Telessaúde – Como Brasil e Reino Unido lidam com a modernização?

Telessaúde – Como Brasil e Reino Unido lidam com a modernização?

Evento virtual reuniu especialistas para falar sobre os desafios e as oportunidades da digitalização; Wilson Shcolnik foi um dos comentaristas participantes

07 de março de 2021

A fim de discutir os principais desafios e oportunidades da telessaúde, o Governo Britânico no Brasil e o Instituto Coalizão Saúde (ICOS) promoveram uma série de workshops intitulada Diálogos Brasil-Reino Unido em Saúde Digital. No dia 23 de fevereiro, o bate-papo reuniu especialistas para tratar do histórico de implementação da telessaúde tanto no Reino Unido quanto no Brasil e contou com Wilson Shcolnik, presidente do Conselho de Administração da Abramed, como comentarista ao lado de João Alceu, presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde).

Na ocasião, as palestras foram ministradas por Chao Lung Wen, chefe da Disciplina de Telemedicina da FMUSP e Líder de Grupo de Pesquisa da USP em Telemedicina e Saúde; Erno Harzheim, gestor da Clínica Salute e ex-secretário de Atenção Primária no Ministério da Saúde; e Nav Chana, diretor clínico da National Association of Primary Care, diretor não-executivo do Kingston Hospital NHS Foundation Trust e parceiro Senior GP da Cricket Green Medical Practice.

Qual a diferença entre telessaúde e telemedicina? Esse questionamento, tão em voga na atualidade, foi esclarecido por Wen. “No Brasil há muita diferença. A telemedicina foi regulamentada em 2020 como exercício da medicina para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e promoção da saúde. Já a telessaúde é mais ampla, uma junção teórica de todas as profissões de saúde, que nos leva a uma dificuldade, pois cada uma delas deve ser regulamentada pelo seu conselho de classe, seja enfermagem, psicologia, odontologia ou fonoaudiologia”, disse.

Um ponto importante na opinião do especialista é que devemos tirar o estigma de que a telessaúde surgiu única e exclusivamente para redução de custos. Wen acredita que esse benefício é apenas consequência de outros como a ampliação do acesso. “Temos que perseguir a qualidade ao incorporar um sistema tecnológico”, enfatizou.

Para que essa incorporação seja eficiente e produtiva, é preciso compreender que o acesso virtual de forma alguma visa ir na contramão da medicina praticada até o momento. “Telemedicina é um braço de conectividade da medicina. É assim que temos que pensar, focando na gestão de saúde interligada a uma nuvem cognitiva repleta de diferentes redes de serviços”, completou.

Shcolnik concorda com esse posicionamento. “Atuo no segmento de medicina diagnóstica onde telepatologia e telerradiologia vêm sendo muito utilizadas mesmo antes da pandemia. Porém, temos observado uma nítida tendência de integração de serviços de saúde e formação de plataformas que incluem também a teleorientação”, declarou.

Para trazer uma percepção real de como o sistema brasileiro vem lidando com a telessaúde, Harzhein, que já foi secretário de atenção primária do Ministério da Saúde, explicou o funcionamento do RegulaSUS, sistema criado em 2007 que entrega telessaúde à população e qualifica as equipes da atenção primária. “De 2016 a 2019 o projeto fez mais de 215 mil regulações, produziu mais de 70 mil discussões clínicas entre médicos assistenciais, atenção primária e teleconsultores. Nesse período foram criados 252 protocolos de encaminhamento em 33 especialidades e 85 deles foram posteriormente publicados pelo Ministério da Saúde”, contabilizou.

Como resultado desse investimento em saúde digital, houve uma redução significativa na fila do SUS. “Em três anos tivemos reduções superiores a 50% no tempo de espera por atendimento, uma diminuição muito importante”, pontuou. Segundo dados por ele compartilhados na apresentação, em janeiro de 2016 o brasileiro esperava em média 647 dias para passar por um atendimento neurológico. Em março de 2019 essa espera caiu para 38 dias, uma redução de 94%. “A queda também se repete nas outras especialidades como reumatologia, endocrinologia e pneumologia”, pontua.

