Armando C. Lopes Jr, da Siemens Healthineers, fala sobre as mudanças que a COVID-19 gerou no país e o despertar da tecnologia
24 de fevereiro de 2021
Sem dúvidas a crise desencadeada pelo novo coronavírus trouxe muitas dores ao mundo moderno. No fechamento dessa matéria já eram mais de 2,4 milhões de óbitos em todo o mundo gerados por uma doença altamente transmissível e nova no globo. Ao mesmo tempo em que tivemos de lutar contra o sofrimento, aprendemos muito sobre relações, mudanças comportamentais e sobre o impacto positivo da tecnologia em nosso dia a dia. Para falar sobre como foram os últimos meses de enfrentamento da pandemia, conversamos com Armando C. Lopes Jr., diretor-geral da área de Diagnóstico por Imagem e Digitalização da Siemens Healthineers para a América Latina.
Nesse bate-papo, Lopes Jr. enfatiza a necessidade de o setor seguir investindo em pesquisa, desenvolvimento e inovação e traz alguns projetos encabeçados pela companhia para aliar a inteligência artificial às melhores estratégias de combate à COVID-19. Fala sobre o mercado de diagnóstico por imagem e traz detalhes sobre um projeto inovador que está sendo testado na Alemanha e promete auxiliar a melhor distribuição das vacinas no país.
Confira a entrevista completa.
Abramed em Foco – Qual a sua percepção sobre os
impactos da pandemia de COVID-19 no nosso segmento?
Armando C. Lopes Jr. – A pandemia trouxe muita tristeza, pessoas adoeceram, perderam entes queridos e as restrições levaram a uma redução brutal no fluxo de pacientes. Tivemos clientes que fecharam suas portas e vimos os hospitais direcionarem praticamente toda sua estrutura ao atendimento à COVID-19. O eletivo deixou de existir até que tivéssemos maior compreensão sobre o percurso da pandemia e a melhor forma de lidar com os pacientes. Por outro lado, a crise trouxe muitos aprendizados e possibilitou a aplicação de técnicas e tecnologias que já estavam disponíveis, porém por vieses e paradigmas, não eram adotadas.
Assim, não podemos perder o “lado positivo” da crise. Não
devemos virar o rosto para pontos muito importantes que tivemos de abandonar,
como o contato social e a criação coletiva. Mas, sem dúvida, o mundo que vai
emergir após todos estarem vacinados não será como antes e não será como o que
estamos vivendo agora.
Abramed em Foco – Como a Siemens Healthineers reagiu
à crise?
Armando C. Lopes Jr. – Olhando para dentro de casa, podemos dizer que o home office funcionou muito bem. Já praticávamos duas vezes por semana e, portanto, estávamos adaptados à plataforma. Porém, passamos a utilizar mais a câmera nas reuniões e a estrutura em sua plenitude. Aderimos, inclusive, à assinatura digital eletrônica tanto para documentos internos quanto para documentos externos. Uma tecnologia disponível há muito tempo, mas que culturalmente ainda não era muito bem aceita. Na fábrica e no almoxarifado, criamos dois turnos para manutenção do distanciamento físico adequado.
Já os engenheiros de campo não podem ficar remotamente,
portanto os vulneráveis foram preservados e aqueles que poderiam seguir atuando
receberam todo o equipamento de proteção necessário. Assim, tivemos um nível
bastante baixo de infecção e nenhum caso grave ou óbito. Isso nos permitiu
mantermos o atendimento aos clientes de forma satisfatória.
Até mesmo algumas atividades que eram feitas in loco passaram a ser feitas virtualmente de forma plena. A aplicação – momento após a instalação quando há uma interação com radiologistas e equipes para ensiná-los a utilizar e calibrar as máquinas – passou a ser remota e trouxe vantagens significativas. Antes, nosso pessoal passava uma semana no cliente, visto que os médicos têm uma agenda acirrada e não tinham condições de disponibilizar muitas horas por dia para esse processo. O cenário levava a uma menor produtividade. Remotamente, podemos fracionar essa agenda. Essa possibilidade já existia há dez anos, porém sofríamos com uma percepção de que o cliente fazia questão da presença física do técnico. Com a pandemia impedindo esse contato, o paradigma se dissolveu e essa nova versão se provou melhor do que a anterior.
Abramed em Foco – Toda essa digitalização pode
afastar ainda mais as pessoas?
Armando C. Lopes Jr. – Pelo contrário. A digitalização aproxima. Hoje sou diretor-geral da área de Diagnóstico por Imagem e Digitalização para toda a América Latina. Tivemos um isolamento físico intenso, mas do ponto de vista social, acredito que aumentamos nossa proximidade. Passamos a falar por tela, e não por telefone. Passamos a ver mais uns aos outros. O que a tecnologia já permitia, a pandemia nos empurrou a usar. Não podemos nos permitir perder esses avanços, mesmo precisando resgatar coisas importantes como o olho no olho.
Abramed em Foco – Qual é o papel da inteligência artificial em todo esse processo de digitalização?
Armando C. Lopes Jr. – São muitas as aplicações. A pandemia também nos mostra a importância da inteligência artificial na gestão da saúde populacional. Desenvolvemos, na Alemanha, e estamos trazendo para a América latina um sistema para melhor definição de prioridades para vacinação contra a COVID-19. Hoje temos uma prioridade clara: profissionais de saúde e idosos. Mas em breve chegaremos a uma massa de pessoas com basicamente o mesmo nível de prioridade, mas ainda carecendo de critérios para indicar quem deve receber as doses primeiro.
