Não alcançamos o patamar do primeiro mundo, mas estamos no caminho certo

Não alcançamos o patamar do primeiro mundo, mas estamos no caminho certo

07 de Abril de 2020

* Por Carlos Eduardo Santos Moreira

Qual a posição do Brasil na corrida pelos avanços da medicina diagnóstica global? Comparações entre os países são comuns para avaliarmos o quanto uma ou outra nação está na vanguarda das descobertas. Esses comparativos são válidos até como fator de motivação (e de direcionamento de expectativas), mas é sempre importante que tenhamos as peculiaridades de cada território em mente ao fazer essas análises.

O que vejo acontecer é um despertar cada vez maior dos laboratórios clínicos nacionais para a importância da área de pesquisa e desenvolvimento dentro das unidades. Inclusive de instituições focadas em produção de testes cada vez mais especializados que atendem às necessidades do mercado. É o caso do que chamamos de LDT (Laboratory Developed Tests), testes de diagnóstico in vitro projetados, fabricados e utilizados exclusivamente por um laboratório.

Porém, em outra direção, temos uma leva de exames cujo volume não é tão alto a ponto de recompensar o investimento. Como exemplo, podemos citar testes de alta complexidade em termos de metodologia e tecnologia agregada, exames executados com equipamentos de última geração como o next-generation sequencing para sequenciamento de DNA, espectrometria de massa e de mobilidade iônica. Para casos assim, mais específicos, o intercâmbio é fundamental para que mesmo que os laboratórios nacionais não tenham a tecnologia integrada à suas atividades, possam oferecer esses exames ultramodernos aos seus pacientes. Chegamos a uma relação de ganha-ganha entre os países.

Assistimos, recentemente, à um dos benefícios desse diálogo aberto intercontinental. Com a crise provocada pelo novo coronavírus, países que foram atingidos primeiro puderam alertar outras nações sobre as melhores práticas e as ações que foram bem sucedidas, fazendo com que territórios que entrassem posteriormente na pandemia já pudessem se preparar com base na experiência internacional. Fomos comunicados, por exemplo, sobre como treinar os colaboradores dos laboratórios que estariam em contato direto com a infecção, se deveríamos optar pela coleta domiciliar ou não, quais seriam os melhores planos de contingência, possíveis problemas relacionados à estoque de materiais, como agir caso um profissional apresentasse sintomas e uma série de outros pontos que auxiliaram na alavancagem dos laboratórios brasileiros para enfrentamento da crise.

O que, então, realmente nos falta para que possamos atingir o mesmo patamar dos países mais avançados em termos de inovação em medicina diagnóstica? Mudança de cultura e maior investimento em pesquisa e desenvolvimento. Precisamos fomentar essa vertente transformando-a em uma tradição. Precisamos investir em pesquisa e gerar conhecimento em saúde.

Segundo relatório da World Intellectual Property Organization, em 2018 o mundo registrou 3,3 milhões de patentes, sendo que desse montante quase 75% foram registradas por China, Estados Unidos e Japão. E essa representatividade é resultado direto do conhecimento gerado por cada um desses países.

No Brasil, quando enfrentamos contingenciamento de verbas por parte do Governo Federal, as primeiras áreas a sofrerem cortes são as de pesquisa e as universidades. Somente agora o Brasil está trabalhando no sequenciamento de genomas brasileiros. Todo o desenvolvimento de testes diagnósticos, novas metodologias e mesmo medicamentos tem sido feito com base em genomas norte-americanos, europeus e chineses. Agora que há um projeto para iniciar com o sequenciamento do genoma de 15 mil indivíduos no Brasil que, posteriormente, será ampliado (para 100 mil indivíduos). É esse tipo de investimento que cria uma massa crítica para que o país tenha material para desenvolver produtos (que podem ser medicamentos e vacinas, por exemplo) dedicados às especificidades de sua população.

Estive recentemente na Holanda onde pude conhecer uma universidade que há 15 anos é apontada como a melhor do país, com um amplo reconhecimento no setor de agronegócios. Por lá, ao caminhar pelo campus, é perceptível o grande investimento dado à P&D, com monumentais prédios de laboratórios sendo alguns dedicados ao ensino e outros exclusivamente à pesquisa. Além disso, empresas privadas têm instalações dentro das universidades fomentando esse investimento e relacionamento.

No Brasil temos um cenário onde não notamos esta interação positiva. Esse é um dos mais importantes aspectos a serem mudados por aqui. Essa proximidade entre a universidade e a indústria amplia o acesso dos estudantes ao mais inovador sistema de desenvolvimento de produtos e o coloca ao lado das principais pesquisas científicas que estão fervilhando no país. Esse comportamento, ou melhor dizendo, essa cultura, é o que faz a Holanda ter um importante papel no cenário de agronegócio mundial.

No Brasil temos esses aspectos a endereçar para que possamos evoluir, mas, ao mesmo tempo, temos muitos outros motivos para nos orgulharmos. Um deles é o Sistema Único de Saúde (SUS) que promove um atendimento universal gratuito garantindo a inclusão e o acesso de todo cidadão à saúde mesmo mediante uma pandemia como a gerada pela COVID-19. Enquanto em outros países pessoas que foram curadas da infecção pelo novo coronavírus podem sair da hospitalização, segundo a revista Time, com uma dívida de quase US$ 35 mil, os brasileiros – enquanto o sistema suportar – terão atendimento totalmente gratuito envolvendo desde o diagnóstico até a alta.

Ou seja, apesar do Brasil apresentar essa defasagem entre investimento e geração de conhecimento, o que é um aspecto principalmente cultural que demanda tempo para ser modificado, em muitos outros pontos estamos no caminho certo.

* Carlos Eduardo Santos Moreira é diretor gerente da Quest Diagnostics do Brasil Ltda

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