A discussão revelou a complexidade das questões que o setor enfrenta, desde sustentabilidade financeira até inovações tecnológicas necessárias para garantir qualidade e acesso.
20 de novembro de 2024 – Qual o futuro da saúde? O tema foi discutido no painel “Desafios da Saúde Suplementar para os próximos 20 anos”, organizado pela Diretoria de Desenvolvimento Setorial (DIDES) da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) no Rio Health Forum (RHF), realizado nos dias 6 e 7 de novembro, no Rio de Janeiro.
Cesar Nomura, presidente do Conselho de Administração da Abramed, esteve entre os líderes convidados para debater o assunto. O painel foi moderado por Marco Aurélio Ferreira, diretor de Relações Institucionais e Governamentais da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp); e Maurício Nunes, diretor de Desenvolvimento Setorial na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Também participaram Emmanuel Lacerda, superintendente de Saúde e Segurança na indústria do SESI; Julio Maciel, diretor-presidente na Uniodonto Porto Alegre; Marcos Novais, diretor-executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge); Paulo Sardinha, presidente da Diretoria Executiva da Associação Brasileira de RH (ABRH); e Roberto Cury, presidente da Associação Brasileira de Planos Odontológicos (Sinog).
Mauricio abriu a sessão com números do setor, mostrando que, em dezembro de 2014, a saúde suplementar tinha 19,6 milhões de beneficiários, hoje, passados 10 anos, são 34 milhões. “O segmento tem um peso importante para a economia do país, atendendo um quarto da população brasileira. E poderia atender muito mais, porque é um grande desejo da sociedade ter plano de saúde, é um grande desejo dos contratantes ofertar plano aos seus funcionários”, disse. Ele apontou, ainda, que nos últimos anos houve momentos turbulentos, novas medidas e alterações legislativas importantes.
Em sua introdução, Ferreira, da Anaph, citou que nos últimos 20 anos, a tecnologia assumiu um papel essencial no dia a dia da sociedade. “E como será nos próximos anos? Esse é um grande desafio, porque a velocidade do desenvolvimento de inovações aumentou muito. E há outras questões que precisam ser discutidas, como aumentar o acesso à saúde suplementar para desafogar o SUS, como melhorar os serviços, mantê-los dentro do orçamento e promover um relacionamento mais eficiente entre os diferentes atores do setor.”
Segundo Paulo, da ABRH, o desafio para os gestores é encontrar formas de integrar soluções sustentáveis que evitem a deterioração dos planos de saúde, garantindo sua continuidade e qualidade. “A grande preocupação não é apenas assegurar, mas melhorar a oferta de um benefício que é considerado muito valioso. E isso tem relação direta com a competitividade do país”, disse.
Para ele, é necessária uma maior integração entre as empresas e o ambiente de saúde como um todo. A entidade tem atuado para apoiar os gestores na promoção da saúde e na manutenção da qualidade dos benefícios, evitando soluções paliativas, como a simples troca de planos sem melhorias reais. “O objetivo é fortalecer a colaboração entre contratantes e o setor para enfrentar os desafios estruturais”, expôs.
Para Lacerda, do SESI, os desafios relacionados à sustentabilidade e ao financiamento da saúde suplementar são cada vez mais evidentes. Existem questões estruturais de relacionamento e integração que precisam ser enfrentadas, especialmente considerando que nem todas as indústrias oferecem planos de saúde aos seus colaboradores. “Embora seja difícil prever como será o cenário daqui a 20 anos, hoje já enfrentamos o desafio de manter esse benefício acessível”, destacou.
De acordo com ele, é impossível pensar na saúde suplementar sem considerar o sistema de saúde como um todo. Existe o risco de que a saúde suplementar se torne um produto premium, restrito a quem pode pagar, o que reforça a urgência de encontrar soluções integradas e sustentáveis para o setor.
Nesse ponto, Nunes, da ANS, comentou que a integração de dados é um grande passo para viabilizar o prontuário único. Ele ressaltou o trabalho conduzido pela Secretaria de Informação e Saúde Digital do Brasil, do Ministério da Saúde, para avançar nesse objetivo. “Após alimentar a base de dados, vem a integração, para depois começar a implementação do prontuário eletrônico. Enxergo esse movimento com muito otimismo.” Nunes também enfatizou que a interoperabilidade de dados de saúde é um dos grandes desafios no Brasil, mas um caminho indispensável para a melhoria do sistema.
Por sua vez, Cury, da Sinog, abordou os desafios específicos da regulação no setor de planos odontológicos, frisando a necessidade de um olhar diferenciado para a odontologia. “Os planos odontológicos têm demonstrado capacidade de oferecer serviços de qualidade, mas é essencial avançar em uma regulação mais equilibrada”, afirmou.
