Dependendo do imunizante e do teste escolhido, resultado negativo não significa que vacina não foi eficaz, mas que o exame não foi capaz de identificar aqueles anticorpos específicos
4 de fevereiro de 2021
A medicina diagnóstica tem sido protagonista no cenário de
pandemia de COVID-19. Em um primeiro momento, os testes foram fundamentais para
detecção rápida e isolamento das pessoas infectadas a fim de evitar a
disseminação desenfreada do novo coronavírus. Na sequência, para controle
epidemiológico e compreensão da parcela da população já exposta ao patógeno,
novos exames estão sendo utilizados. Agora que as vacinas foram
disponibilizadas – até o fechamento dessa matéria eram mais de 2,2 milhões de
brasileiros imunizados – a testagem assume um novo papel: o de checar a
eficácia dos imunizantes.
“Há um desafio pela frente para os laboratórios: encontrar o
teste sorológico com maior precisão para esse objetivo, visto que os atualmente
disponíveis podem não conseguir apontar a presença dos anticorpos protetores
gerados a partir dos diferentes estímulos vacinais”, explica Wilson Shcolnik,
presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Medicina
Diagnóstica (Abramed).
Somente no Brasil, por exemplo, a vacinação foi iniciada com
a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica
chinesa Sinovac, mas já está sendo providenciado também o imunizante desenvolvido
pela Universidade de Oxford em parceria com o laboratório AstraZeneca e há
negociações em curso para inclusão, em nosso Programa Nacional de Imunização, de
vacinas desenvolvidas na Índia e na Rússia.
Esse panorama ocorre porque os testes sorológicos são
desenvolvidos para verificar a presença de anticorpos contra o SARS-CoV-2,
proteínas específicas que se ligam ao vírus com o intuito de defender o
organismo. Porém, o vírus produz tipos diferentes de proteínas e o organismo
pode contra-atacar por diversas frentes. As principais proteínas que estimulam
o sistema imunológico são a Spike, responsável pela ligação do vírus na célula
humana e peça-chave na infecção; e as do nucleocapsídeo viral, envelope que
protege e carrega a carga genética do vírus, o RNA viral. Dentro desse cenário,
os fabricantes de testes de anticorpos utilizam uma dessas proteínas para
desenvolvimento dos reagentes.
Paralelamente, cada vacina tem um tipo de mecanismo
diferente de levar à imunidade – lembrando que todas protegem, em maior ou
menor grau, a população. Dependendo do tipo do imunizante, há um estímulo
específico de anticorpos contra uma proteína. Se o teste sorológico utilizado
não cobrir essa proteína, o resultado pode ser um falso-negativo em alguém que
está, de fato, imunizado. É o que explica Alvaro Pulchinelli, diretor científico
da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML).
“A vacina de Oxford, por exemplo, basicamente simula a
produção da proteína Spike. Para a pessoa que tomou esse imunizante, o teste
que busca anticorpos contra a proteína Spike conseguirá identificá-los. Agora
outros testes, que procuram na amostra do paciente, outras partículas do vírus,
podem não funcionar para confirmar a eficácia dessa vacina específica”, detalha.
Nesse caso, o resultado negativo não significa que a vacina não foi eficaz, mas
que o teste escolhido não foi capaz de detectar aqueles anticorpos contra
SARS-CoV-2 no paciente.
Não há essa preocupação para a testagem de pessoas que de
fato contraíram a infecção e adoeceram, pois, nesse caso, a pessoa foi exposta
ao vírus completo e teve seu sistema imune estimulado por mais de uma frente.
Diante desse alerta, para essa nova testagem, os
laboratórios precisam ter acesso à qual imunizante o paciente recebeu para,
então, identificar qual o melhor teste a ser feito, evitando, assim, resultados
falso-negativos. “Importante enfatizar que os testes sorológicos tentam checar
o estado imunitário do paciente e não dizer qual é a melhor ou pior vacina”,
complementa Pulchinelli.
Caso haja uma demanda por testes sorológicos para checagem
de eficácia das vacinas contra COVID-19, o setor pode trabalhar em conjunto a
fim de encontrar os testes mais eficientes para esse objetivo, assim como foi
feito no início da pandemia quando a Abramed e a SBPC/ML se uniram à Sociedade
Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) e à Câmara Brasileira de Diagnóstico
Laboratorial (CBDL) para a construção do Programa de Avaliação de Kits de
Diagnóstico para SARS-CoV-2, projeto que utilizou a estrutura de grandes
laboratórios nacionais para conferir a qualidade dos testes que chegaram ao
nosso país e, posteriormente, divulgar os resultados de forma aberta no portal
www.testecovid19.org.
Importante ressaltar que a Diretriz de Utilização (DUT) dos
testes sorológicos para a rede de saúde suplementar não inclui a testagem
pós-vacinal, ou seja, esse teste, até o momento, não está sendo coberto pelos
planos de saúde.