Debate sobre os limites do setor de diagnóstico hospitalar foi conduzido pela Abramed na Digital Journey
01 de setembro de 2021
O setor de saúde como um todo segue debatendo de forma
consistente tanto o underuse quanto o overuse, ou seja, a não
realização de exames mesmo quando necessário e a realização excessiva ou
desnecessária de procedimentos diagnósticos. Reconhecer essa realidade é
fundamental para que o segmento possa atuar na busca pela segurança do paciente
e sustentabilidade dos sistemas. Para tratar desse assunto principalmente no
ambiente hospitalar, a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed)
conduziu um painel com especialistas durante a segunda edição da Digital
Journey, evento digital promovido pelo time da Feira Hospitalar.
Na noite de 30 de agosto, Leandro Figueira, vice-presidente
do Conselho de Administração da Abramed, recebeu Alessandro Ferreira, vice-presidente
comercial e de marketing do Grupo Hermes Pardini, e Marcos Paulo Novais Silva,
superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge),
para tratar desses questionamentos.
Um dos primeiros pontos – e talvez um dos mais relevantes do
debate – se prendeu à diferenciação de termos com grafias muito parecidas, mas
conceitos totalmente diferentes: racionar x racionalizar. No âmbito da medicina
diagnóstica, entender que a racionalização é importante para todos os atores da
cadeia, mas que o racionamento tende a ferir alguns princípios fundamentais, é
imprescindível.
O assunto foi iniciado por Silva. “Somos favoráveis à
racionalização no sentido de buscar o melhor uso, de forma consciente, evitando
tanto o overuse quanto o underuse. Mas somos contra racionar no
intuito de reduzir a assistência, entregando menos do que seria necessário”,
destacou.
Na visão de Ferreira, a racionalização é, inclusive, um
objetivo global. Segundo o executivo, a proposta universal é sermos cada vez mais
assertivos na prescrição e na realização dos exames diagnósticos. E isso
extrapola o ambiente hospitalar. “Na prática, os dois extremos seguem
acontecendo, tanto o excesso quanto a ausência. E isso pode acontecer pela
falta de esclarecimento da equipe médica quanto a maneira mais adequada de
conduzir aquela situação ou pela falta de conhecimento sobre as possiblidades
diagnósticas que estão disponíveis naquele serviço laboratorial do hospital”,
disse.
O executivo exemplificou como a falta de esclarecimento e de
conhecimento impactam na prescrição com um cenário visto durante a pandemia de
COVID-19. “Observamos, de modo geral, um uso acima do necessário de exames como
a procalcitonina, que só apresenta alteração depois de 48 ou 72 horas da
infecção, e de testes de dímero D. Tudo isso em decorrência da insegurança
causada pela novidade do novo coronavírus no ambiente hospitalar”. Segundo
Ferreira, com o melhor entendimento sobre o curso da doença, essas solicitações
também diminuíram.
Na outra ponta o especialista mencionou uma baixa utilização
de exames ligados à medicina personalizada e à genômica que mesmo não sendo
aplicados à urgência e à emergência, tem um papel essencial em especialidades
mais avançadas e hospitais que são centros de referência em algumas especialidades.
“A falta de conhecimento dos benefícios que esses exames podem trazer para o
hospital, os médicos, as operadoras e os pacientes leva a baixa utilização.
Cabe a nós, que entendemos as duas vertentes, termos uma conversa transparente
e auxiliar na construção de protocolos que conversem com todos os players
da cadeia de saúde”, disse.
Medicina defensiva
A judicialização da saúde também foi tema de debate nesse
painel sobre os limites da medicina diagnóstica no ambiente hospitalar. “Hoje
existe uma prática defensiva da solicitação de exames para embasamento clínico
e para a tomada de decisão. Qual o limite da solicitação de exames dentro de um
ambiente hospitalar”, questionou Figueira.
Reconhecendo que a medicina defensiva é uma calamidade não
só no Brasil, mas no mundo, Ferreira apontou que o limite está no bem-estar do
paciente, e isso não envolve apenas ele estar fisicamente saudável, mas ele
estar confortável e consciente de tudo o que está incluso no seu ciclo de
cuidados.
“Devemos levar em consideração também o conforto
psicossocial dos pacientes. Como balancear tudo isso? Com argumentação clínica”,
declarou. Para o executivo, uma das maneiras de garantir esse bem-estar está em
ser transparente com esse paciente assim que ele chega para o atendimento.
“Sabemos que a jornada pode depender da evolução da doença,
mas existem processos definidos e o paciente pode ter acesso ao desenho dessa
jornada. Porém, em muitos casos, ele fica sem a informação e acaba acordado no
meio da noite para uma coleta de exames que nem sabia que ocorreriam.
Demonstrar quais serão as etapas diminui a ansiedade e deixa menos abertura
para a busca desenfreada de informações na internet”, detalhou. Essa falta de
previsibilidade de sua própria jornada vai contra o cuidado centrado no
paciente e atrapalha a segurança psicológica.
Além disso, Ferreira pontuou ser preciso uma observação de
potenciais pressões externas, inclusive de familiares, que possam indicar um
risco de judicialização. Nesses casos, com embasamento clínico e científico
para qualquer decisão tomada, mesmo que seja a negativa para a realização de
determinado procedimento, há tranquilidade por parte do corpo clínico.
Na visão de Silva, que complementa o apresentado pelo
executivo do Hermes Pardini, dois pontos estão em jogo. O primeiro é o
conhecimento técnico e a formação do profissional de saúde, que tem que estar
sempre muito bem atualizado para agir com confiança. O segundo é que esse profissional
atende uma grande quantidade de pacientes diferentes, com necessidades
diferentes, todos os dias. Então ele precisa de protocolos e guidelines
que o auxiliem nessa tomada de decisão.
“Além da educação continuada, eu aponto como fundamental a
formatação de bons protocolos que deem amparo maior para que os profissionais
de saúde possam tomar boas decisões de forma rápida”, declarou.
Dificuldades, métricas e educação continuada
Avaliando como a medicina diagnóstica funciona nos
diferentes formatos de assistência, Silva pontuou que a assimetria de
informações é um fator complicador. “Nas redes verticalizadas, temos operadoras
e hospitais olhando de forma única e isso pode levar a um resultado menor do
que o desejável por conta de um alinhamento grande demais entre as duas pontas.
Por outro lado, fora da verticalização, o grande dificultador é a assimetria
pois há dois grupos independentes que se baseiam no fee-for-service, e
podem levar a uma busca pelo aumento da remuneração.
Na visão de Ferreira, talvez o modelo mais transparente
possível seja a inclusão de terceiros na estrutura dos hospitais e operadoras.
“Pois o serviço terceirizado não vai trabalhar custo como o laboratório
verticalizado do próprio hospital e o hospital não olhará seu laboratório como
uma central de custos. Quando há outros prestadores de serviço lá dentro, eles
emergem como moderadores dessa relação”, explicou.
Na sequência, o time de especialistas mencionou a
importância da educação continuada para que haja, de fato, essa racionalização
da medicina diagnóstica. “As grandes empresas do setor têm a obrigação de
investir em programas de educação médica continuada a fim de prover atualização
para os profissionais”, disse. Segundo ele, essa ação também contribui com o
acesso à saúde.
Outro ponto que merece investimento, na opinião de Silva, é
a construção de dados e indicadores mais ricos e confiáveis para o setor.
“Precisamos de informações sobre a efetividade de protocolos, sobre resultados
clínicos para levar para as universidades e auxiliar na formação médica”,
finalizou.