Marcelo Lorencin, da Shift, fala sobre a gestão da crise e as possibilidades do setor no pós-pandemia
08 de junho de 2021
São 15 meses de pandemia. O setor de medicina diagnóstica,
que ganhou protagonismo diante da crise, sentiu os efeitos negativos do novo
coronavírus – que afastou os pacientes dos laboratórios e clínicas de imagem,
reduzindo as atividades drasticamente durante alguns meses – mas já entrou em
rota de recuperação. Segundo Marcelo Lorencin, CEO da Shift, empresa
especializada em Tecnologia da Informação (TI) para medicina diagnóstica, houve
um aumento significativo das vendas da companhia nesse primeiro semestre de
2021.
Em entrevista exclusiva para a Abramed em Foco, o executivo
fala sobre como a adesão tecnológica pode auxiliar o setor a expandir; a
relevância da ciência de dados e da humanização, colocando o paciente sempre no
centro do cuidado; a tendência de ampliação de portfólio dos laboratórios
clínicos e as boas perspectivas da empresa para o futuro.
Confira entrevista completa.
Abramed em Foco – Quais foram as principais
dificuldades enfrentadas pela Shift na pandemia e como a companhia trabalhou
para vencer esses desafios?
Marcelo Lorencin – Ao longo destes mais de 15 meses
de pandemia, experimentamos diferentes desafios, em diversas fases. Os
primeiros meses, por exemplo, foram marcados por uma queda significativa na
demanda de nossos clientes. Laboratórios chegaram a registrar uma redução
superior aos 75% da demanda nas primeiras semanas de pandemia. Diante desse
cenário, foi fundamental nos posicionarmos como parceiros dos nossos clientes e
fornecedores, adotando uma estratégia voltada para um olhar sistêmico. Algumas
negociações foram necessárias de todos os lados. Levando em consideração que
todos estavam enfrentando o mesmo desafio, não cabiam decisões individuais.
Sabíamos que somente uma visão do todo seria capaz de manter todos vivos e isso
era fundamental para a sustentabilidade de toda cadeia. Nossos clientes, por
sua vez, tiveram o mesmo olhar.
Do ponto de vista interno, mantivemos todos os
colaboradores, pois diminuir custos seriam desligamentos, o que teria
resultados desastrosos a longo prazo. Usamos nossa equipe para apoiar os
clientes remotamente, capacitamos à distância, e assim mantivemos toda nossa
estrutura.
Já no segundo semestre, houve a retomada e crescimento da
demanda de exames, impulsionados tanto pela maior consciência da importância da
saúde e crescente busca pela prevenção, quanto pelo adoecimento da população,
além do elevado número de exames de COVID. Neste momento, o grande desafio foi
o trabalho remoto junto aos clientes, o que aos poucos foi se adaptando.
Em 2021, muitos Centros de Diagnósticos retomaram seus
investimentos e já vínhamos em constante preparação para um aumento da demanda
por serviços de TI. O desafio hoje é outro: a escassez da mão de obra de TI,
que está em déficit, e a locomoção das equipes para implantação e treinamento
de novos clientes, mas temos administrado isto e retomamos agora no final deste
semestre ao ritmo anterior a pandemia, buscando alternância de entrega dos
projetos entre serviços remoto e local.
A pandemia de COVID-19 afetou todos os setores da
economia. Porém, com a mudança de hábitos e as novas necessidades que surgiram,
algumas atividades se desenvolveram. Os laboratórios e clínicas de imagem
aproveitaram esse momento para investir em tecnologia?
No ano de 2020, nossa base de clientes demandou muitos
serviços para atendimento remoto, customizações, automatização e projetos
utilizando o nosso aplicativo mobile para agendamento, pré-atendimento de
pacientes e coleta domiciliar. Entretanto, no primeiro semestre e início do
segundo semestre de 2020, as vendas de novos projetos inevitavelmente desaceleraram,
pois muitos laboratórios e clínicas de imagem optaram por preservar seu caixa.
Porém, aos poucos, com o aumento da demanda e os desafios operacionais, muitos
conscientizaram-se da importância do investimento em tecnologias de amplo
escopo, capazes de atuar nas frentes de eficiência operacional, gestão,
qualidade e jornada do paciente, que são diretrizes de nossas soluções. Isso
provocou um aumento significativo nas vendas de 2021.
Como a ciência de dados pode auxiliar o crescimento do
setor de medicina diagnóstica, principalmente no período pós-pandemia?
É sabido da importância dos dados para tomada de decisões,
seja do ponto de vista operacional, gestão e/ou geração de informação de saúde.
Os laboratórios e clínicas de imagem são responsáveis por 70% das decisões
médicas e isto é algo inegável e com um valor inestimável. Ainda existe muito
espaço para esta evolução, em especial por sabermos da fragmentação dos dados.
Os centros diagnósticos são detentores de apenas uma parte das informações
disponíveis do “prontuário”, ou seja, do histórico de um paciente. No
entanto, mesmo assim, podem trazem muitos insights, conhecimentos.
Transformando dados em informação de valor e gerando conhecimento científico a
partir disso.
A medicina diagnóstica brasileira vem batalhando para
ampliar o acesso aos exames. E sabemos que a tecnologia tem papel fundamental
nessas estratégias. Quais os desafios, na sua visão, para que consigamos
aplicar a tecnologia na expansão do setor?