Ele também reforçou a importância de uma mudança cultural no Brasil, pois ainda prevalece a visão de buscar tratamentos pontuais em vez de adotar cuidados contínuos. Conforme garantiu, as operadoras estão prontas para estabelecer Parcerias Público-Privadas (PPPs) para colaborar com o poder público no resgate da saúde bucal da população. “Nos próximos 20 anos, esperamos promover essa transformação cultural e contribuir para um futuro em que as pessoas valorizem a saúde bucal ao longo de toda a vida. Estamos no caminho certo”, assinalou Cury.
Sobral, da CNSaúde, abordou os desafios da produtividade no setor privado, enfatizando que medir qualidade e resultados nesse segmento é mais complexo do que em outros mercados, especialmente devido à diversidade de riscos enfrentados pelos players. Ele apontou três dilemas principais relacionados a esse tema.
O aspecto macro envolve questões de escala, escopo e economia de networking, com as empresas focando mais no crescimento e tamanho do que em produtividade em nível micro. “O mercado de fusões de aquisições é importante para os próximos 20 anos, pois vai dar mais solidez para as operadoras e para os hospitais. Isso não significa verticalização, há grupos que se incorporam horizontalmente e também a criação de grandes alianças nacionais.”
Um dos aspectos micro é a judicialização, que continua sendo um grande obstáculo, introduzindo custos imprevistos que comprometem a sustentabilidade do sistema. O outro aspecto é a regulamentação, como demonstram os mais de 50 projetos sobre pisos salariais em tramitação no Congresso, envolvendo Anvisa e ANS, que também afetam o caixa das empresas.
De acordo com Nomura, da Abramed, para projetar o futuro da saúde, é essencial compreender os desafios atuais. Três fatores se destacam como determinantes. “Um é a sustentabilidade financeira, senão chegaremos daqui a 20 anos e o que teremos é um sucateamento. A relação hoje é de perde-perde”, declarou.
O segundo envolve a maneira como a tecnologia será incorporada, pois é preciso sabedoria nessa questão. O terceiro diz respeito ao aumento dos custos em saúde devido ao envelhecimento populacional. Ele lembrou que a expectativa de vida no Brasil é de 76,4 anos, de acordo com o IBGE. “Esse cenário nos preocupa.”
Além disso, para Nomura, a qualidade precisa ser um balizador. Iniciativas como o programa de qualidade para a Medicina Diagnóstica da ANS são importantes, e a Abramed é parceria. “O setor privado precisa andar de mãos dadas com o governo. Parabenizo a iniciativa da ANS, que pode ser um filtro para que as instituições não abram mão da qualidade. Mesmo que elas não sejam remuneradas por isso, pelo menos atuarão como uma régua para o setor”, expôs.
Na opinião de Novais, da Abramge, não será possível avançar se continuarmos administrando um setor estagnado e sem crescimento. “Estamos diante de um cenário de margens baixas e o investidor procura setores que consigam escalar e se expandir. A chave para atrair mais investimentos é criar um ambiente favorável para o crescimento, o que nos permitirá deixar de lado a discussão sobre como gerenciar recursos limitados”, disse.
O desafio agora é fazer a “roda do crescimento” girar: aumentar o investimento, gerar produtividade e entregar mais valor. “Para alcançar isso, precisamos tomar decisões rápidas e traçar uma rota, considerando quais tipos de produtos poderiam atrair mais beneficiários.”
Ao olhar para os próximos 20 anos, Novais acredita que não veremos uma inovação disruptiva capaz de mudar completamente o setor, mas sim a necessidade de inovar e aprimorar continuamente as práticas existentes.
Já Maciel, da Uniodonto, apontou que o setor de saúde bucal tem apresentado um grande crescimento, mas também enfrenta desafios. “Um dos principais é definir a direção do modelo de negócios: queremos oferecer produtos de baixo custo ou ser uma operadora que, em sua essência, valoriza o prestador de serviços? A Uniodonto se posiciona como uma operadora que não busca ter baixo preço, mas oferecer qualidade.”
Outra questão é a falta de dados sobre os desfechos de saúde bucal, o que dificulta a mudança do sistema de pagamento. “O fee for service é pesado, mas onde estão os dados para pagamento por performance? Esse é o nosso maior desafio: buscar tecnologia para podermos quantificar os desfechos”, comentou. Além disso, considera necessário discutir novos modelos assistenciais e regulatórios.
De forma geral, o painel mostrou que o futuro da saúde suplementar passará pela combinação de tecnologias, novos modelos de pagamento e uma maior integração entre o público e o privado. No entanto, a eficiência e a personalização dos serviços serão fundamentais para enfrentar o envelhecimento da população e as crescentes pressões econômicas.