Saúde para todos: como promovê-la?

Saúde para todos: como promovê-la?

Por Gonzalo Vecina*

A garantia de saúde para todos somente vai acontecer se a sociedade entender que isso é fundamental. Se é por meio da iniciativa pública ou privada, não interessa; interessa que todos tenham acesso. Algumas ofertas são exclusivas do Sistema Único de Saúde (SUS), como a vigilância epidemiológica e sanitária. A saúde suplementar pode oferecer tecnologias que devem ser usadas para impactar toda a sociedade. A oferta deve ser única, ou seja, presente nos dois setores. A união das partes atenderá ao todo.

Na Constituição de 1988 está: “A saúde é um direito do cidadão e um dever do estado”. Porém, até hoje, não conseguimos chegar a esse objetivo. Podemos elencar como causadores de obstáculos o sub financiamento, os problemas na gestão, as deficiências no modelo de produção de serviços no sistema público, além da falta de tecnologia e recursos humanos.

Outro problema é o processo de envelhecimento populacional. Atendemos pacientes idosos e pessoas com problemas de saúde mais graves, então é um risco quando intervimos nesse tipo de paciente sem retaguarda de UTI. Durante a pandemia foi evidenciada a falta desses leitos. Tivemos de promover aumento, mas ainda não foi suficiente, porém,  o acordar para a existência de um sistema como o SUS foi uma grande conquista da pandemia.

Por isso, discutir as intersecções dos setores é benéfico para o acesso à saúde da população. Um exemplo: 60% da rede hospitalar é privada. Parte dela contratada pelo SUS e parte exclusiva do setor suplementar. Para ser mais eficiente, a iniciativa pública pode promover parcerias, criando filas únicas para todas as suas demandas, como as que já opera para transplantes, por exemplo.

As novas tecnologias também devem ser um ponto de atenção para promover o acesso à Saúde. Vimos isso ser implementado durante a pandemia com a telemedicina. Mas existem problemas complexos – a rede hospitalar brasileira tem 7,2 mil hospitais, aproximadamente. Posso dizer que temos uma informatização mais robusta em não mais de 10% desse contingente!

O que já acontece nas instituições bancárias pode ser exemplo para saúde. Investimento em sinais via satélite ou cabeamento de fibra óptica podem promover acesso à tecnologia da informação. Outra barreira a ser enfrentada é a interoperabilidade, seja na jornada do paciente, seja no controle de estoques, nos recursos humanos, na gestão financeira ou nos laboratórios. Além de dar acesso à telemedicina e acesso eletrônico a prontuários. O futuro dependerá disso. Mas temos muito o que caminhar, uma vez que somente 7% dos hospitais brasileiros têm prontuários eletrônicos. Serão necessárias políticas públicas e investimentos para pensar nas soluções que envolvem, inclusive, infraestrutura nas cidades mais isoladas, além de regulação. É demorado, mas deve ser construído desde já.

Com relação à medicina diagnóstica e às tecnologias ultramodernas, como a ressonância magnética nuclear, o PET-Scanner, os implantes inteligentes como o coclear, a cirurgia robótica e a impressão 3D de órgãos, o acesso à rede de dados é fundamental. Aliado à inteligência artificial, são instrumentos que podem trazer acessibilidade e agilidade para prevenção e tratamento de doenças. Um exemplo interessante são os equipamentos de point-of-care, que realizam análises clínicas e dão o resultado no local do atendimento.

Voltando à intersecção dos setores, promover uma central de diagnóstico remoto e digital que atenda a todos os hospitais de determinada região pode aumentar o acesso à Saúde diagnóstica. Inclusive, técnicos de enfermagem podendo participar da realização de ultrassonografias, por exemplo, que serão lidas remotamente e com agilidade por um especialista. Isso abreviaria o tempo de diagnóstico de muitas doenças por meio do uso de boas evidências.

Mas o SUS não dispõe de tanta tecnologia. Como promover um processo de atenção unificado? A intersecção entre público e privado na tecnologia depende da criação de um caminho singular: o setor suplementar não pode ter acesso a tecnologias que o SUS não tenha e, por outro lado, o SUS precisa ter acesso à tecnologia de forma mais inteligente do que foi até agora. Para isso, eu diria que se faz necessária a criação de uma agência independente para avaliar tecnologias e decidir qual vai ser colocada dentro do sistema de atenção à saúde brasileiro.

Então, para promover melhorias, voltamos ao tema investimento. Temos que levar em conta que, em meio à crise econômica atual no Brasil e no mundo, temos problemas não apenas na saúde, mas na educação, na alimentação, na segurança pública, na distribuição da justiça, no saneamento básico e não vamos conseguir construir uma torre de marfim na saúde. Ou conseguimos evoluir na implementação dos direitos básicos da cidadania de uma forma mais ampla, ou não tem saída.

O setor privado também tem problemas de financiamento, mas com características diferentes. Gasta-se muito sem gestão. O que não podemos é injetar dinheiro no privado sem que o impacto promovido por ele seja produzir saúde e não somente lucro, gerando um sistema de atenção baseado na promoção da qualidade de vida.

Toda saúde é um bem público. A ficha tem que cair. Não é uma transformação cultural fácil e deve demorar. A própria universalização, que é muito mais simples que a tecnologia, não conseguimos resolver, mas não tem outro caminho para uma sociedade desenvolvida, moderna e civilizada — coisa que ainda não somos, infelizmente.

*Gonzalo Vecina é médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um dos idealizadores do Sistema Único de Saúde (SUS) e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Associe-se Abramed

Assine nossa Newsletter