Dados digitais: a vulnerabilidade do paciente na transformação da medicina diagnóstica

Dados digitais: a vulnerabilidade do paciente na transformação da medicina diagnóstica

*Por Rogéria Cruz

A tecnologia em Saúde é algo já mandatório. A implantação de plataformas que otimizam a gestão, melhoram o aproveitamento dos recursos e a análise de dados, assim como apoiam as tomadas de decisão, trazem otimismo ao ecossistema desgastado pela falta de recursos financeiros. A evolução é comemorada, pois, na ponta, pode aumentar o acesso e proporcionar a oferta de cuidado de forma mais segura, rápida e preditiva. 

Além disso, pode permitir o exercício de uma medicina diagnóstica mais igualitária, levando atendimento a toda uma parcela mais abrangente da população, como aconteceu com a incorporação da telemedicina. Mesmo com deficiências, esse modelo de atendimento, indiscutivelmente, leva assistência às comunidades que vivem em locais remotos, com dificuldade de locomoção, que precisam do acompanhamento primário de forma mais ostensiva.

Porém, como toda novidade, enquanto o carro anda, a roda é trocada. Vale fazer algumas perguntas e buscar respostas, uma vez que as organizações devem refletir o que moralmente é desejável da parte dos profissionais e dos usuários a partir do uso de ferramentas que busquem salvaguardar o ambiente da Saúde. 

Seria admissível, por exemplo, pedir e compartilhar senhas? Violar as regras das organizações? Acessar ambientes computacionais fora da área de atuação? Compartilhar prints de telas de computador que possam caracterizar um incidente de segurança? Expor o paciente quanto aos seus dados diagnósticos, inclusive o assistindo de forma não igualitária? Ter dados de maneira tão fácil e compartilhada com tantos profissionais atua positivamente de forma disruptiva, mas aumenta o grau de exposição e de possibilidade de exploração.

Por isso, o próprio beneficiário deve ter controle sobre as suas informações pessoais e fiscalizar as unidades de atendimento quanto à aplicação de legislações protetivas. Enquanto isso, o desafio da gestão segura de dados para que maus profissionais, ou mesmo usuários, joguem dúvida sobre os avanços digitais depende da construção de valores, como honestidade, integridade e solidariedade. Seja no âmbito pessoal, seja no corporativo. Afinal, lidamos com pessoas, acima de tudo, que confiam e entregam em nossas mãos a sua expectativa de bem-estar e qualidade de vida, além da cura, entendendo que os avanços não os prejudicarão. 

A partir dessa premissa, enquanto as tecnologias vão sendo implantadas, a legislação voltada para manter a segurança da captura de dados, bem como sua utilização dentro das clínicas de diagnósticos, hospitais e operadoras, vem sendo construída. 

O setor sempre atuou preservando o sigilo e a confidencialidade, contudo o mundo digital amplia a possibilidade de trocas de informações. Logo, regular só reforça esse compromisso de tutelar todos os tipos de dados envolvidos na assistência. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi um início promissor para organizar e deliberar o que se fazia em ambiente pouco regulado: a internet. 

Mais recentemente, a Emenda Constitucional 115/22 acrescentou o direito à proteção de dados, inclusive digitais, entre os direitos e as garantias fundamentais. Além disso, as entidades de classe, como médica e de enfermagem, contam com seus códigos de ética com o objetivo de resguardar os pacientes de eventos danosos. Assim como o Código de Conduta da Abramed e o nosso Comitê atuam para promover conscientização e conhecimento. Inclusive, intensificar treinamentos, fazer campanhas de conscientização, ter ferramentas de apoio também são atitudes que reforçam a adesão a um bom programa de compliance, cujas ações devem ser constantes e duradouras.

Também estão em tramitação, em paralelo, o Marco Civil da Internet e a Lei das Fake News, que podem resguardar o paciente de atuações de profissionais que agem com má-fé (disseminando falsos tratamentos, por exemplo) e capturam pessoas e informações por meio de cadastros falsos, por exemplo.

Comprovando essa vulnerabilidade dos dados, recentemente acompanhamos pela imprensa casos de tentativas de driblar as regras dos planos. O fato trouxe à tona essa provocação sobre sigilo e proteção de dados pessoais. Mas avaliamos quando e de que forma o próprio usuário se expõe de forma autodestrutiva? Há interferência do setor médico?

Como uma grande ação orquestrada, também se encontram profissionais sugerindo que pacientes forneçam login e senha do plano para que seja feito o reembolso assistido, ou seja, o beneficiário recebe como promessa a facilitação do processo de pedido de reembolso. Uma espécie de aliciamento? O ordenamento jurídico não é omisso com relação a essa previsibilidade, pois o Artigo 171 do Código Penal trata do tema e gera sanções.

O usuário pode ter a falsa impressão de que essa prática de reembolso, por exemplo, afetaria apenas o seu plano, sem grandes danos, quando, na realidade, impacta todo o sistema em detrimento a ele mesmo e a seus familiares. Se o plano é corporativo, aumenta-se a sinistralidade, que reflete no valor a ser pago, o que aumenta o custo, que é repassado ao contratante. Assim chegamos a R$ 11,5 milhões de rombo financeiro nas operadoras.

A ocorrência de fraudes gera um impacto financeiro relevante, diminui a qualidade no atendimento ao paciente, assim como cancelamentos, colocando o usuário em risco diante de procedimentos desnecessários e aumentando os custos médico-hospitalares. Portanto, não há espaço para que sua prática seja tolerada pela sociedade, uma vez que, no final da cadeia, a conta é paga por quem precisa do atendimento.

As associações de classe estão tendo protagonismo em disseminar informações sobre a questão, buscando atuar de forma proativa. A Abramed, por exemplo, sempre tratou o tema como relevante para manutenção do equilíbrio do setor, abrindo espaço aos associados para que reportem casos que entendam importantes serem apoiados. Em um contexto de transformações em que a relação paciente-plano-profissional é cada vez mais centralizada em mecanismos online, discutimos incansavelmente o combate a ações criminosas.

*Rogéria Cruz é líder do Comitê de Proteção de Dados da Abramed e diretora Jurídica de Proteção de Dados do Hospital Albert Einstein

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