Ética e compliance minimizam riscos à confiabilidade das informações
7 de julho de 2020
Não é de
hoje que a medicina e a tecnologia são aliadas na busca por uma maior
eficiência nos serviços de saúde. Nesse
contexto, surgiu a telemedicina, altamente relevante e que vem se tornando uma
ferramenta importante na rotina de profissionais de saúde, clínicas,
laboratórios e hospitais.
No Brasil, a telemedicina já vinha sendo
discutida há algum tempo e, agora, em
razão da pandemia do novo coronavírus, ganhou
maior destaque. “Há muitas discussões sobre o tema e muitas dúvidas, entre elas
a questão da ética, a forma de garantia da segurança das informações no
atendimento e na tomada das decisões”, comenta Leandro César dos Santos, coordenador
da área Corporate do Escritório Machado Nunes Advogados e membro do Comitê de
Governança, Ética e Compliance (GEC) da Associação Brasileira de
Medicina Diagnóstica (Abramed).
Com a
chegada do novo coronavírus ao Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM), em
19 de março, reconheceu a relevância da telemedicina como recurso assistencial que permite resguardar a saúde de médicos e de pacientes, contribuindo para
minimizar o contágio durante a pandemia de Covid-19.
No ofício
nº 1.756/2020, encaminhado ao Ministério da Saúde (MS), o CFM informou sua
decisão de reconhecer a possibilidade e a eticidade de uso da telemedicina no país,
além do que já estabelecia
na sua resolução nº 1.643/2002, que
continua em vigor, admitindo
o desempenho da medicina a distância em três modalidades: teleorientação, que
permite os médicos realizarem, a distância, a orientação e o encaminhamento de
pacientes em isolamento; telemonitoramento, para
o
monitoramento remoto
de parâmetros de saúde e/ou doença; e teleinterconsulta, para a troca de informações e opiniões entre
médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico.
O
posicionamento do CFM não alterou as normas do órgão que já admitiam e
disciplinavam a prática da telerradiologia e telepatologia.
Entretanto, o CFM não incluiu, no ofício emitido, menção à
possibilidade da realização de teleconsulta, permanecendo o definido no artigo 37 do Código de Ética Médica, que impede a prescrição de tratamento e outros procedimentos sem o
exame direto do paciente, ressalvados os casos de urgência ou emergência nos quais a realização de exame físico se faça
impossível.
Para resolver essa questão, o MS, por intermédio de ato normativo próprio, autorizou e disciplinou o uso da telemedicina no sistema de saúde brasileiro enquanto durar a
pandemia. A portaria n° 467/2020, de 20 de
março, foi mais abrangente, ampliando as possiblidades de emprego da telemedicina no atendimento
pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico,
no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar e privada, por meio de tecnologia que garanta a
integridade, segurança e o sigilo das informações geradas em razão do atendimento prestado. A norma admite
ainda a emissão de receitas e atestados médicos por meio eletrônico.
Consagrando o disposto na portaria do MS, foi publicada a lei
nº 13.989/2020, de 15 de abril, que, considerando o cenário de emergência em saúde
pública, autorizou o uso da telemedicina enquanto durar a crise ocasionada pelo
novo coronavírus.
Segurança de dados
O uso da telemedicina se faz altamente
relevante, ainda mais com o cenário atual de emergência em
saúde pública, em que o
distanciamento social precisa ser praticado. Porém, Santos ressalta que as
empresas precisam estar atentas ao cumprimento dos padrões éticos na prática do
teleatendimento e seguir a normatização estabelecida, inclusive para a emissão
de laudos a distância, bem como implementar ações para resguardar de forma
absoluta o sigilo médico. “Há cuidados que precisam ser tomados para manter a
segurança das ações de telemedicina, principalmente no que diz respeito à
transmissão e armazenamento de dados do paciente. E, antes de tudo, é preciso contar
com uma infraestrutura tecnológica adequada, confiável e que garanta a proteção
e sigilo dessas informações”, afirma.
Tal alerta se faz necessário porque os
riscos existem. Desde o compartilhamento indevido de dados de pacientes, dos exames
de imagens, além da questão da segurança da informação e, até mesmo, a atuação de hackers.
