Envelhecimento populacional, expansão da cobertura regional e menos operadoras de saúde atuando desenham novo cenário para mercado brasileiro
4 de setembro de 2024 – No cenário da saúde suplementar, a busca por acesso universal e pela sustentabilidade é um dos maiores desafios enfrentados pelo setor. Alexandre Fioranelli, diretor de Normas e Habilitação dos Produtos na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), destacou, durante sua palestra no 8º FILIS, a importância do setor privado na manutenção da saúde suplementar: “sem o setor privado não existe saúde suplementar”.
Fioranelli apontou que os sistemas de saúde enfrentam três crises principais: de valor, de objetivo e de evidência. A crise de valor refere-se ao crescimento insustentável dos custos associados à saúde, à desconexão entre gastos e resultados de saúde e ao desperdício significativo, que pode variar entre 20% e 40%, frequentemente devido a condutas médicas inadequadas e variabilidade nos desfechos dos tratamentos.
Quanto à crise de objetivo, se relaciona à discrepância entre os objetivos declarados pelos profissionais de saúde e a realidade prática enfrentada no dia a dia. Por fim, a crise de evidência trata do gap entre a pesquisa científica e sua aplicação clínica. Há um crescimento desconectado entre ambas em relação a novos diagnósticos e terapêuticas. “Gastamos quase US$ 400 mil em pesquisa. Precisamos tratar com sabedoria o que são esses estudos, considerando o que realmente essas tecnologias estão trazendo para o mundo real e como podemos usá-las”, afirmou.
Na última década, a expansão da cobertura da saúde suplementar para além da região Sudeste, alcançando o Centro-Oeste e polos da região Norte, tem se mostrado um desafio. Essa expansão exige a oferta de cuidados que garantam a qualidade e a sustentabilidade, com parâmetros equivalentes aos das regiões onde a saúde suplementar já está consolidada. Além disso, o cenário atual aponta para uma nova dinâmica na quantidade de operadoras médico-hospitalares.
Em dezembro de 2000 atuavam no Brasil 1.970 operadoras, número que caiu para 670 em 2024, com 90% dos beneficiários – quase 46 milhões – sendo atendidos por apenas 214 delas. “Os outros 10% são de operadoras de pequeno e médio porte, que precisam ser consideradas quando se fala de incorporação de tecnologias”, detalhou Fionarelli.
Para a atualização de práticas e avaliação de aplicabilidade de novas tecnologias em saúde, a Agência adota o sistema de Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS), método utilizado por grandes agências mundiais. Ele prioriza a análise da eficácia e segurança das tecnologias para os pacientes e, em um segundo momento, permite a avaliação do impacto orçamentário e econômico.
Fionarelli ressaltou que o objetivo é obter melhor evidência científica para garantir a segurança na incorporação de novas tecnologias. Isso envolve verificar se a tecnologia é efetiva e proporciona melhorias relevantes na saúde, avaliar a viabilidade do custo adicional em relação à sustentabilidade, considerar as necessidades e perspectivas dos pacientes, e assegurar que há estrutura organizacional, capacidade instalada e recursos físicos e humanos adequados para a implementação.
“Existe ainda o desafio de mapear profissionais prestadores e capacitação para tomar uma conduta. Tudo isso tem impacto direto na incorporação e sustentabilidade do setor. E quando se discute acesso e sustentabilidade, um fator importante nessa equação é o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS”, disse Fionarelli. O Rol é crucial para garantir a equidade no acesso, passando por uma avaliação contínua de tecnologias e procedimentos. Atualizado mensalmente, ele reflete as melhores práticas e inovações, com foco na eficácia, segurança e impacto orçamentário das tecnologias, assegurando que apenas as opções mais benéficas sejam incorporadas.
Entre os anos de 2021 e 2024, das 66 demandas que chegaram pelo site da ANS, 46 foram incorporadas, 26 ficaram fora e outras 10 estão em avaliação. Dessas últimas, 66% são da área oncológica, sendo 70% referentes a medicamento. A projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS) para 2050 indica um aumento substancial nos casos de câncer, com uma duplicação do número de diagnósticos em países subdesenvolvidos.
No Brasil, o aumento dos casos de câncer e a predominância de beneficiários economicamente ativos na faixa etária de 30 a 59 anos ressaltam a necessidade urgente de melhorar a qualidade diagnóstica, a coordenação do cuidado e a sustentabilidade do tratamento oncológico. Segundo o diretor, o modelo fragmentado de cuidados precisa ser reformulado para incluir investimentos em prevenção, promoção e diagnóstico precoce.
Fionarelli apontou que no Brasil há uma curva ascendente no número de diagnósticos e de mortalidade, especialmente entre a população de 30 a 59 anos, que representa uma parte significativa dos beneficiários do setor de saúde suplementar e que contribuem para o mutualismo do plano de saúde. Existe uma tendência crescente nesta faixa etária no risco de desenvolvimento de tipos de câncer. “Fica claro que, ao discutir acesso e sustentabilidade, o diagnóstico de neoplasias é particularmente desafiador,” afirmou Fionarelli.
De acordo com o diretor da ANS, é essencial discutir e melhorar o modelo de cuidado oncológico, focando em diagnósticos mais precoces, redução da fragmentação das intervenções e melhor coordenação do cuidado. “É evidente que as despesas aumentarão com o envelhecimento da população, e 60% dos casos de câncer são diagnosticados em estágios avançados (nível 3 e 4), resultando em tratamentos mais caros e com menor chance de cura. Observamos na ANS que as tecnologias oncológicas estão se tornando cada vez mais individualizadas, o que dificulta alcançar a sustentabilidade do setor”, disse.
A discussão sobre o conceito de “valor” na saúde é complexa devido à diversidade do mercado. O principal desafio é alinhar valor com compensação adequada para prestadores, tecnologias e profissionais, sempre priorizando o paciente e a sustentabilidade. É crucial focar em indicadores de desempenho que mostrem o impacto do cuidado no paciente, considerando o custo total da jornada do paciente. Protocolos clínicos devem estar associados a custos e metas, e a incorporação de tecnologias deve ser avaliada para melhorar o atendimento, os resultados clínicos e a satisfação dos beneficiários.
Para promover a sustentabilidade, segundo Fionarelli, é necessário investir na melhoria da qualidade do serviço, identificar desperdícios e analisar resultados clínicos com precisão. Reconhecer o papel de todos os profissionais e atores envolvidos ajuda a mapear custos, qualidade e desperdício, com o paciente como foco central. Após a análise, negociações baseadas em valor e eficiência podem criar um caminho sustentável para a saúde suplementar.
Fionarelli também destacou o trabalho da ANS em transformar dados brutos em informações de qualidade e em torná-las públicas para promover a transparência. Essa abordagem visa resolver problemas sistemáticos com base em dados e evidências técnicas, criando um ciclo virtuoso de melhoria.