Projeto do Hospital das Clínicas inspira modelo nacional de integração de dados e reforça acordo firmado no 9º FILIS
Integrar dados clínicos no Brasil é uma das maiores barreiras para melhorar a eficiência do sistema de saúde e a jornada de cuidado do paciente. A fragmentação das informações na medicina diagnóstica resulta em redundância de exames, dificuldade na continuidade de tratamentos e risco de falhas diagnósticas, que podem aumentar custos e comprometer a segurança da população.
O InovaHC, hub de inovação do Hospital das Clínicas da FMUSP (HCFMUSP), decidiu enfrentar esse desafio transformando uma dificuldade prática em um dos cases mais relevantes de interoperabilidade no país.
Durante o 9º Fórum Internacional de Lideranças da Saúde (FILIS), Marco Bego, Diretor Executivo do Instituto de Radiologia (InRad), compartilhou como o projeto nasceu de um problema concreto: levar telediagnóstico e teleconsulta a regiões remotas, como a Amazônia e o Xingu. Nessas localidades, quando um paciente precisava ser encaminhado a um centro de referência, muitas vezes após longas horas de viagem, os dados de seus exames não o acompanhavam. O atendimento precisava recomeçar do zero, atrasando diagnósticos e aumentando os riscos clínicos.
Foi a partir dessa constatação que a equipe passou a investigar soluções de interoperabilidade, inspirando-se em benchmarks internacionais e em setores como o financeiro e de telecomunicações, onde a troca de dados já é consolidada. “A interoperabilidade em Saúde é tão transformadora para o setor quanto foi o open banking para o segmento financeiro”, destacou Bego.
O modelo desenvolvido pelo InovaHC é baseado em lógica transacional: os dados permanecem em seus sistemas de origem e só são compartilhados quando necessário, com autorização do paciente. Essa arquitetura evita a criação de grandes bases centralizadas, reduz custos de armazenamento e garante maior segurança da informação.
O projeto também prevê que a troca seja tratada como ativo estratégico — e não apenas como custo —, sustentada por governança, compliance e padrões globais como o Fast Healthcare Interoperability Resources (FHIR), que é usado para a troca de informação em Saúde, além de integração nativa à Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS).
Para viabilizar essa troca, a plataforma foi estruturada de forma modular, com APIs que permitem escalabilidade e a conexão entre laboratórios, ambulatórios, hospitais e diferentes especialidades médicas. A equipe também considerou a criação de um “marketplace de serviços”, no qual instituições com maior maturidade tecnológica poderiam oferecer infraestrutura de interoperabilidade a parceiros que ainda não possuíam capacidade de integração direta.
Segundo Bego, outro aprendizado fundamental foi adotar modelos já validados em outros setores. Assim como acontece nas câmaras de compensação financeiras, a proposta é que a interoperabilidade em Saúde funcione como um “cartório digital”: recebe os dados, autentica e entrega ao destinatário autorizado, sem manter cópias ou manipular informações. Essa lógica garante rastreabilidade, soberania dos dados e um custo transacional equivalente ao de uma operação financeira cotidiana, como um pagamento por cartão de crédito.
Os resultados do piloto no Hospital das Clínicas já demonstram ganhos expressivos. Pacientes passaram a ter um histórico único e contínuo, acessível a diferentes profissionais, reduzindo a duplicidade de exames, aumentando a precisão diagnóstica e diminuindo falhas clínicas. Do ponto de vista institucional, houve ganhos operacionais relevantes, com menos retrabalho, menor custo administrativo e maior eficiência no uso dos recursos. Além disso, o modelo abre caminho para pesquisas avançadas e desenvolvimento de soluções em inteligência artificial aplicadas à Saúde.
“O dado isolado é apenas um número; o dado integrado gera inteligência que salva vidas”, resumiu Bego.
A apresentação no FILIS também marcou um passo institucional decisivo. Durante o Fórum, foi assinado o Memorando de Intenções entre a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Secretaria de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI) do Ministério da Saúde, a Abramed e o HCFMUSP, por meio do InovaHC. O acordo prevê a implementação da plataforma OpenCare como projeto piloto para integrar dados do setor privado à RNDS, fomentando cooperação técnico-científica e garantindo privacidade, segurança e conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Para Giovanni Guido Cerri, presidente dos Conselhos do InRad e do InovaHC, interoperabilidade é mais do que inovação tecnológica: “É sair de uma Saúde fragmentada e reativa para um cuidado contínuo, integrado e centrado no paciente”. Já Milva Pagano, diretora-executiva da Abramed, destacou: “A interoperabilidade é fundamental para integrar e fortalecer a Saúde Suplementar e o SUS, consolidando o compromisso com a inovação, a qualidade e a segurança do paciente”.
O case do InovaHC mostra que a interoperabilidade não é um conceito abstrato, mas uma prática já em curso, capaz de transformar a Medicina Diagnóstica e a Saúde como um todo. Com baixo custo e ativos estratégicos, o projeto pavimenta o caminho para um modelo nacional de Open Health, aproximando o SUS e a Saúde Suplementar em benefício direto dos pacientes.