Superoneração de serviços essenciais terá consequências perversas para população
06 de agosto de 2020
* Por Bruno Sobral, Elizabeth Guedes e Fabio Cunha
Há um ponto comum e negativo que não pode ser ignorado nas
propostas de reforma tributária da Câmara, do Senado e do Executivo: o aumento
expressivo da carga tributária para os setores de Saúde e Educação. Esta
superoneração de serviços que são essenciais terá consequências perversas não
só para as instituições, mas para o próprio governo e para a população
brasileira. Se calcularmos o impacto da reforma com base no modelo sugerido
pelo Ministério da Economia — unificação
de PIS/Pasep e Cofins sob alíquota única de 12% —, teremos um aumento médio de
tributação de 67% na carga tributária para os hospitais e laboratórios; para
Educação será de 940% com o fim da isenção sobre PIS/Cofins do Prouni,
retirando, apenas da educação superior, cerca de 500 mil alunos. Além disso, a
proposta do governo pode representar uma redução de 80% das receitas líquidas,
nas pequenas unidades escolares e hospitalares que atendem a municípios do
interior do país.
Ainda que se proponha adoção de um regime não cumulativo, em
que despesas com insumos são compensadas ao longo da cadeia, os referidos
setores seguem no prejuízo, pois a parte mais expressiva dos custos de
hospitais e laboratórios, bem como de escolas e universidades, é formada por
folha de pagamento, o que não é dedutível neste sistema.
Outro efeito nefasto é o desincentivo ao emprego que a
proposta do governo cria, pois como este não gera crédito tributário ao longo
da cadeia, as empresas que menos empregarem, ou demitirem, serão as maiores
beneficiadas. Ao justificar que os setores não serão prejudicados com as
mudanças, o governo argumenta que o novo imposto incide sobre o consumo e,
portanto, é o consumidor final quem arca com o impacto. Na Saúde, projeta-se um aumento de mais de 7%
nos preços do serviço, o que fará a demanda reduzir em R$ 3,1 bilhões. É um
consumidor que terá que mudar para um plano de saúde de pior qualidade ou
recorrer ao SUS. Impacto semelhante se dará no setor de Educação e impactará
principalmente o ensino das famílias mais carentes, dependentes de créditos
estudantis.
Se mudarmos a lente para a experiência internacional,
veremos que o Brasil já impõe cargas tributárias sobre Saúde e Educação das
mais altas do mundo. Não se pode, dessa forma, aceitar o argumento de que
estamos caminhando, com a reforma, para o que há de mais moderno no mundo em
termos de tributação. Não é verdadeira a afirmação de que o Imposto sobre Valor
Agregado, ou IVA, é o modelo de imposto adotado em todo o mundo e aplicado de
forma unificada a bens e serviços, outro bordão a que recorre a equipe
econômica com frequência. A Educação teve um aumento expressivo de
inadimplência e de redução de mensalidades e espera que cerca de 25% das
escolas não sobrevivam à crise, incluindo aí a educação infantil, que deverá
praticamente desaparecer; já a Saúde viu suas receitas despencarem em pelo
menos 50% (com os laboratórios chegando a 70%), pois os hospitais foram
impedidos de fazer cirurgias eletivas e os serviços voltaram toda a sua atenção
ao combate à Covid-19.
Se somarmos os impactos da reforma tributária aos efeitos da
pandemia sobre estes setores, a consequência será o inquestionável fechamento
de escolas, universidades, hospitais e laboratórios por todo o país, gerando
uma migração de usuários para os serviços públicos. A única forma de evitar tal
cenário é a garantia da neutralidade da reforma tributária para estes setores.
Não se trata de pleitear qualquer tipo de benefício ou vantagem, apenas alinhamento
às melhores práticas internacionais, em benefício da população. É necessário
que o Legislativo envide esforços para ajustar a proposta, salvaguardando a
sobrevivência destes serviços essenciais ao progresso e bem-estar dos
brasileiros.
* Bruno Sobral é secretário-executivo da Confederação Nacional da Saúde (CNSaúde), Elizabeth Guedes é presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) e Fabio Cunha é diretor da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed)
** Este artigo foi originalmente publicado no jornal O
Globo