“Pela lei, os médicos, as clínicas e laboratórios, assim como os demais
estabelecimentos de saúde devem informar ao paciente todas as limitações sobre
o uso da telemedicina e seguir os mesmos padrões normativos e éticos do
atendimento presencial”, destaca o advogado.
Para
isso, é importante monitorar as etapas realizadas e o controle de acesso dos
usuários por meio de senhas individuais e conteúdo restrito, de forma a
garantir o sigilo das informações transmitidas. Os exames têm de receber assinatura
digital de todos os profissionais
envolvidos na sua realização, desde sua execução até a emissão do respectivo
laudo.
“Isso garante mais segurança ao paciente sobre o serviço que está sendo
prestado”, garante Santos.
Para minimizar os riscos na prática da
telemedicina e proporcionar a proteção dos
dados dos pacientes para que atendam os pilares da segurança da informação, é
importante se pautar na confidencialidade, para garantir o acesso aos dados
exclusivamente por pessoas previamente autorizadas; integridade, que permita certificar a inviolabilidade das informações;
disponibilidade, para dispor os dados para quem for previamente autorizado, levando-se em
consideração os princípios inerentes da assinatura digital, como: autenticidade, irretratabilidade e conformidade.
Todos
esses conceitos ganham importância ainda maior
com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), nº 13.709/18, que entra em vigor
em maio de 2021. As
disposições contidas na lei, especificamente referente à área da saúde, deverão ser observadas também no uso da telemedicina, pois
essas informações só poderão ser coletadas, tratadas e armazenadas após a autorização
do paciente.
O
advogado destaca ser importante que o paciente seja informado e esteja ciente que
a realização de exames está limitada ao diagnóstico que o médico entender ser
adequado à distância. “A decisão deve ser sempre a que garanta mais segurança
ao paciente e qualidade do serviço que está sendo prestado.”
Ética
e compliance
A ética é um dos
pilares mais importantes dentro dos serviços de saúde, sejam eles presenciais
ou remotos. É neste ponto que o advogado e membro do GEC da Abramed orienta que
os laboratórios
devem rever os contratos com laboratórios parceiros, a fim de prever e
endurecer a questão da confidencialidade e compartilhamento de dados. “É muito
importante a gestão de terceiros – conforme definição da Lei Anticorrupção
(12.846/2013), pessoas físicas ou jurídicas que podem agir em benefício de uma
organização e, por conseguinte, gerar responsabilidades legais e éticas às
empresas contratantes. Por esse motivo, muitos estabelecimentos de saúde estão
adotando políticas de compliance”,
ressalta.
Outra maneira de garantir a
confiabilidade e segurança dos dados é a realização de due diligence com o laboratório parceiro, a fim de se precaver em
eventual compartilhamento das informações. “A realização de uma due diligence ainda que simplificada ou
de um background check em relação a
uma pessoa física ou jurídica para que a organização saiba com quem está se
relacionando ou pretende se relacionar é adequada e não é apenas ‘legal’, mas
também ‘recomendada’ pelo ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, com conhecimento
prévio das práticas realizadas, caso o laboratório processador seja questionado
no futuro, terá a prova de que tomou o cuidado e a diligência necessária para
saber com quem estava se relacionando”, alerta Santos.
O fato é que embora a
autorização para o uso amplo da telemedicina
vigora apenas durante a pandemia de Covid-19, em caráter excepcional e
temporário, as ações de telemedicina em todo território nacional parece ter,
até agora, apenas um consenso entre os profissionais e estabelecimentos de
saúde: dificilmente o atendimento voltará a ser como antes da crise sanitária
depois de se testar
as facilidades do atendimento remoto.
Na visão de Leandro César dos Santos, para o setor
de medicina diagnóstica que já vinha atuando com o serviço a distância, é um
caminho sem volta. “Ainda podemos
avançar, e muito, rumo à eficiência e qualidade do atendimento e do diagnóstico,
ainda mais porque a tecnologia não retroage, principalmente na área médica. É
usar isso em benefício do paciente”, conclui.