Com mais de sete mil tipos descritos na literatura médica, patologias raras atingem grande número de pessoas e é a segunda causa de mortalidade infantil no Brasil
As doenças raras, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), afetam até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos ou 1,3 a cada dois mil. Alguns dados estimam que, no Brasil, são 13 milhões de habitantes com algum dos sete mil tipos. Devido a ampla diversidade, o diagnóstico é complexo e, em muitos casos não há cura, apenas cuidados paliativos com valores inacessíveis para a maioria da população de um país de baixa renda. Legislação e tecnologia devem ser a alternativa para o acesso à Saúde desses pacientes. Essa é a segunda causa de mortalidade infantil no país.
Uma matéria do Word Economic Forum, publicada em março deste ano, repercutiu o tema a nível internacional e mostrou a situação epidemiológica global. Segundo o periódico, mais de 400 milhões de pessoas vivem com alguma doença rara no mundo, sendo 75% delas começando na infância e ocasionando a morte de terço das crianças antes dos cinco anos de idade.
Diagnóstico precoce
Esclerose múltipla, hemofilia, autismo, tireoidite autoimune, hipopituitarismo, demência vascular, encefalite, fibrose cística, hiperidrose, osteogênese imperfeita, hipotireiodismo congênito e hiperplasia adrenal congênita, são alguns dos exemplos desse tipo de doença. E pela quantidade de CIDs (Classificação Internacional de Doenças) relacionados, o diagnóstico depende de uma atuação precisa e capacitada de médicos e laboratórios especializados. Além de melhor acesso à informação para a população sobre o tema.
O trabalho é multidisciplinar. É necessário contar com um exame médico clínico que encaminhe corretamente o paciente, enquanto os laboratórios de medicina diagnóstica precisam contar com profissionais atualizados para detectar as alterações genéticas. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma equipe capacitada aumenta as chances de detecção de doenças raras: geneticistas, por exemplo. As análises também devem contar com médicos especialistas como neurologistas, pediatras e fisioterapia.
A medicina preventiva não deve ser negligenciada. Por ser, em sua maioria, de base genética e incidente maior em crianças, a análise neonatal a partir do histórico familiar já pode identificar, desde o nascimento, tratamentos adequados e assegurar qualidade de vida para o paciente, visto que a maioria das patologias não têm cura, muitas vezes são crônicas, progressivas e degenerativa. Além disso, o Teste do Pezinho, também pode identificar agravos.
Pela complexidade, os diagnósticos precoces demoram em média sete anos nos Estados Unidos e de dez a 15 no Brasil. Embora seja imprescindível o diagnóstico precoce, ainda não se consegue identificar sua causa e fechar um prognóstico preciso em cerca de 40% dos casos. Essa realidade afeta o paciente e seus familiares, pois, na ocasião de uma pessoa ser identificada com uma patologia rara, deve-se considerar o aconselhamento genético, uma vez que o histórico familiar influencia no aparecimento da condição.
Porém, com o acesso à tecnologia, redes de pesquisa colaborativas estão melhorando o compartilhamento de dados e recursos, padrões e protocolos comuns estão sendo desenvolvidos e o tempo médio para um diagnóstico está diminuindo. Os avanços na genômica e na medicina de precisão permitem que os pesquisadores entendam melhor as causas subjacentes de muitas doenças raras e desenvolvam terapias direcionadas.
A informação é importante, pois, sem diagnóstico precoces e tratamento adequados, as sequelas causadas pelas doenças raras são responsáveis pelo surgimento de cerca de 30% das deficiências (que podem ser físicas, auditivas, visuais, cognitivas, comportamentais ou múltiplas, a depender de cada patologia).
Todas essas premissas: capacitação de equipes e do uso de tecnologias, deve ser parte da formação do médico, é preciso explorar esse campo de atuação e atuar com medicina preventiva.
Remédios caros inviabilizam tratamento
Os Estados Unidos, União Europeia e Japão, subsidiam, em algumas jurisdições, a pesquisa de medicamentos órfãos, cuja produção não seria lucrativa sem a assistência do governo. São medicamentos órfãos aqueles usados para o diagnóstico, prevenção e tratamento das doenças raras, mas, a raridade dos casos, dificulta a comprovação da eficácia clínica destes medicamentos e a produção em larga escala.
Para discutir o tema complexo, foi instituído no Brasil, em junho deste ano, o Dia Nacional da Informação, Capacitação e Pesquisa sobre Doenças Raras no último dia do mês de fevereiro. Enquanto isso, alguns tratamentos estão sendo regulamentados, como o uso do canabidiol.
Mas, não há consenso entre indústria, operadoras de Saúde e entidades reguladoras sobre a oferta de cuidado desses usuários. A Saúde pública apresenta o mesmo problema. Por serem tratamentos de alto custo, muitas vezes, um único caso significa uma conta alta, o que pode levar o plano de saúde à insolvência, por exemplo. O preço proposto pela indústria farmacêutica para incorporação da droga que trata da atrofia muscular espinhal (AME) é de R$ 5,7 milhões por paciente. A AME é uma doença rara e degenerativa, passada de pais para filhos, como é comum entre esse tipo de doença.
Alguns especialistas defendem que interesses puramente mercadológicos não devem superar os interesses da oferta de cuidado, mas não existe consenso, tornando a vida do paciente dependente de judicialização. Com a publicação da Lei 14.454 no ano passado, o “rol taxativo” foi derrubado. Assim, as operadoras de assistência à saúde poderão ser obrigadas a oferecer cobertura de exames ou tratamentos que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, desde que haja aprovação por agências de avaliação de incorporação de tecnologias e comprovação de eficácia.