Do ponto de vista do mercado privado, Lima – que representa a Fenasaúde – reforçou que a pandemia acelerou o processo de adesão à telemedicina e que esse deve ser considerado um marco importante, visto que avançamos muito rapidamente em poucos meses.

Como forma de avaliar essa implementação, o executivo sugere o monitoramento dos acessos. “A jornada do paciente foi muito bem conceituada pelo próprio paciente. Além disso, tivemos mais consultas feitas em menos tempo e o no show, que era comum, reduziu bastante”, declarou. Lima também aproveitou para enfatizar que a grande vantagem da telessaúde está em aumentar o acesso. “Acesso é a palavra-chave”, disse.

Para Shcolnik, é preciso lembrar, também, que a telessaúde traz uma boa oportunidade de organização da jornada do paciente. “Sabemos que temos um problema sério de pessoas que recorrem a pronto-socorro para o primeiro atendimento. Com a virtualização, temos a oportunidade de envolver e educar os pacientes, criando novos modelos de negócios”, declarou.

Trazendo ao público participante uma perspectiva do mercado britânico, Chana, assim como Wen, enfatizou que telessaúde é um serviço amplo que abraça desde a prevenção e o diagnóstico até o tratamento. Para ele, temos sempre de lembrar que toda tecnologia leva um certo tempo para ser aceita e implementada. Para isso, mostrou que, em 1812, inventaram o estetoscópio e não foi uma situação tão simples de ser aceita.

“Usamos esse equipamento há 200 anos e, hoje, ele é o símbolo da medicina. Mas quando foi inventado, os médicos discordavam de seu uso, não queriam utilizar e seguiam auscultando a respiração dos pacientes colocando o ouvido no peito da pessoa. Hoje é algo extremamente normal”, explicou.

Para trazer dados que refletem a adesão à telemedicina no Reino Unido, Chana disse que antes de março de 2020, 80% de todas as consultas realizadas em sua clínica eram presenciais. Com o início da pandemia, houve uma inversão e 60% delas passaram a ser feitas ou por vídeo ou por telefone e apenas 40% permaneceram presenciais. “Esse número tem se mantido estático ao longo da pandemia e a nossa previsão é que passada a crise tenhamos um equilíbrio de 50% das consultas presenciais e 50% virtuais”, disse.

Porém, os palestrantes entendem que nem sempre é possível comparar Brasil e Reino Unido sem reconhecer as diferenças e particularidades de cada nação. “O Reino Unido é 35 vezes menor do que o nosso país, é praticamente equivalente ao estado de São Paulo. Por lá, são 67 milhões de pessoas e, por aqui, mais de 210 milhões. Então temos muitos vazios assistenciais, áreas onde não há acesso ao médico, tanto na atenção primária quanto nas especialidades”, disse Lima ao trazer, novamente ao debate, a necessidade de ampliação de acesso.

Dentro desse cenário, é possível reconhecer alguns dos desafios da telessaúde no Brasil. Shcolnik pontua, a princípio, a necessidade de comprovação de eficácia. “Se não tivermos resultados palpáveis, teremos problemas nas adesões”, disse. Na sequência, aponta como desafio o acesso à internet e a segurança dos dados. “A chegada do 5G traz boas perspectivas para a infraestrutura e não podemos esquecer que temos hackers invadindo até mesmo reuniões virtuais no nosso país. Quão seguro estamos?”, questionou.

O desafio regulatório também foi mencionado, já que o pleno funcionamento da telessaúde deve passar pela regulamentação. “Precisamos de regulação favorável e clara para não termos incertezas e evitarmos a judicialização, um incômodo que onera os sistemas de saúde tanto público quanto privado”, declarou o presidente do Conselho de Administração da Abramed.

Ainda sobre regulamentação, os participantes lembraram que o Brasil precisa se atualizar para atender as atuais necessidades do sistema que mudou drasticamente desde a regulação proposta pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2002.

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