* Por Priscilla Franklim Martins, diretora-executiva da Abramed
02 de agosto de 2020
Viver um momento histórico é desafiador. A pandemia de
COVID-19 estremeceu sistemas de saúde e gerou um medo generalizado que fez os
cidadãos passarem a se preocupar apenas em evitar a infecção pelo novo
coronavírus, deixando de lado outros tantos aspectos de saúde fundamentais para
uma vida com qualidade.
Os hospitais viram os atendimentos eletivos caírem
vertiginosamente; laboratórios clínicos e clínicas de diagnóstico por imagem –
serviços também essenciais – registraram redução expressiva de demanda; a
imunização da população, em diferentes faixas etárias, teve queda em todo o
mundo. Então qual será o reflexo disso no futuro, já que outras doenças não
esperam a pandemia passar para se manifestarem?
Teremos uma avalanche de problemas de saúde relacionados ao
agravamento de doenças que deveriam ter sido diagnosticadas, monitoradas e
tratadas oportunamente. Poderemos enfrentar outra enxurrada de óbitos que
poderiam ter sido evitados com diagnóstico precoce e manutenção dos
atendimentos.
Estudo inglês recentemente publicado pelo The British
Medical Journal sugere que a mortalidade por câncer pode aumentar até 20% por
conta da pandemia de COVID-19. Obviamente que uma parcela desses óbitos estará
ligada a pessoas em tratamento oncológico e, portanto, com deficiências
imunológicas, infectadas pelo novo coronavírus. Mas outra parcela significativa
diz respeito a pessoas que terão seus diagnósticos atrasados ou paralisaram seus
tratamentos por conta de todas as atenções em saúde estarem voltadas aos casos
de COVID-19.
Outro estudo, desta vez divulgado no British Journal of
Surgery, diz que mais de 28 milhões de cirurgias eletivas serão canceladas em
todo o mundo devido à pandemia. Mesmo que a maioria desses procedimentos esteja
relacionada a especialidades que não a oncologia, qual será o impacto disso
para pacientes que terão suas condições deterioradas devido à paralisação? Como
enfrentar uma pandemia sem deixar rastros tão sombrios?
Nos Estados Unidos, os sistemas de emergência identificaram
um aumento gigantesco de mortes por infarto em casa. Com medo do novo
coronavírus, as pessoas deixaram até mesmo de procurar a emergência médica ao
sentir sintomas já tão conhecidos como dor no peito, formigamento do braço
esquerdo e náuseas. No Brasil, ainda não temos dados para afirmar que houve
aumento no número de óbitos por doenças cardiovasculares, mas os hospitais já
mostram que o número de atendimentos caiu, o que gera essa percepção de que
estamos seguindo o mesmo caminho negativo trilhado pelos norte-americanos.
O que precisamos, de fato, é reforçar para a população que,
sim, o novo coronavírus é altamente contagioso, que ficar em casa e evitar o
contato com outras pessoas é o melhor caminho para combater a disseminação e
achatar a curva. Porém, devemos também educá-las no sentido de que outras
situações de saúde não devem ser negligenciadas.
O ficar em casa não é válido quando há um tratamento em
curso, não é válido quando existem sintomas consideráveis que devem ser
analisados por profissionais de saúde. Não é válido, tampouco, quando o
paciente está em uma investigação e tem, em mãos, pedidos de exames que podem
auxiliar no entendimento do seu estado de saúde e na tomada de decisões
terapêuticas.
Os equipamentos de saúde estão trabalhando para garantir a
segurança da população. Assim, tanto hospitais quanto redes de laboratórios
criaram estratégias para separar casos suspeitos de infecção pelo novo
coronavírus de pacientes com outras queixas e patologias.
Com a telemedicina aprovada e já instituída para diversos
atendimentos, os pacientes não devem temer. Em caso de sintomas mais simples,
podem recorrer aos atendimentos virtuais e, assim, o médico do outro lado da
tela saberá instruir se essa pessoa deve ou não procurar ajuda presencial. E
para casos que desde os primeiros sintomas soam mais sérios, não deve haver
hesitação. Buscar ajuda é primordial.
Mesmo em uma pandemia, as pessoas precisam monitorar suas
condições de saúde e sentirem-se seguras para intervir quando for preciso. Aqui
o medo em nada ajuda, apenas atrapalha.
* Priscilla Franklim Martins é diretora-executiva da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed)
** Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo