* Por Fabio Mattoso
12 de Maio de 2020
Sabemos que os dados há décadas contribuem
para a evolução da saúde mundial, gerando informações valiosas para a
elaboração de novas diretrizes, modelos diagnósticos e tratamentos. Porém,
hoje, que poder esses dados têm quando somados a tecnologias disruptivas como a
inteligência artificial, interoperabilidade de sistemas, telemedicina e
operacionalidade remota de equipamentos médicos? Com cientistas trabalhando
arduamente em busca de soluções capazes de transformar o cenário da saúde ao
ampliar o acesso – uma das demandas de um país continental e desigual como o
Brasil –, como o manejo adequado dessas informações pode revolucionar o ciclo
de cuidados?
A gestão de dados fundamenta todos os
principais debates da atualidade no setor. Durante a pandemia de COVID-19, em
que se procura incessantemente por detalhes sobre a transmissibilidade do
vírus, os possíveis medicamentos para minimizar seus sintomas e uma vacina
eficiente para imunizar a população, o manejo de dados ganhou visibilidade. Mas
a discussão está em pauta há muito tempo.
Cientes de que os sistemas ao longo dos
anos vêm tratando tão somente a doença, quando deveriam se empenhar em cuidar
da saúde, especialistas de todo o mundo identificam falhas no atual ciclo de
cuidados. Falhas essas que levam a prejuízos tanto financeiros às instituições
de saúde, causados por uma infinidade de desperdícios evitáveis, quanto de
qualidade de vida dos pacientes.
Com tantos dados soltos circulando em
plataformas distintas e sendo gerados na palma da mão por meio dos smartphones,
que estão se tornando reais extensões do corpo humano, por que seguimos
ignorando informações para tratar eventos de forma isolada? Por que tratamos
apenas os sintomas de uma patologia envolvida naquele evento em vez de tratar a
saúde do indivíduo como um todo?
Com a inteligência artificial, por exemplo,
dados que permeiam todo o ecossistema na jornada do paciente ganham luz e
passam a integrar o rol de informações a que as especialidades médicas têm
acesso desde o momento da anamnese dos pacientes até o atendimento. A pouca
integração entre os sistemas leva a uma amplitude de dados ocultos, que não são
óbvios no momento do evento médico ou não possuem uma correlação com a
sintomatologia, e que colaboram com a
cultura do sickcare, enquanto buscamos ansiosamente abraçar a cultura do
healthcare, onde a real prevenção, com base em evidências científicas e
informações individualizadas, passa a ser o alicerce dessa transformação.
Para a medicina diagnóstica, garantir uma
operação ágil e eficiente utilizando protocolos atualizados, equipamentos e
operadores de ponta e soluções de operação remota já é uma realidade, porém quanto
maior o número de informações na hora da realização de um exame, maior a
acurácia em seus resultados. A Inteligência Artificial é altamente competente
em identificar padrões, com isso contribui de forma ainda mais incisiva ao ler
as imagens diagnósticas e sugerir ao médico radiologista diferentes hipóteses
para que ele possa fazer uma avaliação mais aprofundada de cada caso. Quando
mescla as informações do prontuário do paciente com o que está identificado nos
exames, a tecnologia revela dados ocultos, amplia as possibilidades e mostra ao
médico opções que talvez ele não tivesse pensado ao olhar exclusivamente o
evento.
Na outra ponta, o médico especialista que
recebe um laudo mais específico em suas impressões e hipóteses diagnósticas, pode
traçar um plano mais eficiente para o paciente. Afinal, a maioria das decisões
clínicas e terapêuticas são fundamentadas em exames laboratoriais e de imagem,
além do histórico do paciente.
Tendo como ponto de partida a legislação de
cada país que regula o manejo desses dados, garantindo privacidade e proteção não
só aos pacientes mas também às instituições, a utilização eficiente dessas
informações individualiza o cuidado e contribui com a tão almejada medicina de
precisão, que trata cada cidadão de forma personalizada, garantindo-lhe um
ciclo de cuidados que atenderá às suas especificidades. E isso pode transformar
a saúde.
Quando podemos trabalhar esses dados
sensíveis de maneira integrada e com interoperabilidade, não precisamos mais responsabilizar
o paciente por apresentar as informações necessárias para sua avaliação. Torna-se
desnecessário repetir a sua história a cada especialista que frequenta, o que proporciona
um histórico mais preciso, correto e eficaz. Imagine, por exemplo, quão desgastante
é para um paciente com uma doença crônica – como a diabetes – ter de repetir as
mesmas informações para todos os profissionais que o acompanham. Quantos dados
relevantes ele deixa de mencionar? Quanto o atendimento multidisciplinar a esse
paciente pode ser otimizado pelo manejo correto dos dados?
Porém, para que todo esse manejo seja
benéfico em sua integridade, é preciso que as instituições e empresas de saúde atuem
de forma séria, comprometidas com a legislação, protegendo e engajando os
pacientes. Por isso nunca devemos enxergar a Lei Geral de Proteção de Dados
(LGPD) – inspirada na lei de proteção de dados europeia (GDPR) – como uma
ameaça.
Por conta da crise gerada pela COVID-19, o
início da vigência da legislação foi postergado para maio de 2021, o que nos dá
mais alguns meses para que possamos reforçar sua importância, já que o manejo
correto de dados traz mais eficiência aos tratamentos, diagnósticos e decisões
clínicas, permitindo que as informações sejam utilizadas pelas pessoas certas,
da maneira correta e para tomadas de decisão mais assertivas, entretanto a
mesma crise nos levou a um momento de distanciamento social, onde plataformas
de telemedicina se tornam fundamentais para a continuidade do atendimento
médico a pacientes que não podem ir a consultórios ou ambientes ambulatoriais e
que precisam da manutenção de seus tratamentos.
* Fabio Mattoso é diretor de
Inteligência Diagnóstica Remota do Grupo Alliar