Março de 2019
É natural que novidades despertem tanto curiosidade quanto receio. Quando pensamos na inteligência artificial sendo utilizada no setor de saúde, essa verdade torna-se ainda mais perceptível. Afinal, os profissionais de saúde devem sentir-se ameaçados ou auxiliados pela inteligência artificial?
Segundo dados do CB Insights, as centenas de startups de inteligência artificial que atuam no setor de saúde movimentaram US$ 4,3 bilhões desde 2013, tornando-se as mais ativas dentre todas as indústrias focadas nessa tecnologia. E saúde é um campo tentador para quem pretende desenvolver algoritmos inteligentes, capazes de prover ganhos de tempo, produtividade e qualidade.
Mas o primeiro ponto que deve ser salientado é que a inteligência artificial carece da inteligência médica para ser assertiva e, de fato, inteligente. A indústria precisa atuar em conjunto com médicos e profissionais de saúde capazes de avaliar, validar e ensinar os algoritmos, pois esses mecanismos podem gerar excelentes resultados desde que tenham sido treinados a seguir algumas regras que só podem ser traçadas por quem tem conhecimento da área de saúde.
Na medicina diagnóstica – que vivencia uma grande revolução por conta da inserção tecnológica –, a inteligência artificial precisa de médicos para apontar aos algoritmos o que deve ser identificado como anomalia em um exame de imagem. Atualmente, o Brasil já atua em pesquisas com inteligência artificial em diversas situações na área de saúde, como na detecção de pneumonias de forma automática, na avaliação da idade óssea e no reconhecimento de achados urgentes em exames de imagem. No setor de diagnósticos, a inteligência artificial já vem se consolidando como uma excelente parceira para as subdivisões de genômica, proteômica e radiologia.
Essa novidade só pode ser transformada em resultado de qualidade ao unir as principais características do ser humano, profissional de saúde, às da máquina, em um trabalho em conjunto e coordenado. Enquanto o homem é criativo, adaptativo e intuitivo, a inteligência artificial é consistente, objetiva e precisa. Características complementares, não excludentes.
Tanto que o Jobs at Risk, gráfico publicado recentemente pelo instituto My Foresight com base em dados de consultorias e auditorias globais, lista as profissões que estão mais ameaçadas pela inserção tecnológica e da inteligência artificial. Nela profissionais como enfermeiros, cientistas, dentistas e veterinários correm muito menos risco do que, por exemplo, policiais e secretárias. Isso ocorre pois no setor de saúde a inteligência artificial chega prioritariamente para somar, ao automatizar processos, promover ganhos de eficiência, reduzir as chances de erros e aumentar a qualidade.
Quando pensamos na inteligência artificial sendo utilizada para substituir a atividade do profissional de saúde, mais uma vez nos deparamos com uma vantagem. Hoje o mundo vive uma pandemia de burn out na classe médica. Ao assumir a presidência da WMA (Associação Médica Mundial), o doutor Leonid Eidelman abordou essa questão enfatizando sua relevância. Em seu discurso realizado em outubro de 2018, afirmou que metade dos médicos no mundo já apresentam sintomas de exaustão.
Entre diversos fatores que levam a esse esgotamento, estão especificamente as tarefas extremamente burocráticas que devem ser executadas pelo corpo clínico e a informatização que, a cada dia, exige que esses profissionais passem mais e mais horas em frente aos computadores. Informações da AllScripts divulgadas pela Health IT & CIO Report afirmam que os profissionais de medicina passam metade de seus dias inserindo dados em prontuários eletrônicos e conduzindo trabalhos administrativos, reduzindo o contato com os pacientes a apenas 27% de sua rotina diária.
Essa retirada do profissional de sua atividade-fim causa falta de motivação, com consequências diversas. É nesse momento que vemos mais uma vantagem do investimento em inteligência artificial, pois profissionais esgotados e imersos em uma pandemia de burn out podem ser auxiliados por essa tecnologia para reduzir a carga administrativa, permitindo que se dediquem com mais ênfase às suas atividades relacionadas a medicina, diagnóstico e interação com colegas médicos e pacientes.
Ainda pensando na inteligência artificial em parceria com a inteligência médica, mais uma vantagem pode ser apontada, principalmente no longo prazo. A OMS (Organização Mundial de Saúde) alerta que haverá escassez de cerca de 18 milhões de profissionais de saúde até 2030. Aliado a isso, o envelhecimento populacional, a inversão da pirâmide etária, a mudança epidemiológica que aumenta a prevalência de doenças crônicas e o aumento da expectativa de vida nos levarão à necessidade a cada dia maior de profissionais para cuidar dessa população. A inteligência artificial tem papel relevante, novamente, para otimização desse atendimento, ao fornecer algoritmos inteligentes que auxiliam na obtenção de diagnósticos mais precisos, na tomada de decisões, na análise de big data e na elaboração de planos de tratamento mais efetivos.
Enquanto muitos profissionais estão ansiosos e receosos, vários outros estão trabalhando para adaptar-se a essa realidade, pois a inteligência artificial na saúde deixou de ser o futuro e passou a ser o presente. Aliada à inteligência médica e às atividades humanas que não serão passíveis de substituição por máquinas, como relacionamento interpessoal, empatia e acolhimento, a união do homem com a máquina tem todo o potencial para tornar o cenário de saúde cada vez melhor.
*Gustavo Meirelles é gestor médico de radiologia, estratégia e inovação no Grupo Fleury e membro da Câmara de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Abramed