pelo Conselho de Medicina é o da telemedicina. Ao identificar a centralização do processamento desses exames, o Conselho de Medicina, mais do que rapidamente, editou resolução instituindo uma série de exigências que acabam por praticamente inviabilizar tal prática, em prejuízo dos pacientes. O mesmo aconteceu com a telepatologia, cuja regulamentação editada pelo Conselho de Medicina traz argumentos meramente burocráticos como, por exemplo, a exigência de registros estaduais dos médicos, a despeito de a licença médica ser válida em todo território nacional.
O mesmo ocorre com outros Conselhos Profissionais do setor da saúde. O Conselho de Enfermagem, recentemente, editou resolução impondo às instituições públicas e privadas o dimensionamento mínimo do quadro de profissionais de enfermagem. A norma utilizou como referência estudos realizados em hospitais classificados pelo Ministério da Saúde como “hospitais de excelência”, e impôs quantitativos específicos, elevados e, em alguns casos, sem razão técnica, como no caso da Radiologia. Vale dizer que os esforços do Conselho de Enfermagem voltam-se, basicamente, para essa questão ilegal: dimensionamento do quadro de profissionais. São raros os casos em que essa autarquia atua para verificar a ética de seus membros ou, até mesmo, a correta técnica utilizada. Novamente, o que vislumbramos são esforços voltados, quase que exclusivamente, à reserva de mercado àqueles que compõem o Conselho, sendo verificado, mais uma vez, o triunfo do corporativismo em detrimento à necessária e urgente redução de custos no setor da saúde. Prevalece o sindicalismo.
Com o Conselho de Farmácia, a questão não é diferente. Em interpretação extremamente equivocada da Lei nº 13.021/2014 e da própria atribuição do farmacêutico, a referida autarquia concluiu que pode exigir a presença de farmacêuticos em todos os locais que mantiverem medicamentos e correlatos. Rapidamente, essa autarquia passou a notificar enfermarias de escolas, pequenos consultórios médicos, serviços de radiologia que utilizam contrastes radiológicos, enfim, todo e qualquer local em que haja a guarda de medicamento ou correlatos (todos os materiais e equipamentos utilizados na saúde), demandando a presença de profissional farmacêutico em tempo integral.
Ao que tudo indica, o Conselho de Farmácia, mesmo que reduza a atuação de seus membros a um mero almoxarife, prefere manter uma atuação corporativista, posicionamento que prejudica o acesso à saúde da população, especialmente os mais carentes e as urgências médicas.
Se mantido o equivocado entendimento do Conselho de Farmácia, as companhias aéreas estarão impedidas de manter as singelas maletas de medicamentos para situações de emergência. Em caso de parada cardíaca de um passageiro, mesmo que o voo conte com a presença de um médico, a atuação deste profissional estará, igualmente, restrita ao uso de suas mãos e, o passageiro, coitado, estará praticamente condenado à morte.
Espera-se que este singelo artigo sirva de alento aos Conselheiros dessas Autarquias Profissionais para que deixem o corporativismo de lado e passem a fomentar discussões que envolvam a redução de custos, a ampliação e a melhoria da assistência à saúde no país.
Luiz Gastão Rosenfeld e Teresa Gutierrez são, respectivamente, médico e advogada.