“Agora nosso maior desafio é econômico”

“Agora nosso maior desafio é econômico”

Fabio Arcuri, da Thermo Fisher Scientific, fala sobre medicina diagnóstica, as tendências do setor e as batalhas vencidas na pandemia.

4 de fevereiro de 2021

Quais foram os principais desafios que a indústria voltada à medicina diagnóstica enfrentou nos últimos meses? Como atuou para vencê-los e como pode auxiliar laboratórios nesse momento de recuperação? Para entender a visão das fabricantes, conversamos com Fabio Arcuri, commercial director da Thermo Fisher Scientific no Brasil e presidente do Conselho da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL) na gestão 2020/2021.

A fornecedora norte-americana de reagentes, consumíveis, instrumentação e serviços está muito atuante na pandemia de COVID-19 ofertando testes para detecção da infecção pelo novo coronavírus e vislumbra, na área de biologia molecular para doenças infectocontagiosas, um caminho profícuo para o futuro do setor.

Nessa entrevista, Arcuri também fala sobre os principais desafios da saúde no Brasil – entre eles a necessidade de mudança no modelo de remuneração dos serviços para maior sustentabilidade do setor – e reforça a importância da união de diversos players dessa complexa cadeia.

Confira a entrevista completa.

Abramed em Foco – A pandemia de COVID-19 impactou todos os setores da economia, sem exceção. Quais foram os principais desafios enfrentados pela Thermo Fisher Scientific ao longo dos últimos meses e qual a estratégia adotada pela companhia para vencê-los?

Fabio Arcuri – A pandemia nos atingiu em duas vertentes distintas. No que tange a RT-PCR e outros exames moleculares, tivemos uma participação muito importante no mercado global e provemos condições para que o Brasil conseguisse ofertar uma grande quantidade de testes para COVID-19. Nesse cenário, nossos principais entraves estavam atrelados à capacidade produtiva e à importação, entrega, instalação e validação das metodologias para que todo o negócio pudesse funcionar. Foi, de fato, um desafio muito grande conseguir que tantos clientes tivessem suas plataformas funcionando e apenas alcançamos sucesso por montarmos uma força-tarefa específica para esse mercado.

Paralelamente, assim como tantas outras empresas, sentimos o impacto no restante do portfólio que, desvinculado à COVID-19, sofreu certa anemia. Nesse ponto, nosso desafio foi, mesmo com a queda de volume e com as dificuldades logísticas, continuar provendo os serviços e produtos aos nossos clientes, mantendo nossa capacidade de entrega.

Abramed em Foco – Quais as particularidades do mercado brasileiro nesse momento de crise?

Fabio Arcuri – Diferente de outras nações, o maior desafio do Brasil foi a política de testagem. O país não soube se organizar. Tivemos, inclusive, que atuar junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para estender o prazo de validade dos reagentes, pois o governo não conseguiu distribuir e utilizar todos os testes disponibilizados. Faltou uma melhor estruturação para a testagem. Além disso, o país utiliza poucos testes diferentes do RT-PCR, um teste molecular de alta complexidade que nem todos os laboratórios têm infraestrutura para oferecer. Enquanto isso, dispomos da sorologia, um teste mais simples, porém que carece de uma validação mais profunda, até porque a pandemia nos afetou de forma muito ágil.

Abramed em Foco – Como tem sido o relacionamento da Thermo Fisher Scientific com seus clientes brasileiros durante a crise? Dificuldades surgiram?

Fabio Arcuri – Todos estão conectados digitalmente, então não observamos dificuldades para acessar nossos clientes laboratoriais. Com os médicos clínicos, que recebem os pacientes nos consultórios, sofreram com a ausência desses pacientes e, depois, com a sobrecarga advinda da retomada dos atendimentos e das abordagens comerciais, enfrentamos mais dificuldades. Eu, Fabio, sinto certa falta da proximidade física, mas acredito que o mercado vai adotar essa política virtual que permite mais flexibilidade às pessoas. Um membro da área comercial, por exemplo, consegue atender um parceiro em São Paulo e, no momento seguinte, outro em Portugal.

Agora, existem atividades que precisam da presença e o maior entrave percebido dentro da Thermo Fisher Scientific foi no campo de aplicação e serviços, visto que não são atividades que podem ser feitas à distância, obrigando os profissionais a se deslocarem junto com os equipamentos para instalação. Mas o importante é que tivemos um saldo positivo. Alguns poucos casos de COVID-19 em nosso time, todos leves, sem complicações e, principalmente, sem nenhum óbito.

