* Milva Pagano
O sistema de saúde brasileiro é um dos maiores e mais desafiadores em termos de complexidade e abrangência, uma realidade que se torna ainda mais evidente diante do atual cenário de aumento de custos, limitações de acesso, envelhecimento da população e crescimento de doenças crônicas.
Nesse contexto, a parceria entre os setores público e privado (PPPs) desponta como uma estratégia com grande potencial para impulsionar melhorias em toda a cadeia, promovendo a evolução das práticas e o estabelecimento das bases para a construção de um modelo mais eficiente, acessível, transparente e sustentável.
De forma geral, as PPPs permitem que o setor público aproveite a expertise técnica, a eficiência operacional e a capacidade de inovação do setor privado. Por outro lado, o setor privado se beneficia do acesso a mercados amplos e do suporte institucional e regulamentar do setor público.
Neste cenário, as entidades sem fins lucrativos, que representaram diferentes atores da área de saúde, assumem o papel de liderar essa interlocução. Junto a órgãos regulatórios, é possível estruturar guias, cartilhas ou protocolos, facilitando a implementação de boas práticas pelos gestores e prestadores de serviços.
Essa cooperação também oferece um canal eficiente para que feedbacks do mercado sejam considerados no aperfeiçoamento das regulamentações, garantindo que sejam aplicáveis e adaptadas às realidades práticas. Essa dinâmica de troca contribui para um sistema regulatório mais ágil, eficiente e capaz de acompanhar a evolução das demandas do setor.
Além disso, a possibilidade de integração de dados de saúde entre os setores público e privado é uma oportunidade estratégica para promover a sustentabilidade de todo o ecossistema. A criação de um banco de dados unificado e robusto favorece a análise epidemiológica em larga escala, melhora o planejamento de recursos e evita duplicidades desnecessárias na realização de exames, por exemplo.
A interoperabilidade entre os setores reforça a qualidade assistencial, ao permitir que os profissionais de saúde tenham acesso a um histórico completo dos pacientes, resultando em condutas terapêuticas mais assertivas. Ela também possibilita uma jornada do paciente mais fluida e com menor risco de falhas na comunicação.
Outra frente de atuação das PPPs é a melhoria da transparência e da avaliação de qualidade no mercado. Programas regulamentados de monitoramento de indicadores oferecem uma visão clara sobre o desempenho dos prestadores de serviços, criando um ambiente de maior confiança entre contratantes de planos de saúde privados e usuários. Esse tipo de iniciativa favorece decisões embasadas e minimiza desperdícios e retrabalhos.
Não podemos nos esquecer que a saúde é um bem comum, e o aprimoramento contínuo dos serviços deve ser um objetivo compartilhado. Inclusive, está em discussão a criação de uma agência única de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), para harmonizar os processos de incorporação de tecnologias no Brasil, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto na saúde suplementar.
Essa centralização eliminaria redundâncias, aceleraria a avaliação de novas tecnologias e garantiria critérios mais consistentes e transparentes. Além de reduzir a judicialização, uma agência única poderia priorizar as demandas de forma estratégica, equilibrando inovação, sustentabilidade financeira e as necessidades reais da população.
A troca de conhecimento entre os setores público e privado eleva os padrões de qualidade, promovendo cuidados mais humanizados e resultados clínicos mais eficazes. Ao otimizar processos e integrar serviços, as PPPs ajudam a reduzir os custos crescentes associados ao envelhecimento da população e às doenças crônicas.
A Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) tem sido protagonista na criação de um espaço de diálogo aberto com órgãos governamentais, como o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tanto em assuntos regulatórios e de qualidade quanto na área de interoperabilidade.
Tudo isso demonstra que o caminho para aprimorar a saúde no Brasil vai além da soma de esforços isolados. Ele demanda a criação de uma rede robusta de colaboração, onde cada participante do ecossistema— sejam prestadores, gestores públicos, empresas ou reguladores — atue de maneira integrada e comprometida com um objetivo comum: construir um sistema de saúde mais justo, eficiente e abrangente.
Esse sistema deve ser capaz de atender às necessidades crescentes da população, assegurando qualidade e acessibilidade, ao mesmo tempo em que equilibra os impactos financeiros sobre as empresas e o governo, promovendo a sustentabilidade a longo prazo.
*Milva Pagano
Diretora-executiva da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed)
(22/01/2025)