Ampla diversidade de informações solicitadas pelas vigilâncias municipais e estaduais somadas à falta de padrão no formato para comunicação dos dados geram dificuldades para notificação compulsória da doença
6 de agosto de 2020
O setor privado de medicina diagnóstica no Brasil já estava
em conformidade com a notificação compulsória de inúmeras doenças conforme
estipulado pela Portaria de Consolidação nº 4 do Ministério da Saúde. Assim,
qualquer resultado de exame para diagnóstico de pacientes com Dengue, Febre
Amarela e Hepatite, entre outras patologias, naturalmente já era comunicado à
autoridade competente dentro do prazo estipulado.
Porém, com a pandemia do novo coronavírus, os laboratórios
passaram a ter de notificar, em até 24 horas, todos os resultados de testes
para COVID-19 tanto para a Federação quanto para Estados e Municípios. Com
milhares de testes sendo realizados todos os dias e a falta de padronização nas
solicitações advindas de cada uma das esferas, os laboratórios se viram em uma
situação caótica.
Dessa forma, a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica
(Abramed) – com 26 empresas que respondem por cerca de 60% de todos os exames
realizados pela saúde suplementar no país – vem
encabeçando diálogos tanto com o Governo Federal e o Ministério da Saúde quanto
com os municípios por meio do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de
Saúde (CONASEMS), a fim de sanar esses entraves e, dessa forma, permitir que a
notificação de todos os testes realizados pelos laboratórios privados sejam
enviadas e possam auxiliar na construção da análise epidemiológica do país e no
controle da disseminação do SARS-CoV-2.
Considerando que a portaria institui a notificação
compulsória imediata, porém não deixa claro qual deve ser o formato dessa
notificação, cada vigilância em saúde institui seu fluxo próprio. “Sempre
tivemos essa falta de padronização, porém não vivíamos um cenário de pandemia
com milhares de exames sendo realizados por cada laboratório todos os dias,
então o entrave era superável. Porém, agora, com a COVID-19 e o altíssimo
volume de exames, tornou-se impossível atender às diferentes solicitações de
cada região”, esclarece Priscilla Franklim Martins, diretora-executiva da
Abramed.
No âmbito Federal, o problema foi solucionado por meio da
Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). Agora, todas as notificações são
inseridas na RNDS. Porém, nas esferas Estadual e Municipal, as dificuldades
permanecem, como esclarece Marília Bortolotto, membro da Câmara Jurídica
Abramed e advogada da DASA. “Cada secretaria tem seu fluxo próprio, sendo que
algumas exigem que o laboratório entregue uma ficha física preenchida pelo
paciente diretamente na vigilância, enquanto outras pedem o envio dos dados por
e-mail, inclusive, em alguns casos, da via digitalizada dos laudos, documento
que não deve ser compartilhado sem o conhecimento do paciente e os requisitos
de segurança adequados”, pontuou.
Além do processo não estar definido, ou seja, dos
laboratórios terem de se adaptar a diferentes formas de notificação, há também
a falta de padronização nos dados que são solicitados, o que leva à uma
preocupação ainda maior quanto à proteção das informações dos pacientes.
“Os laboratórios não têm parametrizados em seus sistemas de
atendimento dados que não são indispensáveis à realização dos exames. Seguindo
as indicações da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrará em vigor no
primeiro semestre de 2021, os estabelecimentos nem mesmo podem solicitar esses
dados aos pacientes”, complementa Marília ao explicar que há, por exemplo,
casos de municípios que pedem dados como nome da mãe, raça e cor dos pacientes,
além de informações do médico prescritor do exame. É com base na LGPD, também,
que a Abramed se preocupa com o compartilhamento dessas informações por meio de
plataformas pouco seguras como, por exemplo, o correio eletrônico, que não trabalha
com criptografia e pode facilitar o vazamento desses dados sensíveis gerando
problemas tanto para o paciente quanto para a instituição que detinha esse
controle.
Dessa forma, o pleito emergencial da Abramed é pela
padronização tanto do formato da notificação quanto dos dados que são
solicitados. “Precisamos criar e definir um padrão para ser seguido por todas
as esferas da Federação e que, assim, não sujeite os laboratórios a trabalhar
de uma forma diferente em cada região”, pontua Marília.
Em uma live realizada na manhã de 3 de agosto, o DATASUS
respondeu às principais dúvidas relativas à RNDS, inclusive sobre as
dificuldades para integração e credenciamento dentro do sistema. Participando
do encontro virtual, Wilson Shcolnik, presidente do Conselho de Administração
da Abramed, questionou se teremos, em breve, as vigilâncias municipais e
estaduais com acesso à RNDS para que tenhamos a resolução do problema da falta
de padronização.
“Estamos fazendo todos os esforços para alimentar a base de
dados nacional com os resultados dos exames que realizamos diariamente, porém
se as outras pastas interessadas não conseguem visualizar esses dados, nosso
esforço pode não resultar em nada. Quanto tempo demora para que as secretarias
tenham de fato acesso?”, perguntou.
Em resposta, Henrique Nixon, da Coordenação-Geral de
Sistemas de Informações e Operações (CGSIO) do DATASUS, confirmou que essa
pendência está sendo solucionada. “Vamos entregar a integração do e-SUS
Notifica à RNDS nos próximos 15 dias. Tudo será automatizado e estamos muito
próximos de concretizar essa etapa”, disse.
Sobre os testes rápidos realizados, com autorização da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em farmácias e drogarias, o
DATASUS reforçou que a notificação da COVID-19 é compulsória a qualquer
profissional da saúde, seja biomédico, enfermeiro ou farmacêutico. Porém, no
caso dos testes rápidos, a notificação se faz obrigatória em pacientes
sintomáticos e com resultado positivo. “A preferência é por notificar todos os
resultados, sejam positivos, sejam negativos. Porém sabemos que talvez não seja
possível por não se tratar de um ambiente laboratorial. Dessa forma, os
sintomáticos positivos são obrigatórios”, declarou.
Apesar de muitos laboratórios já terem vencido a barreira da
integração de suas plataformas com a RNDS, esse tema ainda preocupa. Com
experiência do processo realizado na DASA, Marília detalha que é preciso amplo
conhecimento técnico para que a integração seja bem-sucedida. “A integração foi
super trabalhosa, tivemos que colocar nossas melhores cabeças do ponto de vista
técnico em TI para suprir essa etapa”, comentou.
Esse foi um dos pontos alertados por Shcolnik ao DATASUS na
reunião de 3 de agosto, visto que grande parte dos laboratórios clínicos do
país são pequenas e médias empresas que, nem sempre, têm estrutura de TI
adequada para trabalhar nessa integração. Em resposta, os executivos do
Ministério da Saúde disseram que há espaço para que empresas mais fortes de
tecnologia da informação trabalhem para a construção dessas integrações e
prestem serviços aos laboratórios menores, consolidando e transmitindo os
dados.