Projeto visa garantir a segurança da população ao verificar quais testes geram resultados confiáveis
11 de Maio de 2020
No Brasil, o setor de medicina diagnóstica
se uniu em uma força-tarefa que está validando testes sorológicos para
diagnóstico de COVID-19 registrados pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Graças a parceria entre a Associação Brasileira de Medicina
Diagnóstica (Abramed), a Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), a
Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) e a Sociedade Brasileira de
Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), a ação já está executando
as análises e disponibilizando os relatórios das validações.
Inédito no mundo, o projeto – que tem foco
especial nos testes rápidos – surgiu devido à grande preocupação das entidades
com kits pouco confiáveis. “Todos os métodos que estão chegando ao Brasil
precisam ser validados para que tenhamos segurança dos procedimentos. As
indústrias fabricantes podem submeter seus testes para nossas análises e,
assim, tornaremos público o desempenho de cada uma delas”, explica Wilson Shcolnik,
presidente do Conselho de Administração da Abramed. Os resultados são
publicados no portal www.testecovid19.org.
Os testes utilizados pelo Ministério da
Saúde no setor público são validados pelo Instituto Nacional de Controle de
Qualidade em Saúde (INCQS), da FioCruz. Já outros testes que podem ser adquiridos
por empresas privadas não passam pela validação do INCQS e podem não ter a
qualidade esperada. Com a força-tarefa, o Brasil visa evitar problemas já
enfrentados em outros países como, por exemplo, a Espanha que importou milhares
de testes e, ao iniciar sua aplicação, percebeu que tinham sensibilidade muito
baixa e não deveriam ser utilizados.
Para Carlos Eduardo Ferreira, presidente da
SBPC/ML, o país ter uma listagem com os testes validados é extremamente
importante no combate à pandemia. “Temos grande preocupação com a qualidade dos
diferentes kits que chegam ao mercado nacional, por isso a importância desse
projeto. Assim, podemos prover informações para garantir a segurança dos
pacientes”, declara.
Em uma crise de saúde, a medicina
diagnóstica assume um papel de alta relevância. Tanto que a Organização Mundial
da Saúde (OMS) reforçou que um dos melhores caminhos para o combate à COVID-19
era testar o maior número possível de pessoas. “O diagnóstico tem múltiplos
papeis e, em uma situação de emergência, ajuda a guiar ações de saúde pública e
medidas de controle. Para a vigilância epidemiológica, trabalha no
monitoramento das tendências e da efetividade das estratégias e intervenções
adotadas pelo Estado”, complementa Carlos Eduardo Gouvêa, presidente executivo
da CBDL.
O Brasil segue na fase ascendente da curva
de contaminação pelo novo coronavírus e os testes sorológicos, que identificam
os anticorpos em uma amostra sanguínea e apresentam grande variabilidade de
eficiência, serão ainda mais relevantes quando nos aproximarmos da segunda fase
da pandemia. É o que explica Luiz Fernando Barcelos, presidente da SBAC. “Esses
testes para pesquisa de anticorpos de COVID-19 serão especialmente úteis quando
a curva da doença for descendente, permitindo a correta avaliação do panorama
epidemiológico da população brasileira”, diz.
Participação dos laboratórios privados
Além das entidades do setor, diversos
laboratórios privados com grande expertise e excelente infraestrutura se uniram
para operacionalizar a validação desses testes. Até o momento, participam do
projeto Dasa, DB – Diagnósticos do Brasil, Albert Einstein Medicina Diagnóstica,
Emilio Ribas Medicina Diagnóstica, Grupo Fleury, Hermes Pardini e Sabin.
Todos os laboratórios participantes atendem
a rede hospitalar brasileira e podem contribuir grandiosamente com a validação
dos testes por terem acesso rápido às amostras de pacientes internados e com
confirmação de infecção pelo novo coronavírus por meio do exame RT-PCR (padrão
ouro para diagnóstico de COVID-19 durante a fase aguda da doença).
“Esses laboratórios podem utilizar amostras
retiradas de pacientes durante todo o ciclo da infecção, ou seja, podem validar
os testes considerando diferentes etapas da doença”, explica Shcolnik.
Seguindo um protocolo técnico criado pelas
sociedades científicas, os laboratórios podem checar diferentes metodologias
diagnósticas como testes rápidos imunocromatográficos; Point of Care, exames
que não são realizados em laboratórios centrais como, por exemplo, os
utilizados nos pronto-atendimentos; e ELISA e fluorimetria, métodos quantitativos
que determinam o nível de anticorpos nas amostras e, portanto, são úteis para
verificar quem está imunizado e pode circular sem risco.
Esse trabalho é de extrema relevância para
a segurança populacional, como destaca Gustavo Campana, diretor médico da Dasa.
“Definimos, por meio da análise de um grande número de amostras, qual o
desempenho analítico desses testes, ou seja, apontamos para qual situação cada
um deles funciona, como seus resultados devem ser interpretados e quais os
riscos de falsos negativos ou falsos positivos que eventualmente podem ser
encontrados”, detalha.
Para Maria Carolina Tostes Pintão, hematologista
e coordenadora médica de Pesquisa & Desenvolvimento do Grupo Fleury, é
muito positivo ter tantos laboratórios unidos nessa força-tarefa que envolve,
inclusive, o compartilhamento de dados. “A iniciativa é valiosa pois temos
observado uma variação muito grande na qualidade dos testes sorológicos.
Chegamos a analisar um kit que de 14 amostras positivas, identificou apenas
uma, gerando vários resultados falso negativos. Esse é um caso extremo, mas que
reforça a importância de termos esse processo de validação”, comenta.
Elencando algumas das falhas identificadas
em testes sorológicos, Guilherme Collares, diretor de Operações do Hermes Pardini,
reforça que validar o teste é garantir a segurança da população. “A nossa
experiência mostra que realmente há uma discrepância muito grande de
performance entre os diferentes fornecedores. Vemos alguns com desempenho muito
bom, mas também observamos testes com desempenho ruim, com baixa sensibilidade
– principalmente nos primeiros dias da infecção, quando o corpo ainda não
produziu anticorpos detectáveis – e até baixa especificidade. E temos visto uma
frequência preocupante de resultados falso positivos”, declara.
Representando o Sabin, que também
disponibilizou sua infraestrutura e força de trabalho para validar os testes de
COVID-19, o diretor técnico Rafael Jácomo reforça que nunca é tarde para prover
soluções que prezem pela qualidade do diagnóstico no país. “Não conseguiremos
reverter os danos de testes pouco confiáveis e que já foram utilizados, mas
podemos levantar informações muito relevantes para quem vai utilizar esses
exames a partir de agora e busca os resultados adequados”, pontua.
Considerando que muitas empresas podem
adquirir testes sorológicos para identificar quais os colaboradores que já
tiveram contato com o novo coronavírus, traçando estratégias para a retomada
das atividades, Jácomo enfatiza que essa fase exige cuidado. “Importante lembrar
que a orientação é de que o exame seja feito com pedido médico, pois um
resultado negativo pode ter vários significados. Qual a estratégia, por
exemplo, das empresas na hora de testar seus colaboradores? Eles aguardaram um
resultado positivo ou um resultado negativo para que cada um possa reassumir
seu posto? A literatura existente ainda não nos permite responder a essa
pergunta”, finaliza.
Contribuição internacional
Paralelamente à contribuição para o
controle da COVID-19 no Brasil, o projeto também gerará importantes dados para
estudos internacionais. Esses estudos, promovidos pelo International Diagnostic
Centre (IDC) da London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM) e pela
Aliança Latinoamericana para o Desenvolvimento do Diagnóstico in Vitro
(ALADDIV) em cooperação com a União Europeia e a OMS, somarão esforços para o
que é chamado de “preparedness”, ou seja, a necessidade dos países estarem
preparados para lidar com pandemias tanto do ponto de vista regulatório quanto
de acesso.