Lideranças públicas e privadas se reuniram durante o Rio Health Forum para discutir a iniciativa, que visa centralizar o processo de incorporação de novas tecnologias e reduzir a judicialização
20 de novembro de 2024 – Foi discutida durante o Rio Health Forum, no dia 6 de novembro, a criação de uma agência única de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) no Brasil, cujo objetivo é centralizar o processo de incorporação de novas tecnologias, como medicamentos e procedimentos médicos, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto na Saúde Suplementar. A iniciativa também busca reduzir a judicialização no setor.
Cesar Nomura, presidente do Conselho de Administração da Abramed, foi convidado a debater o tema junto a outras lideranças públicas e privadas no painel: “Agência Única de Avaliação de Tecnologia: É Urgente Tratar desse Assunto!”. Organizado pela Diretoria de Normas e Habilitação de Produtos (DIPRO), da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o debate teve como moderador Alexandre Fioranelli, diretor de Normas e Habilitação de Produtos da ANS.
Também participaram: Carlos Salgado, diretor do Departamento de Regulação Assistencial e Controle da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde; Daiane de Lira, membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Denizar Vianna, presidente do Rio Health Forum (RHF); Gustavo Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge); Nelson Teich, médico oncologista e ex-Ministro da Saúde; Renato Porto, presidente-executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma); e Vanessa Teich, diretora de Transformação da Oncologia e Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein.
Fioranelli contextualizou, explicando que a ATS é o processo científico que avalia a eficácia, a segurança, o custo-benefício e o impacto social das novas tecnologias antes de sua incorporação ao sistema de saúde. Atualmente, no Brasil, a ATS é realizada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), para o SUS, e pela ANS, para o setor privado. A criação de uma agência única unificaria esses processos, consolidando as avaliações e eliminando duplicidades, o que traria maior consistência nos critérios de aprovação e nas prioridades de incorporação.
“Atualmente, a ATS enfrenta grandes desafios, como o impacto das novas tecnologias na saúde e mudanças sociais. Há necessidade de discutir um modelo metodológico mais profundo, que tenha a capacidade de avaliar também o valor social. A bioética precisa entrar nessa discussão. Uma nova ATS deve responder a demandas individuais ou de grupos minoritários sem comprometer o atendimento às necessidades de grandes parcelas da população. Ela deve ser o negociador entre ação política, social e evidência acadêmica”, disse.
Segundo ele, uma agência única poderá trazer maior celeridade ao processo de avaliação, com potencial para reduzir a judicialização e assegurar independência técnica no processo de ATS. Além disso, essa centralização permitiria definir prioridades com mais precisão e evitar o retrabalho atualmente existente entre SUS, Conitec e saúde suplementar.
Por sua vez, Vianna, do RHF, apontou que os métodos de avaliação de tecnologias em saúde estão evoluindo. “Como sistemas de saúde, precisamos definir prioridades com base na carga de doenças e nas necessidades não atendidas, permitindo um ranqueamento mais claro das escolhas. A Europa já avança na harmonização desses processos, estabelecendo critérios uniformes para tornar as decisões mais consistentes e eficientes”, expôs.
Ele apontou, ainda, que o processo atual é fragmentado e moroso. “A celeridade é essencial para evitar a judicialização e garantir respostas rápidas no sistema de saúde. Precisamos de transparência sobre o orçamento para definir as prioridades. A proposta de uma agência única de ATS visa implementar uma política proativa que possa fazer essa priorização, evitando que o processo se baseie em demandas reativas. A centralização minimizaria os gaps entre as diferentes instâncias e traria mais eficiência”, acrescentou Vianna.
Vanessa, do Hospital Israelita Albert Einstein, elencou as vantagens e os desafios da agência única. Segundo ela, ao unir o SUS e a saúde suplementar em uma única estrutura, haverá ganhos para todos os envolvidos. Além disso, essa centralização permitiria uniformizar os processos de incorporação de tecnologias. “Uma agência única fortalece o time técnico, para que ele possa fazer a avaliação sem variabilidade. Já o terceiro ganho é a possibilidade de criar uma obrigatoriedade para que toda tecnologia de alto custo passe por essa avaliação”, expôs.
Em termos de desafios, citou a dificuldade de priorização. “Como as realidades do SUS e da saúde suplementar são diferentes, surgem questões sobre como a agência única lidaria com essas divergências. Como decidir quais tecnologias serão incorporadas para cada sistema? É possível que uma tecnologia seja aprovada para a saúde suplementar, mas não para o SUS”, questionou. O segundo desafio envolve preço: “os valores da tecnologia podem variar entre os dois sistemas, mesmo quando a avaliação é feita por uma agência única de caráter nacional?”.