Temos um grande desafio para garantir o acesso à saúde, de
um modo geral. Existe uma demanda crescente por conta do envelhecimento da
população, da própria pandemia e dos avanços da tecnologia na nossa área de
atuação, tanto as tradicionais, com o surgimento de novos exames e perfis, bem
como de novos formatos, sejam de TLR (testes laboratoriais remotos) ou de
exames digitais.
O laboratório e a clínica de imagem podem, se souberem
aproveitar, ter uma expansão considerável neste sentido, inclusive navegando
mais para a medicina preventiva, sendo um parceiro do setor. A tecnologia, não
só da informação, mas de todas as frentes – as já citadas e outras, como por
exemplo, devices, wearables, ciência de dados, inteligência artificial –
poderão potencializar a expansão do setor. Mas, como sabemos, é fundamental
trabalharmos no acesso, visto que, grande parte da população, encontra-se
dependente do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, segundo estudos, mais
de 45% delas não possuem acesso pleno à internet. Ainda que a teleconsulta
gratuita seja liberada, por exemplo, para todo o Brasil, temos um desafio de
logística, e isto tem que ser pensado de forma ampla.
A jornada do paciente, com a tecnologia, estende-se muito
além da visita aos laboratórios e clínicas de imagem e a obtenção de resultados
pela internet e/ou aplicativos. Esta é uma transformação que veremos
rapidamente nos próximos anos e isto tem sido potencializado pela necessidade
da conveniência de serviços remotos, ágeis e personalizados.
Pensando nas empresas de pequeno e médio porte da área de
medicina diagnóstica, enxerga como tendência de mercado a ampliação do
portfólio de serviços dos laboratórios? Eles começaram a ofertar uma gama mais
variada de exames?
Sim, a oferta de novos exames não é uma exclusividade das
grandes redes. Os centros diagnósticos têm buscado diferenciação e ampliação de
seu portfólio, seja com investimentos em novos equipamentos ou por meio de
parcerias com laboratórios de apoio. Neste aspecto, inclusive, alguns já estão
se movimentando para TLR e, alguns poucos, para oferta de serviços digitais.
O setor de medicina diagnóstica sempre teve muito foco em
qualidade. Com a pandemia, quando surgiram alguns testes pouco confiáveis e
houve um movimento grande para garantir que entrassem no mercado apenas testes
validados, essa busca tornou-se ainda mais visível. Você enxerga um movimento
dos laboratórios para ampliar o reconhecimento de seus serviços e a qualidade
dos atendimentos?
Não há dúvidas com relação a isso. A Shift tem um portfólio
de clientes que são referências em todo o Brasil e dos quais temos muito
orgulho. Pelo menos 75% de nossos clientes dispõem de uma ou mais certificações
e/ou acreditações, seja ela PALC, DICQ, PADI, ONA, ISO ou até mesmo
internacionais como o CAP, e isso tem aumentado a cada dia. Vemos muita procura
e resultados, pois a qualidade traz robustez aos clientes, não só do ponto de
vista técnico, como também de processo e até gestão. Por conta disso, eles
perceptivelmente destacam-se no mercado, com eficiência operacional, pouco
retrabalho e impactando positivamente na vida dos pacientes, o que acaba sendo
valorizado pelo mercado (pacientes, médicos e fontes pagadoras). Os próprios
programas de acreditação têm avançado em várias frentes. Indo muito além da
qualidade dos exames, trazendo uma visão ampla e sistêmica para os
laboratórios. E isso não é diferente nas clínicas de imagem.
Vivemos uma era da humanização em saúde?
A tecnologia e seu desenvolvimento devem estar centrados no
lado humano, esse é o mundo ideal em todos os setores e, no caso da saúde, que
a tecnologia ajude a colocar cada vez mais o paciente no centro dos cuidados.
Meu sonho é que em um futuro muito próximo ela seja capaz não só de
proporcionar um aumento na gama de serviços oferecidos, mas também de ampliar e
democratizar o acesso à saúde.
Quais as perspectivas de negócios da Shift para os
próximos meses?
As perspectivas são muito boas. As vendas estão acontecendo
e os projetos sendo entregues, ajudando os laboratórios a avançarem com seu
processo de expansão e performance. A Shift também tem ampliado seu escopo de
atuação. Acabamos de disponibilizar para o mercado um módulo completo de
anatomia patológica e temos investido na consolidação do RIS para clínicas de
imagem. Buscaremos alcançar essa mesma referência que somos em laboratórios,
nestas outras frentes. Outras iniciativas, relacionadas à transformação digital
estão em fase final de amadurecimento.
Como enxerga a atuação da Abramed na medicina
diagnóstica? O que espera da entidade como parceira para melhoria do setor?
A Abramed, por sua representatividade e atuação exponencial,
tem um papel fundamental no setor exatamente por sua capacidade de unir todos
os elos dessa importante cadeia da saúde, que é a medicina diagnóstica. Estamos
falando de uma entidade com uma abrangência muito significativa em todo país,
conduzida por time de peso que ao longo desses anos tem atuado com pulso firme
e muita competência para construir um grande legado de apoio, seja nos diálogos
com as organizações governamentais e regulatórias, parceria com a comunidade
científica, e na geração de conteúdo e conhecimento, entre outras frentes que
ajudam a fortalecer o protagonismo e sustentabilidade do setor de medicina
diagnóstica. Além de todos os anos trazerem um cenário muito sólido do setor,
com o Painel Abramed, que traz dados que ajudam a direcionar o trabalho de
todos os stakeholders e players do mercado.