Votação deve ficar para 2022; pleito da saúde é manter a neutralidade fiscal
Desde as primeiras movimentações pela Reforma Tributária no Brasil, a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), segue atenta avaliando os impactos das mudanças no setor de saúde e contribuindo para um debate mais claro e transparente tanto com os tomadores de decisão quanto com a sociedade.
Para tanto, a entidade vem trabalhando assiduamente, a fim de sensibilizar os tomadores de decisão quanto aos prejuízos que uma reforma míope pode gerar ao país. Ano passado, publicou o paper “Impactos da Reforma Tributária no Setor de Medicina Diagnóstica”, visando analisar a proposta de reforma tributária do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS-IVA) e CBS, estimando, de forma preliminar, os eventuais impactos sobre o mercado de medicina diagnóstica. Clique aqui para acessar o conteúdo na íntegra.
A entidade dialogou com todos os principais stakeholders da Reforma Tributária. Foram mais de 100 reuniões com autoridades do governo federal, inclusive com o secretário da Receita Federal do Brasil à época, José Barroso Tostes Neto, exonerado no último dia 7 de dezembro; o ministro da Economia, Paulo Guedes; e parlamentares dos mais diversos partidos, sempre defendendo alíquota diferenciada para a saúde e a manutenção das isenções para os insumos médicos.
Atualmente, os três projetos que tratam do assunto estão parados no Congresso Nacional. A proposta de emenda constitucional PEC 110/2019, que altera o Sistema Tributário Nacional, extinguindo tributos e criando o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e será analisada em 2022.
O Projeto de Lei (PL) nº 3.887/2020, que altera a legislação tributária federal e institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), unificando PIS/Pasep e Cofins num único tributo com uma alíquota geral de 12%, está na Câmara de Deputados e já recebeu vários requerimentos, mas segue em análise.
Ainda sem considerar que alguns setores da economia — como saúde e educação — são essenciais, o PL 3.887/20 ameaça a funcionalidade e a sustentabilidade da medicina diagnóstica nacional, mantendo os problemas apontados previamente pelas instituições de saúde: a aprovação dessa reforma desencadeará o fechamento de muitas unidades atuantes na medicina diagnóstica, que não conseguirão arcar com o aumento expressivo de custos, e, como consequência, teremos uma nova leva de desempregados (já que o segmento é responsável pela manutenção de 264 mil postos de trabalho); ampliaremos a pressão sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), já sobrecarregado e tentando se recuperar de uma pandemia; e teremos uma dificuldade ainda maior de garantir acesso a exames de qualidade a todos os cidadãos brasileiros.
“Seguimos dedicados à discussão da CBS. Semanalmente tivemos audiências com deputados e senadores, por meio da Aliança Saúde e Educação, e essa é uma frente que tem surtido bastante efeito. Tanto que estamos agora considerando uma perspectiva positiva de uma alíquota diferenciada para os setores da saúde, educação e também de transportes. A neutralidade fiscal é justamente o nosso pleito”, explica Fábio Cunha, diretor do Comitê Jurídico da Abramed.
Porém, paralelamente ao debate sobre o PL 3.887/2020, no início deste ano a Reforma Tributária entrou em uma segunda fase com a apresentação, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, do PL 2.337/2021, que altera a legislação do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas e das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
“Essa é uma fase totalmente voltada ao imposto de renda e temos que nos atentar a duas modificações principais: a reinstituição da tributação da distribuição de lucros e dividendos, que desde 1995 é isenta; e a redução da alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica”, explica Renato Nunes, sócio da área Tributária da Machado Nunes.
É preciso entender que essas mudanças propostas pelo PL 2.337/2021 afetam as empresas de forma diferente a depender do seu modelo de tributação.
Para as optantes pelo Simples Nacional (ou seja, pessoas jurídicas com faturamento máximo anual de R$ 4,8 milhões), se o projeto for aprovado não deve haver muito impacto. Isso porque na versão mais recente do texto essas empresas estarão dispensadas de reter imposto de renda sobre as distribuições de lucros, independentemente de valor. Considerando que inicialmente a isenção seria apenas para a distribuição de até R$ 20 mil por sócio, podemos entender que houve um avanço.
A mesma previsão acima voltada ao Simples se aplicaria às empresas optantes pelo Lucro Presumido que faturam até R$ 4,8 milhões ao ano. Para estas, os impactos devem ser indiretos, ou seja, podem surgir pelo aumento de preços de fornecedores e prestadores de serviço que sofrerão com uma possível ampliação da carga tributária.
Já para empresas que faturam mais de R$ 4,8 milhões ao ano e atuam sobre Lucro Real ou Lucro Presumido, os impactos precisam ser compreendidos e analisados, pois são bem significativos. As companhias mais penalizadas, em tese, serão aquelas que optam pelo Lucro Presumido.
“Isso acontece porque essas empresas trabalham com percentuais de presunção, e não com lucro efetivo. Assim, acabam sentindo menos o impacto positivo da redução do IRPJ, uma das principais contrapartidas ao retorno da tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos”, explica Nunes reforçando que, enquanto se beneficiam pouco dessa redução, do outro lado estão sentindo totalmente o peso do aumento da carga tributária.
Outro ponto apresentado por Nunes é que, no setor de serviços da saúde, o lucro presumido conta com um regime especial apelidado de “lucro presumido saúde”. Enquanto no modelo tradicional o percentual de presunção para se chegar à margem de cálculo é de 32%, nesse formato especial os percentuais de presunção do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro caem para, respectivamente, 8% e 12%. “Isso faz com que o aproveitamento da redução da alíquota do IRPJ seja bastante limitado, e, por consequência, haja menor neutralização do imposto sobre a distribuição de lucros”, declara Nunes.
“Tínhamos uma grande preocupação com o impacto dessas mudanças nos prestadores de serviço e no efeito em cascata que poderia ocorrer. Quando o texto foi alterado, mantendo a isenção para todas as empresas do Simples Nacional e para uma parcela das optantes pelo lucro presumido, a situação melhorou”, relata Cunha.
Monitorando a Reforma Tributária desde o início, o executivo acredita que desde setembro ela tem sido dificultada. “Enquanto na primeira fase, de aprovação do CBS, tínhamos metade da sociedade contra e outra metade a favor, nessa segunda fase focada no imposto de renda temos 100% dos setores se posicionando contrários ao projeto de lei. Na nossa visão, isso faz com que a reforma enfrente muito mais dificuldades para ser tramitada e o fato de a aprovação ter sido postergada deixa claro o enfraquecimento do governo com relação a esse movimento”, aponta o diretor do Comitê Jurídico.Para Fábio Cunha, apesar de a reforma não ter sido votada este ano, é preciso que o setor continue vigilante para manter sua neutralidade tributária.