Abramed em Foco – Os investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação se mostraram ainda mais relevantes?

Fabio Arcuri – A Thermo Fisher Scientific já investe uma porcentagem interessante do seu lucro em P&D de novos produtos, mas houve uma aceleração do processo como um todo e, sem dúvida, uma canalização desses investimentos para a área de biologia molecular em doenças infectocontagiosas. Essa é uma estratégia global e o mercado brasileiro tem muito potencial, pois tem mais de 210 milhões de habitantes e um setor público de saúde atuante, o que é fundamental para a disseminação desses exames. O que falta, no caso, não é nem estrutura para ofertar esses testes, mas estratégias que viabilizem essas negociações.

Pensando apenas nos exames RT-PCR, que se popularizaram agora na pandemia, existem máquinas, instrumentos, tipos de reagentes que permitem executar uma grande quantidade de testes por hora, mas o governo acaba comprando o sistema com baixo rendimento. Focado nos gastos, não percebe que a rápida entrega de resultados, em casos como esse, de pandemia, é muito mais vantajosa.

Abramed em Foco – Quais os principais pontos de atenção para o futuro da medicina diagnóstica?

Fabio Arcuri – Em primeiro lugar podemos colocar o point-of-care (testes feitos no ponto de atendimento), uma realidade que vai se tornar a cada dia mais presente no nosso meio. O segundo ponto é que, na virologia, muitas das doenças infecciosas passarão a ser testadas via diagnóstico molecular, pois é uma metodologia com maior eficácia diagnóstica para detecção desses patógenos. Não que a sorologia perca importância, pois é uma área que se mantém em alta e podemos observar isso agora com a vacinação contra a COVID-19, quando esses testes sorológicos serão fundamentais para entender o comportamento das pessoas frente à imunização. O terceiro ponto está na espectrometria de massas, testes que também representam aumento da sensibilidade e trazem resultados clinicamente ainda mais confiáveis.

Abramed em Foco – Como, a seu ver, a indústria pode auxiliar laboratórios e clínicas a recuperarem seus negócios afetados pela pandemia? Quais soluções são mais emergenciais?

Fabio Arcuri – Acredito que, agora, o maior desafio é econômico. Temos 210 milhões de habitantes, mas cerca de 50 milhões são responsáveis, segundo dados da CBDL, por metade do mercado de diagnóstico in vitro no país. Isso significa que essas 50 milhões de pessoas consomem o mesmo que os outros 170 milhões restantes. E assim vemos o nível da desigualdade.

O setor laboratorial privado está cobrindo um segmento que o Governo Federal não consegue atender, mesmo a saúde sendo um direito constitucional universal. Porém, esses laboratórios dependem, em sua grande maioria, de pacientes advindos dos planos de saúde, que são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Inicia-se, então, uma sequência que impacta a sustentabilidade do sistema.

Dentro da cadeia da saúde, há uma forte pressão nos custos dos procedimentos laboratoriais, causados por desequilíbrios macroeconômicos que se arrastam no tempo. Entre eles, a desvalorização cambial.  É importante lembrar que mais de 70% dos produtos e insumos IVD (In Vitro Diagnostics) são importados e, por sua vez, têm o custo impactado pela desvalorização cambial dentro de uma política fiscal pouco amigável. Esta situação afeta a saúde geral da cadeia e, portanto, dos fornecedores também.

O que precisamos é batalhar pela mudança no modelo de remuneração que impacta toda essa cadeia de serviços em saúde. Somente assim ofertaremos os melhores exames atendendo toda a população brasileira. Para contribuir com esse cenário de maior eficiência, a indústria está desenvolvendo metodologias em parceria com a academia e com as sociedades médicas para aplicar algoritmos decisórios capazes de otimizar o diagnóstico.

Abramed em Foco – Como enxerga a atuação da Abramed na medicina diagnóstica? O que espera da entidade como parceira para melhoria do setor?

Fabio Arcuri – Vejo a união da Abramed e de seus associados a outras entidades como uma postura muito positiva que tem levado a uma agenda alinhada às sociedades médicas, à academia e ao setor produtivo e comercial. Mesmo que alguns pleitos sejam diferentes, há muito interesse em comum, agendas sinérgicas. É o caso, por exemplo, desse trabalho por novos modelos de remuneração, que não é apenas uma necessidade da medicina diagnóstica, mas do setor de saúde como um todo.

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