Palestrante propõe uma reflexão sobre os desafios da Saúde em tempos de mudanças ambientais.
No 9º Fórum Internacional de Lideranças da Saúde (FILIS), realizado em São Paulo, o médico patologista, professor e pesquisador Paulo Saldiva trouxe uma reflexão contundente sobre os desafios da Saúde em tempos de mudanças ambientais.
Ele destacou que o ato de cuidar, marca da nossa espécie desde o início da civilização, é também o que permitiu à humanidade avançar diante das crises. “Não vencemos pela força física, mas pela capacidade de colaborar, cuidar e educar”, afirmou. Segundo Saldiva, a Educação, a Saúde e a própria experiência das crises históricas moldaram a evolução social e tecnológica, mostrando que os momentos de dificuldade são também motores de inovação.
Ao traçar paralelos entre o corpo humano e o corpo urbano, o pesquisador ressaltou que as cidades, assim como os organismos, adoecem e revelam sintomas claros: poluição, sedentarismo compulsório, obesidade, violência no trânsito e desigualdades no acesso ao cuidado. “Hoje, as cidades estão na mesa de autópsia, e a Saúde tem um papel central em diagnosticar, propor terapêuticas e orientar caminhos de sustentabilidade”, observou.
Nesse cenário, o setor assume um papel que vai além da assistência: torna-se também direcionador de políticas públicas. Isso porque, com base em sua capacidade de produzir diagnósticos e cartografar padrões de adoecimento, é possível oferecer dados para a formulação de medidas que enfrentem os impactos das mudanças ambientais e sociais.
“A Saúde não regula o trânsito nem a indústria, mas pode discutir o sofrimento humano e fazer advocacy de boa-fé. Existe uma generosidade intrínseca em cuidar, e esse cuidado pode nortear governos e gestores”, destacou.
Entre os impactos das mudanças climáticas, ele chamou atenção para dados alarmantes: a cada aumento de cinco graus na temperatura, cresce em cerca de 8% a demanda hospitalar. Esse cenário representa uma perda de aproximadamente 5 bilhões de dólares anuais para o Brasil — um custo que Saldiva diz representar “o imposto que a população paga pelas mudanças climáticas”’.
Além disso, fenômenos como inundações trazem efeitos em cadeia, que vão desde o aumento de infartos até surtos de doenças infecciosas e um crescimento expressivo da demanda por atendimento em saúde mental.
Nesse contexto, o professor reforçou o poder da união entre Saúde e Educação como instrumentos de transformação. Segundo ele, essa parceria é fundamental para induzir mudanças de comportamento — tarefa mais difícil do que o próprio diagnóstico.
O setor já mostrou que isso é possível ao participar ativamente do combate ao cigarro. Da mesma forma, é preciso investir em educação para combater a ignorância. “A ignorância pode ser criativa, mas também pode ser dogmática e opressora. Se a boa informação em saúde promove saúde, a desinformação, por definição, faz o contrário”, alertou.
Saldiva concluiu destacando que a Saúde deve ocupar o centro da agenda pública e institucional, não só como campo de assistência, mas como norteadora de políticas ambientais, urbanas e de bem-estar, e que o setor já demonstra capacidade de superar barreiras tradicionais por meio da cooperação.
“Estamos vendo aqui empresas concorrentes trabalhando juntas, dialogando e trocando informações — e isso não é habitual em outras áreas. Esse talvez seja o maior legado da Saúde: mostrar que é possível avançar coletivamente em prol da vida”, finalizou.