Por Angélica Carvalho*
A ascensão da inteligência artificial (IA) na saúde trouxe à tona uma necessidade urgente: garantir que as decisões tecnológicas sejam fundamentadas em princípios éticos sólidos. É nesse contexto que surge a algorética, uma abordagem que integra transparência, justiça e responsabilidade no uso de algoritmos, capaz de nortear relacionamentos colaborativos entre diferentes atores da cadeia de saúde, garantindo que o paciente seja o centro do cuidado.
Alinhar-se à algorética requer uma abordagem sistêmica que promova confiança e respeito mútuo, incentivando o diálogo entre organizações do setor para consolidar a ética na concorrência, assegurar preços justos e otimizar recursos ao longo do ciclo assistencial.
Além disso, é necessário que os envolvidos adotem boas práticas no uso da IA, protejam a confidencialidade dos dados, garantam transparência para as partes interessadas, preservem a responsabilidade humana em decisões críticas e se responsabilizem por eventuais usos inadequados dessas ferramentas.
Nesse contexto, o Marco de Consenso para a Colaboração Ética Multissetorial na Saúde, liderado pelo Instituto Ética Saúde (IES) com apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), orienta o setor a criar uma rede de autorregulação com princípios éticos no uso de tecnologias, como a IA em diagnósticos, tratamentos e gestão de dados, oferecendo um modelo que pode inspirar outros sistemas de saúde globalmente.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adoção de mecanismos, como treinamento contínuo, participação do paciente e diversidade de dados, é essencial para garantir transparência na tomada de decisões por algoritmos, prevenir vieses contra minorias e corrigir falhas nos sistemas. O Marco de Consenso, um dos maiores acordos setoriais da saúde, tem gerado resultados que fortalecem modelos colaborativos entre os diversos atores do setor, promovendo integridade e confiança.
Em 2023, tive uma experiência marcante com o Papa Francisco, que foi o primeiro a abordar o tema “Ética dos Algoritmos”. Ele enfatizou a importância de sistemas de saúde mais humanos e igualitários, o que me levou a refletir sobre a necessidade urgente de um pacto global que priorize a saúde, focando não apenas no tratamento de doenças, mas também na promoção da saúde, prevenção e inclusão dos mais vulneráveis.
No VII Seminário sobre Ética na Gestão da Saúde, realizado na Cidade do Vaticano, o bispo Vincenzo Paglia também abordou a algorética e os riscos do uso irresponsável da IA. Toda essa reflexão levou à revisão do Marco de Consenso Brasileiro para incluir o tema. Assim, a nova versão foi assinada, no fim de 2024, pela Abramed e por diversas outras instituições, e levada ao Papa Francisco no VIII Seminário sobre Ética na Gestão da Saúde.
Importante ressaltar que a adoção de práticas éticas no uso IA pode transformar a experiência do paciente e melhorar a qualidade do atendimento na saúde. Tais práticas aumentam a confiabilidade dos sistemas, fortalecem a confiança entre pacientes, profissionais e organizações, além de minimizar erros diagnósticos.
Embora o uso de IA possa gerar preocupações sobre despersonalização, práticas éticas garantem que a tecnologia complemente o contato humano, personalizando tratamentos e mantendo o vínculo empático. A transparência, o consentimento informado e o acesso equitativo às tecnologias contribuem para uma assistência mais segura, justa e inclusiva.
Em síntese, não é apenas uma questão regulatória, mas um compromisso com a melhoria contínua da qualidade do atendimento. Essa abordagem fortalece a confiança no sistema de saúde e assegura que as inovações tecnológicas estejam a serviço do bem-estar humano. A ética, afinal, deve ser a base de toda inovação.
*Angélica Carvalho
Diretora-Adjunta de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
(07/01/2025)