De ferramenta confirmatória a instrumento de antecipação, testes laboratoriais podem ter impacto direto na sobrevida, na sustentabilidade do sistema de saúde e no avanço da medicina personalizada.
Os exames laboratoriais têm assumido um papel que vai além da confirmação de diagnósticos. Da predição de riscos ao suporte na definição de tratamentos, passando pela consolidação dos modelos de medicina personalizada, os testes clínicos vêm se tornando estratégicos na jornada de cuidados – sobretudo na dimensão preventiva.
Como explica o patologista clínico e líder do Comitê Técnico de Análises Clínicas da Abramed, Dr. Alex Galoro, esse movimento integra um processo histórico na gestão da Saúde no Brasil.
“Embora sejam reconhecidos principalmente como diagnósticos, alguns exames já são usados há muito tempo para rastreio, estratificação de risco, seleção de tratamento e monitoramento”, aponta.
Entre os exemplos mais conhecidos estão os testes de triagem neonatal (o teste do pezinho), as dosagens de colesterol e triglicérides para avaliação de risco cardiovascular, os antibiogramas para orientar a escolha de antibióticos, além da hemoglobina glicada e de testes para monitoramento de drogas terapêuticas.
Com o avanço das metodologias laboratoriais, o exame deixa de ser apenas confirmatório e se torna ferramenta de medicina preditiva. Esse movimento é impulsionado pelo maior conhecimento sobre biomarcadores – indicadores de estados fisiológicos – e pela redução de custos dos testes genéticos, que ampliaram a investigação clínica e a própria Medicina Diagnóstica.
Esse avanço traz impactos diretos em doenças complexas como o câncer, um dos maiores desafios globais de Saúde. Segundo a OMS, até 2050 o mundo poderá registrar 35 milhões de novos casos. Nesse cenário, a predição é fundamental para aumentar a sobrevida.
“A detecção precoce, com testes que permitem identificar o câncer ainda em estágio inicial, aumenta significativamente as taxas de sobrevida. Nos tipos mais comuns, como próstata e mama, a sobrevida em 5 anos chega a 99% quando detectados precocemente, mas cai para 31% e 29%, respectivamente, nos casos de metástase à distância”, destaca Galoro.
Além do ganho clínico, há benefícios econômicos: estudos mostram que o fortalecimento da atenção primária pode reduzir em cerca de 5% as internações e gerar economia aproximada de R$ 400 milhões ao sistema de saúde brasileiro.
Novas fronteiras e responsabilidades
Esse novo olhar abre espaço para conceitos como a medicina de precisão, que se apoia em informações mais assertivas para triagem, diagnóstico e tratamento. Também cresce o interesse pela análise de microbioma, baseada na hipótese de que os microrganismos do intestino influenciam a digestão, a absorção de nutrientes, o metabolismo, a imunidade e até a saúde mental – por meio do eixo cérebro-intestinal e da liberação de neurotransmissores relacionados ao humor.
Outro campo em expansão é o estudo de perfis e marcadores genéticos. Como ressalta Galoro, os avanços da biologia molecular “oferecem uma visão detalhada dos diferentes processos metabólicos e fisiológicos do organismo humano”.
A promessa da predição, no entanto, deve caminhar com responsabilidade clínica, evidências robustas e ética.
“Exames nunca são perfeitos. Sempre podem gerar resultados falso-positivos ou falso-negativos, por isso não podem ser interpretados isoladamente. A má interpretação pode levar a diagnósticos incorretos, riscos aos pacientes e aumento de custos no sistema de saúde”, alerta o especialista.
No campo regulatório, Galoro lembra que as normas e marcos legais são fundamentais para garantir segurança e ética, mas ainda apresentam limitações e podem ser burlados – o que reforça a necessidade de monitoramento constante e validação rigorosa.
Outro desafio é garantir equidade em países desiguais como o Brasil. “O equilíbrio entre acesso, custo e equidade depende não apenas do preço dos exames, mas também do financiamento adequado, tanto no sistema público quanto no privado. Embora a equidade plena seja difícil de alcançar, ampliar o acesso passa necessariamente pela redução dos custos das metodologias e pelo fortalecimento do financiamento da Saúde”, explica.
“Para utilizar os exames de forma segura e responsável, é essencial investir em estudos bem estruturados que tragam evidências científicas sobre o desempenho de cada teste. Só assim será possível integrar a inovação sem abrir mão da ética e da segurança”, conclui o líder do Comitê Técnico de Análises Clínicas da Abramed.