Com R$ 3,6 bilhões de impostos a mais ao ano, laboratórios e clínicas de imagem preveem que os preços ao consumidor final podem aumentar até 10%; mensalidades dos planos de saúde ficarão insustentáveis, levando milhares de pessoas para o já sobrecarregado sistema público, e o país dependerá cada vez mais de tecnologias importadas para diagnóstico e tratamento de doenças
16 de setembro de 2020
A proposta de Reforma Tributária apresentada pelo Governo
Federal ameaça a saúde de forma generalizada. Sem reconhecer a essencialidade
desse setor, o texto considera a unificação de PIS/Pasep e Cofins sob uma
alíquota única que aumentará drasticamente a carga tributária de instituições
de saúde e ampliará ainda mais as dificuldades de acesso já existentes.
No setor de medicina diagnóstica – indispensável para que
doenças sejam identificadas precocemente e, assim, os tratamentos sejam mais
efetivos bem como os pacientes tenham maior chance de recuperação –, os custos
tributários podem subir até 40,4%. Isso representa aumento médio de R$ 3,6
bilhões ao ano para laboratórios e clínicas de imagem; para o paciente, exames
até 10% mais caros.
Portanto, assistiremos a um efeito cascata com impactos que se
espalham por toda a cadeia.
Impactos para o paciente
Caso laboratórios e clínicas tenham mais R$ 3,6 bilhões de
custo com impostos ao ano, impreterivelmente haverá repasse de parte desse
valor para operadoras de saúde. Segundo a Associação Brasileira de Medicina
Diagnóstica (Abramed), pode haver aumento de até 10% no custo dos exames. No
final, o consumidor e as empresas contratantes dos planos de saúde pagarão a
conta.
“É impossível afirmarmos exatamente qual será o impacto em
cada tipo de exame e em cada prestação de serviço pois cada laboratório e
clínica de imagem terá liberdade para decidir como reorganizará suas contas.
Dessa forma, poderão ocorrer cortes na força de trabalho qualificada, aumento do
preço de exames individuais e de alta complexidade, redução da oferta, incremento
no custo geral de todos os procedimentos, entre outros. Mas acreditamos que, de
forma geral, os exames podem sofrer com até 10% de aumento”, explica Priscilla
Franklim Martins, diretora-executiva da Abramed.
Dessa forma, os planos de saúde tendem a ficar mais caros. Segundo a CNSaúde, as mensalidades podem subir 5,2%. Esse aumento é muito expressivo, principalmente quando consideramos que, no Brasil, 67,4% dos planos de saúde são empresariais, ou seja, ofertados pela empresa contratante ao colaborador. Para as empresas, esse custo pode tornar o benefício inviável. E, para os cidadãos que contratam planos individuais, o cenário não será diferente. Dessa forma, estudos da CNSaúde sugerem perda potencial de até 500 mil beneficiários de planos de saúde. Ou seja, mais 500 mil pessoas passarão a depender totalmente do Sistema Único de Saúde (SUS).
O SUS, que, na teoria, oferece atendimento universal a todo
cidadão brasileiro, já sofre com a demanda atual pelo orçamento insuficiente e pela
falta de infraestrutura para suportar todos os atendimentos, o que torna a rede
suplementar parte fundamental do sistema de saúde nacional. No pós-pandemia de
COVID-19, exatamente quando a saúde pública precisará de esforços para se
recuperar, poderá receber um fluxo maior de pacientes. Com o desequilíbrio
entre oferta e demanda, o cenário tende a piorar.
Hoje temos uma fila de espera para realização de exames na
rede pública com prazos maiores do que os estabelecidos na saúde suplementar e,
com a Reforma Tributária aumentando o custo da rede privada e dificultando o
acesso, a expectativa é de que essa espera aumente ainda mais.
Somente em 2019 o governo sancionou a Lei nº 13.896, que
estabelece o prazo máximo de 30 dias para a realização de exames que comprovem
o diagnóstico de câncer dentro do SUS; no entanto, para demais patologias e
tratamentos, não há previsão para realização desses procedimentos. “Diagnóstico
precoce salva vidas. Prevenção é o caminho para a saúde populacional, e cada
dia a mais de espera por um exame acarreta atrasos na confirmação de
diagnósticos, agravamento do quadro e diminuição das chances de desfechos
positivos nesses pacientes”, pontua Priscilla. O diagnóstico tardio é um dos
principais entraves à boa recuperação e a um prognóstico positivo.
Impactos para a economia
Com aumento de mais de 40% na carga tributária, impreterivelmente muitas empresas de medicina diagnóstica não conseguirão se manter em funcionamento. Com o fechamento de unidades pelo país, há uma tendência de aumento do vazio assistencial já identificado em uma nação continental como o Brasil. Ao pensar no câncer de mama, por exemplo, que segundo o Inca deve acometer mais de 66 mil mulheres em 2020 no Brasil, temos um cenário já complexo com que lidar. E ele tende a piorar.
Hoje, dados do Painel Abramed – O DNA do Diagnóstico mostram que, dos 5.570 municípios brasileiros, apenas 1.217 (21,8%) possuem ao menos um equipamento de mamografia. Entre esses, o número aproximado de mamógrafos é de 4,7 por cidade, em média. Do total de 5.723 mamógrafos em uso distribuídos no país em dezembro de 2018, 11,4% concentravam-se nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, com um total de 652 unidades. A região Sudeste concentra quase 47,44% dos aparelhos do país, tanto na esfera pública como na privada. Em seguida vem Nordeste (22,2%); Sul (15,7%), Centro-Oeste (8,5%) e Norte (6%).
Se o interior do país sofrer com o fechamento de unidades,
essas populações regionais terão ainda menos chances de realizar seus exames
preventivos em dia.
Além disso, há o impacto direto na economia. Em 2018, o
mercado de medicina diagnóstica foi responsável pela manutenção de mais de 250
mil postos de trabalho. “Com unidades fechando, laboratórios e clínicas
precisando reajustar suas contas para englobar esse aumento bilionário, é
inevitável dizer que a Reforma Tributária, nos moldes em que vemos hoje, levará
a uma nova onda de desemprego no setor”, esclarece Priscilla.
Impactos na medicina
O setor de saúde é altamente dependente de investimentos em
pesquisa, desenvolvimento e inovação. Com o aumento de custos tributários, as
grandes empresas do setor, responsáveis por evoluções muito importantes no
diagnóstico, terão menos chance de investir em novas tecnologias de
diagnóstico.
Um exemplo muito importante de como esse investimento é
fundamental está ocorrendo agora mesmo no país, diante da pandemia de COVID-19.
Assim que o primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus foi confirmado no
Brasil, as grandes redes privadas de laboratórios desenvolveram, in house,
os kits para diagnóstico da doença. Em um cenário de disputa global por
insumos, de incertezas e que exigia tomada rápida de decisão, essa capacidade
interna de produzir os exames foi fundamental.
Na sequência, esses mesmos laboratórios seguiram buscando
alternativas diagnósticas para aumentar a capacidade de testagem do país e,
hoje, já foram criados outros métodos para detecção da COVID-19 na fase aguda,
o que tem sido indispensável para a estratégia de contenção da transmissão do
vírus.
Além disso, sem investimento interno, ficamos mais uma vez
dependentes de importações e vimos recentemente como essa dependência é
prejudicial à saúde da população e ao desenvolvimento da indústria nacional.