Fronteiras da IA na Medicina: desafios regulatórios e potencial transformador

Fronteiras da IA na Medicina: desafios regulatórios e potencial transformador

Por Rogéria Cruz*

Na saúde e na medicina diagnóstica, a inteligência artificial está revolucionando a forma como os profissionais lidam com diversas tarefas, desde a triagem de pacientes até a personalização de tratamentos. Sua aplicação abrange o apoio ao diagnóstico por imagem, a condução de pesquisas médicas avançadas e a otimização de processos de trabalho. A IA permite avaliar uma grande quantidade de dados de um paciente de maneira ágil e precisa, analisando prontuários eletrônicos para compilar o histórico de saúde, identificar riscos e ajudar na formulação de terapias personalizadas.

Por exemplo, na área de diagnóstico por imagem, existe um protocolo de AVC que permite uma avaliação mais rápida e facilita a comunicação entre a imagem e o pronto atendimento. Também há uma ferramenta que realiza o cálculo automatizado da idade óssea em radiografias de mão, outra que detecta fraturas em radiografias de extremidades, e mais uma, ainda, que utiliza tecnologia avançada para a detecção automática de alterações em radiografias de tórax.

Já estamos testemunhando modelos que trazem maior eficiência e redução de custos, o que tem impulsionado debates maduros sobre o impacto de uma regulamentação restritiva que não permita captar todo o benefício possível.

E justamente para regulamentar o tema, está em tramitação e discussão no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 2338/2023, que propõe estabelecer um novo marco regulatório para a IA no Brasil, visando garantir a proteção dos direitos fundamentais, a implementação de sistemas seguros e confiáveis e o desenvolvimento responsável dessa ferramenta. 

Recentemente, uma nova proposta foi apresentada para o texto regulatório, trazendo mudanças significativas e introduzindo algumas novidades. Entre elas, a criação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), que atuará em cooperação e harmonização com as demais agências e órgãos reguladores. Além disso, a proposta prevê a implementação de Códigos de Conduta, certificadoras e mecanismos de autorregulação.

A regulamentação precisa considerar questões éticas e de segurança, como a garantia do uso responsável das tecnologias, a segurança e o tratamento adequado dos dados, a acessibilidade, o impacto social, a desigualdade digital e as implicações morais e sociais específicas dessas tecnologias. É fundamental discutir sobre ética na inteligência artificial e garantir transparência. A tecnologia deve ser desenvolvida e usada de maneira responsável e justa, com o objetivo de atender a sociedade.

Enquanto a regulamentação está em tramitação, as empresas que atuam no setor de saúde precisam lidar com a tecnologia de forma responsável, utilizando dados confiáveis. É fundamental realizar uma análise de impacto algorítmico e implementar uma supervisão humana com monitoramento constante.

Os principais obstáculos que ainda precisam ser superados para uma regulamentação mais eficaz e abrangente são diversos. O maior desafio reside em buscar uma regulamentação que promova a inovação, mitigue os riscos e garanta segurança jurídica. Este é um processo complexo e desafiador.

Observando o cenário internacional, vemos discussões avançadas nos Estados Unidos e na Europa. Enquanto os Estados Unidos focam em iniciativas principiológicas e estruturas de governança e avaliação de risco, a União Europeia optou por uma legislação mais robusta e prescritiva, como o AI ACT, com 458 páginas.

Recentemente, tive a oportunidade de saber como o tema é tratado no Reino Unido e sua abordagem criteriosa e ponderada, com cinco princípios orientadores fundamentais: segurança, robustez, transparência, governança e segurança jurídica, que despertaram minha simpatia. Neste momento, estamos em busca de uma legislação que estimule o desenvolvimento socioeconômico, a inovação e a competitividade do país, sem deixar de lado a proteção de direitos e garantias. 

A colaboração entre governos, empresas de tecnologia, profissionais de saúde, reguladores e entidades, como a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), é essencial para o desenvolvimento da regulamentação em IA na área da saúde. A entidade tem desempenhado um papel de destaque nesse cenário, participando ativamente de discussões e audiências públicas, com o objetivo de sensibilizar senadores, deputados e a sociedade em geral sobre o impacto da IA no setor.

Inclusive, a Abramed desenvolveu a pesquisa “O uso da IA na medicina diagnóstica brasileira”, com dados de 30 laboratórios privados, que representam 65% de todos os exames realizados na Saúde Suplementar no Brasil. Segundo o documento, o uso da IA impacta mensalmente um número significativo de pacientes, variando de 10 mil a 140 mil, dependendo do porte e capacidade dos laboratórios.

Essa colaboração multifacetada pode gerar uma série de benefícios, incluindo a redução da desigualdade e a ampliação do acesso aos serviços de saúde. A inteligência artificial tem o potencial de ampliar as habilidades humanas e melhorar os resultados clínicos. Portanto, ouvir e valorizar todos os setores envolvidos, em uma abordagem integrativa, é fundamental para assegurar o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico do país, garantindo ao mesmo tempo a segurança, a eficácia e a ética no uso da IA.

Questões cruciais como responsabilidade civil, definição e classificação de riscos, governança e sanções estão sendo discutidas e refinadas. Estamos engajados com a sociedade na construção desse caminho, contribuindo ativamente para o texto em discussão. Já conseguimos a prorrogação, solicitada pelo Senador Eduardo Gomes, até o dia 18 de julho, da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA). Essa prorrogação garante discussões integrativas e multissetoriais, promovendo um debate amplo e aprofundado.

À medida que avançamos rumo a uma regulamentação abrangente da IA, é essencial manter um diálogo contínuo entre todos os envolvidos. Com a colaboração entre governo, empresas, profissionais de saúde e entidades reguladoras, podemos moldar um futuro em que a IA aprimore os cuidados de saúde, promovendo tanto a inovação quanto a segurança dos pacientes.

*Rogéria Cruz, Líder do Comitê de Proteção de Dados da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) e Diretora-Executiva Jurídica da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein

17/06/2024

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