Como radiologista, professor e presidente do Conselho de Administração da Abramed, Nomura lembrou que a especialidade é uma das que mais usam IA na saúde. Ele concorda que a escolha pela incorporação das tecnologias precisa ser técnica, mas apontou desafios. “Os grandes obstáculos são a limitação de recursos e a diferença no tempo de incorporação das tecnologias no SUS e na saúde suplementar.”
Como exemplo, mencionou a incorporação do implante percutâneo de válvula aórtica (TAVI) no Rol da ANS, na época, a um custo elevado. Com o tempo, o custo foi reduzido e, hoje, a tecnologia já está incluída no SUS, trazendo resultados positivos. “Precisamos encontrar maneiras de focar na qualidade e oferecer o que há de melhor em tecnologias para os nossos pacientes. A Tabela SUS Paulista é um exemplo de mudança que vem promovendo o equilíbrio na alocação de recursos”, expôs.
Sob a perspectiva do pagador, Ribeiro, da Abramge, disse que a ideia de uma agência única para a avaliação de tecnologias em saúde é muito bem-vinda, porque pode ajudar a prever custos. “Ao administrar o dinheiro dos clientes, as operadoras de saúde precisam de equidade, que ajuda a gerar previsibilidade”, disse.
Conforme explicou, ceder às pressões momentâneas, no caso da judicialização, resulta em um aumento do custo total, comprometendo a sustentabilidade financeira. Nesse ponto, a unificação dos processos pode ser um passo importante para ajudar a equalizar o sistema.
Porto, da Interfarma, também abordou os custos, citando os altos valores para manter a carga de inovação produzida pela indústria no Brasil. “O país é o mais lento entre os da América Latina na incorporação de tecnologia”, apontou. E fez um pedido: “O debate sobre a agência única precisa ser aberto, transparente, qualificado, técnico e profundo. Estamos empenhados nessa discussão.”
Em resposta à Vanessa, disse que o SUS e a saúde suplementar têm necessidades diferentes de ordem contratual, preço e de saúde. “Não podemos correr de risco de diminuir a qualidade do nosso atendimento. A ideia é que esse processo de unificação gere naturalmente aprimoramento da qualidade, mas gostaríamos de ver isso com dados e consistência técnica”, expôs.
Ex-Ministro da Saúde, Teich lembrou que no início das discussões sobre a agência única, o objetivo era que fosse uma instituição de inteligência e não de incorporação tecnológica, porque a incorporação é a consequência da política de um país. “A pergunta que devemos fazer é qual problema eu quero resolver? Quais são as prioridades do país, baseadas nas necessidades da população, qual a infraestrutura necessária, como garantir o acesso, como funciona na prática, quais as inovações? Para isso, precisamos de uma gestão adequada e, aí sim, decidir o que incorporar”, salientou.
Também é importante, de acordo com ele, considerar que o SUS nunca será como a saúde suplementar, por isso, convém discutir como trabalhar essas diferenças. “Precisamos fazer escolhas, escolha é poder. A agência única tem que entender as saúdes pública e privada do país, as necessidades de cada uma, qual o recurso e estrutura existentes e mapear o desfecho”, disse.
Pelo CNJ, Daiane abordou a complexidade do sistema de saúde e a falta de transparência, que gera problemas de entendimento para o judiciário. “O Brasil tem 760 mil ações judiciais tramitando no país relacionadas ao setor. Dessas, 60% são da saúde pública e 40% da suplementar. O juiz precisa entender como funcionam ambas”, contou.
Ela ressaltou que é preciso unificar as regras, tornando-as mais simples e transparentes, evitando a fragmentação de etapas. “Essa fragmentação aumenta a judicialização e torna o processo mais longo. Há um distanciamento entre a precificação e o registro, e isso deve ser aproximado. A ideia de uma agência única, que cuide de todas essas etapas, é excelente. Com ela, também teríamos poder de negociação”, opinou.
Em sua participação, Salgado, do Ministério da Saúde, revelou que o governo está ávido pela interação entre os sistemas público e privado. “É importante contar com todos os atores que atuam no processo, como a indústria, os provedores de assistência, o poder público e o judiciário. Precisamos discutir abertamente essa relação”, declarou.
Para ele, é no processo de debate que será possível identificar se vale o esforço de criar a agência única. “Deveríamos discutir quais as fontes de financiamento e o tamanho do recurso para prover um modelo de atenção integral, equânime e universal para a população. Mas acabamos fazendo o contrário: qual é a disponibilidade orçamentária e como vamos prover essa atenção. Essa é a realidade”, revelou, acrescentando que a incorporação de tecnologias tem de ser balizada pelo custo social.
Nas considerações finais, os participantes destacaram que é por meio da cooperação e do diálogo propositivo interinstitucional que será possível encontrar o caminho para o acesso à saúde para toda a população, com sustentabilidade e de forma responsável.