Temos um mapa de calor da infecção que mostra o impacto da
doença em diferentes cidades e de bairro para bairro. Lembrando que uma pessoa
vacinada protege cinco pessoas ao seu redor, interrompendo a transmissão do
patógeno, precisamos incluir esse mapa de calor como um critério para
priorização. Assim a imunização será realizada antes nas localidades onde a
taxa de infecção está maior. Para isso, é utilizada uma ferramenta de
inteligência artificial que diz quem é e onde está a pessoa ideal para tomar a
vacina no primeiro, no segundo e no terceiro mês da campanha a fim de quebrar,
de forma otimizada, a cadeia de infecção. A promessa de valor é a de que a
distribuição inteligente da vacina pode reduzir em até 30% a mortalidade quando
comparada com uma distribuição convencional.
Além disso, a ferramenta também pode evitar o desperdício de
doses que vem sendo observado no Rio de Janeiro, por exemplo. Por lá, a vacina
da AstraZeneca vem com dez doses e todas precisam ser aplicadas após aberto o
frasco. Acontecia de o dia de vacinação ser encerrado e algumas doses ficarem
remanescentes nos postos, gerando uma “xepa” com pessoas idosas circulando
entre os atendimentos em busca das doses que estavam “sobrando”. Com a
inteligência artificial aplicada a esses postos, além de evitar o desperdício,
evita-se que pessoas do grupo de risco fiquem zanzando pela cidade para tomar a
vacina.
Abramed em Foco – O diagnóstico por imagem seguiu muito relevante para confirmação da COVID-19. Ao mesmo tempo, durante meses os atendimentos relativos a outras patologias ficaram represados, pela paralização do sistema e pelo medo da população em frequentar estabelecimentos de saúde. A Siemens Healthineers sentiu alguma movimentação na vertical de imagem em decorrência da pandemia?
Armando C. Lopes Jr. – Realmente em um primeiro momento os procedimentos eletivos foram quase à zero e técnicas como ressonância magnética e PET TC diminuíram muito, fazendo com que os clientes paralisassem os investimentos nessas tecnologias. Por outro lado, no Brasil, tivemos um aumento de demanda por tomografia computadorizada. Em outros países, notamos aumento de raio-X móvel. E aqui temos, mais uma vez, uma solução que otimiza os exames. Temos um laboratório de inteligência artificial no Hospital das Clínicas de São Paulo que aplicou um algoritmo para leitura de imagens de pulmão, um consórcio firmado com mais de 30 instituições. Chegamos a 30 mil imagens lidas pela ferramenta, o maior índice de upload do mundo.
Com isso, qualquer lugar do país conseguia ter uma segunda
opinião sobre aquele exame, facilitando a tomada de decisão sobre internar ou
não, intubar ou não. Uma ferramenta importante para que o corpo clínico tivesse
mais convicção sobre o procedimento. Trata-se de um auxílio à opinião soberana
do médico que, na pandemia, tem de tomar decisões a cada 30 segundos.
Abramed em Foco – Os investimentos em pesquisa,
desenvolvimento e inovação se mostraram ainda mais fundamentais?
Armando C. Lopes Jr. – Sou suspeito para falar, pois não só acredito como tenho evidências de que investimento em tecnologia reduz o custo da saúde. São menos tangíveis para medir, mas bastante evidentes quando olhamos o processo. Nesse momento que estamos vivendo vimos como é importante seguir investindo em tecnologias que acelerem o ciclo dos produtos, de ampliar a capacidade de rapidamente trazer essas soluções, testá-las e escalá-las. A tecnologia sempre foi a ferramenta que proporcionou o progresso para a humanidade. Ao longo de toda a nossa história, a automação nos liberou tempo para que pudéssemos desenvolver coisas novas. Lembrando que todas essas soluções de suporte à decisão clínica não substituem o médico, mas dão a ele velocidade e segurança para a tomada de decisão. Tudo isso nos levará a uma medicina cada vez mais personalizada.
Abramed em Foco – Qual é, a seu ver, o grande desafio
da medicina diagnóstica brasileira hoje? E como a indústria pode ajudar o setor
a vencer esses gargalos?
Armando C. Lopes Jr. – A medicina diagnóstica deve seguir o caminho de, cada vez mais, apoiar a decisão clínica fornecendo conhecimento, informação e minorando o custo dos tratamentos. No caso do diagnóstico por imagem, promover procedimentos menos invasivos, por exemplo. Na área de análises clínicas, auxiliar a prever medicamentos mais precisos para cada característica pessoal, seguindo a perspectiva de orientar um tratamento mais eficaz e menos custoso. Com as plataformas digitais agregando dados, colocando algoritmos de inteligência artificial que usam as informações do paciente para um conhecimento de massa.
Abramed em Foco – Como enxerga a atuação da Abramed na medicina diagnóstica? O que espera da entidade como parceira para melhoria do setor?
Armando C. Lopes Jr. – No meu entendimento, a Associação deve continuar promovendo esse diálogo entre todos os atores do sistema de saúde, que ainda tem muitas ineficiências advindas do modelo de pagamento. Essa abertura que a Abramed possibilita é muito importante para sanar esse grande desafio. Como podemos, eventualmente, reorganizar as relações para diminuir o desperdício, melhorar o valor entregue para o paciente? Todos esses objetivos do triple aim [estrutura desenvolvida pelo Institute for Healthcare Improvement dos Estados Unidos que descreve uma abordagem para otimizar o desempenho do sistema de saúde] dependem do diálogo entre os atores e da gradativa revisão dos papéis de cada um. E a Abramed faz isso de forma brilhante. Traz essa discussão ao mesmo tempo em que promove a defesa de seus associados.