A integração de dados é fundamental para reduzir o custo operacional da saúde suplementar e do SUS, para que esse valor seja utilizado na melhoria da qualidade do atendimento.
20 de novembro de 2024 – “RNDS: Próximos passos para uma interoperabilidade e integração dos dados em saúde” foi o tema do painel moderado por Milva Pagano, diretora-executiva da Associação brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), durante o Rio Health Fórum, realizado nos dias 6 e 7 de novembro, no Rio de Janeiro.
Participaram Angelica Carvalho, diretora-adjunta de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Jussara Macedo, terminologista e especialista em Modelagem de Informação do Hospital Sírio-Libanês; e Marina Viana, consultora da área de saúde. Elas abordaram a importância da Rede Nacional de Dados em Saúde para a integração de dados tanto da rede pública quanto da privada.
O painel começou com uma apresentação de Angelica, que destacou a interoperabilidade como um tema estruturante para o sistema de saúde brasileiro. “A RNDS é essencial para elevarmos a política de regulação, organização e estruturação da saúde, alinhando-a com os objetivos que desejamos alcançar enquanto sociedade”, afirmou. Segundo ela, a criação de uma rede nacional de dados em saúde deve ser vista como prioridade e um patrimônio para o futuro.
Analisando pelo lado da saúde suplementar, Angelica ressaltou que com o rápido envelhecimento da população brasileira, se a legislação não for adaptada, os reajustes podem se tornar insustentáveis. A ausência de dados integrados impede decisões estratégicas: sem informações confiáveis, a capacidade de planejamento, investimento e integração do setor fica seriamente comprometida. “A RNDS permite construir esse cenário do ponto de vista de macropolítica e de política regulatória setorial”, disse.
No entanto, conectar a saúde suplementar à RNDS envolve superar desafios de linguagem e tecnologia, especialmente na padronização das informações. No setor privado, foi criado o Padrão TISS (Troca de Informação em Saúde Suplementar), obrigatório para operadoras e prestadores, permitindo que troquem dados uniformemente. “Com ele, é possível gerar informações sobre a produção assistencial, possibilitando à ANS acompanhar a qualidade dos serviços, analisar a demanda e regular o setor”, disse Angelica.
Mas há desafios. Atualmente, a ANS enfrenta limitações para realizar a análise epidemiológica da população, pois não recebe dados de diagnóstico. Em 2010, uma decisão judicial proibiu as operadoras de exigirem o preenchimento da Classificação Internacional de Doenças (CID) em guias para exames e honorários médicos.
Mais um problema é que muitos estabelecimentos ainda não possuem o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), embora já troquem informações pelo Padrão TISS. Melhorar a oferta e a atualização do CNES junto aos estabelecimentos da saúde suplementar é um passo importante para evitar lacunas nos dados, disse Angelica. Outro desafio é a disparidade entre as tabelas de codificação usadas pelo SUS e pela saúde suplementar.
Para integrar os dados da saúde suplementar ao Conecta SUS, ainda há um obstáculo importante: o Ministério da Saúde precisa assinar um termo de confidencialidade e assumir a responsabilidade pela proteção dessas informações. Com isso formalizado, inicia-se uma nova fase: como fazer o sistema operar efetivamente.
“Em Singapura isso já é possível, vamos mirar nos bons exemplos. Se temos uma receita federal poderosa, porque não termos também um Ministério da Saúde poderoso, passando essas informações para a ANS, para que ela também se torne poderosa e possa regular as operadoras? Assim, teremos como saber quais são as necessidades em relação a mapeamento epidemiológico, coordenação e gestão do cuidado”, disse Angelica.
Milva lembrou que, durante a pandemia de Covid-19, a troca de dados por meio da RNDS operou de forma muito efetiva. “O desafio é ampliar. E o desafio maior ainda é pensar na RNDS além do SUS. Não dá para igualar SUS e saúde suplementar, há diferenças que precisam ser respeitadas. A RNDS é a ferramenta para conseguirmos usar o recurso certo da maneira adequada. Através dela, é possível ir além do SUS e da agenda epidemiológica, promovendo a melhoria da gestão do cuidado efetivamente”, disse.
Na sequência, Jussara compartilhou sua vasta experiência no tema, ressaltando que a integração dos dados públicos e privados é imperativo. “Do ponto de vista do usuário, é preciso que haja um lugar que agrupe todas as informações sobre sua saúde”, disse. No contexto do Proadi-SUS, ela citou o projeto International Patient Summary (IPS), uma colaboração entre o Brasil, Canadá e outros países para criar um sumário internacional de dados clínicos de pacientes.
Esse projeto busca unificar e compartilhar dados de saúde entre países, facilitando o atendimento transfronteiriço e promovendo a continuidade do cuidado. Com o apoio de tecnologias digitais, a iniciativa também visa a padronização dos registros eletrônicos de saúde no SUS, permitindo a interoperabilidade dos sistemas de dados e um melhor acesso à informação clínica para profissionais de saúde e pacientes, através da RNDS.
Jussara, abordou, ainda, o Open Concept Lab (OCL), uma plataforma de código aberto voltada para a gestão colaborativa e publicação de terminologias e metadados de saúde. Com uma estrutura centralizada e baseada na nuvem, o OCL permite que organizações de saúde criem, mantenham e compartilhem dicionários de conceitos e mapeamentos, o que facilita o alinhamento com padrões internacionais, como ICD-10, SNOMED CT e LOINC.
“O objetivo da integração de dados é reduzir o custo operacional da saúde suplementar e do SUS para que esse valor seja utilizado na melhoria da qualidade do atendimento. A padronização traz informações mais precisas, o que permite o monitoramento assistencial”, disse Jussara. Nesse ponto, Milva reforçou que a questão não é economia pela economia, mas evitar o desperdício e usar o recurso de maneira efetiva.
Em sua participação, Marina compartilhou que o primeiro ponto importante é gerar acesso, pois enquanto instituições privadas têm fácil conectividade, algumas unidades do SUS em regiões remotas não contam com sinal de internet. “Muito tem sido feito, mas ainda há grandes oportunidades de avançar nesse quesito. Quase todas as fabricantes têm 90% de suas máquinas com conectividade”, apontou.
Marina disse que as fabricantes de tecnologia precisam adotar uma linguagem padronizada, mas que seja flexível para se adaptar a novas regulamentações e não gere custos posteriores. “Com o avanço da inteligência artificial e da tecnologia, é pouco provável que o FHIR (Fast Healthcare Interoperability Resources) ainda seja padrão daqui a cinco anos. Os fabricantes precisam ter essa visão de adaptabilidade e atualização tecnológica, tanto de hardware quanto de software, pensando no futuro”, expôs.
Ela também frisou que o custo da saúde está alto e que é gasto mais do que se deveria. “Isso acontece porque os dados não estão integrados e não temos padrão. Sem interoperabilidade, a situação não vai mudar”, reforçou, acrescentando que os prestadores de saúde também precisam entender a importância de o paciente ter o dado. “Ainda existe o protecionismo, mas o paciente não é de ninguém.”
Aproveitando para falar sobre parcerias público-privadas (PPPs), Milva recordou o acordo de cooperação técnica entre a Abramed e o Ministério da Saúde para estabelecer um padrão para troca de informações de exames, anunciado durante o 8º FILIS. Ela questionou Angelica sobre como as PPPs podem ajudar a reduzir a fragmentação do setor.
A diretora-adjunta de Desenvolvimento Setorial da ANS acredita que as fragmentações existem porque há pessoas ganhando com isso. “Se não caminharmos em prol do que queremos como sociedade, continuaremos apenas planejando o futuro, sem construir algo concreto. O poder de realização do setor privado é muito mais forte, pois o público enfrenta limitações orçamentárias e as barreiras naturais do processo. A parte executora precisa ser mais flexível e aproveitar a força do setor privado para o crescimento do Brasil”, ressaltou.
Angelica finalizou reforçando que as dores e os interesses são os mesmos: tudo é Brasil. “Inclusive, precisamos expandir para uma saúde global, começando a integrar dados com a América Latina. Para isso, o diálogo é essencial, e o setor privado precisa ser visto de forma positiva pelo público. É importante romper essa cultura no Brasil”, disse.
Encerrando o painel, Milva destacou a importância de avançar na agenda de interoperabilidade em prol da sustentabilidade de todo o sistema de saúde.