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discute a importância de “dar sentido para o que se faz no trabalho” alinhando
propósitos pessoais com o das empresas
As mudanças trazidas para a adaptação ao novo
normal advindas com a pandemia da Covid-19 ainda trarão profundos reflexos no
mundo do trabalho. O sistema home office e seu dinamismo na nova configuração
empresarial é um dos temas mais latentes nesse âmbito. Apesar de não ser uma
ferramenta nova no universo trabalhista, o trabalho online tem sido motivo de
debates e várias ações na área de Recursos Humanos para gerir essa atual
realidade nos negócios. Para tratar essa questão sob a ótica do setor da saúde,
o Comitê de RH da Abramed, convidou Marcelo Cardoso, presidente do Instituto
Integral Brasil, para discutir o tema, no último dia 12 de abril.
O executivo compartilhou um pouco da sua vivência
nesses novos tempos à frente do Integral Brasil, entidade que atua na
disseminação da Abordagem Integral, fomentando sua aplicação no desenvolvimento
pessoal, organizacional e social, através de estudos, cursos, práticas e
compartilhamento de experiências.
Diante da sua expertise no setor empresarial,
Cardoso trouxe um panorama do contexto atual que as empresas estão vivendo no
que tange a adoção do trabalho híbrido neste momento de transição pós-pandemia.
“Essa nova realidade traz diversas questões sensíveis ao RH, que vão além de
encarar somente a proposta do trabalho híbrido, mas também de investigar se
quando nos encontramos na empresa, o porquê de estarmos nos encontrando e quais
são as implicações do ponto de vista de conexão e cultura que tem o trabalho
remoto e o híbrido a partir de agora?”, questiona o executivo.
Cardoso fez considerações sobre a mudança do
trabalho presencial para o sistema remoto e suas implicações psicoemocionais
nas pessoas, que causou em um primeiro momento um sentimento de felicidade por
“estar em casa”, mas temporalmente causou um certo nível de estresse,
revisitando sintomas como ansiedade e acelerando o quadro de doenças mentais.
“Estamos vivendo em um processo de ansiedade
permanente. Do ponto de vista da curva emocional é como se bilhões de pessoas
estivessem vivendo permanentemente essa angústia muito ligada ao sistema de
trabalho, com sobrecargas que estão levando os profissionais a tomar atitudes e
fazer renúncias muitas vezes impulsivas e com repercussões negativas nas suas
vidas em todos os níveis”, pontua Cardoso.
Ele usou como exemplo o “The Great Resignation”, movimento
que surgiu nos Estados Unidos e gerou uma onda de demissões voluntárias desde o
início da pandemia da covid-19. Só entre abril e setembro do ano
passado, 25 milhões de pessoas (cerca de 4 milhões por mês) disseram adeus aos
seus empregos nos EUA, muitas vezes sem ter ainda uma nova possibilidade em
vista. E o que era um movimento local se espalhou para outros lugares,
inclusive no Brasil.
O especialista trouxe outros exemplos práticos
vivenciados em diversos países pelas mudanças acarretadas por este fenômeno
causado pela pandemia no mundo empresarial e citou algumas ações das
organizações para enfrentar as dificuldades e encontrar soluções, mas que nem
sempre são conduzidas de formas condizentes com os resultados esperados.
“As empresas vivem essa disfunção de cultura há um
bom tempo e na pandemia, com o home office, elas foram trazidas para dentro das
nossas casas o que agrava esse cenário. Por isso, é importante tratarmos desse
tema em reuniões como essa do Comitê de RH da Abramed”, expressa Cardoso.
Para o executivo, a questão é abrangente, tem
várias ramificações e suscita muitas dúvidas e considerações que devem ser
levadas em conta pelos profissionais de Recursos Humanos neste momento em que
as empresas estão adotando o sistema de trabalho híbrido.
“É um movimento novo que estamos vivendo no mundo
trabalhista e, que apesar da insegurança financeira, as pessoas estão mais
propensas a tomar a decisão de sair do trabalho. É um sinal para ficarmos em
alerta e atentos, e exercitarmos mais o olhar sistêmico para entender e gerir
melhor as circunstâncias que propiciam a adesão da renúncia profissional”,
frisa Cardoso.
Sobre este “movimento da grande renúncia”, Milva
Pagano, diretora-executiva da Abramed, questionou se esse fenômeno surgiu por
conta da pandemia ou foi potencializado por ela. Cardoso assegurou que a
pandemia tem efeito crucial, mas é algo muito complexo, que exige um
aprofundamento de análise para seu entendimento das suas causas e raízes.
“Nem sempre é só a remuneração que causa esse
efeito, mas muitas vezes está associada às questões de convivência com uma
cultura tóxica nas empresas. Isso nos leva a constatar que o ambiente
organizacional é tóxico faz tempo, então a minha hipótese é que a pandemia
acelerou algo que já estava latente e insuportável para as pessoas”, respondeu
Cardoso.
Ele ainda fez analogias com base em estudos que
tratam das doenças mentais e sua correlação com o ambiente do trabalho e seu
crescimento no mundo, afetando a população em geral, com sintomas que vão de
depressão a síndrome do pânico e todas as consequências que acarretam para o
trabalhador.
“No Brasil não é diferente. Atualmente, doença
mental já é o segundo maior ofensor no que diz respeito ao afastamento de
trabalhadores e de sinistralidade nas empresas. Um fator que interfere bastante
nisso é que, ao longo dos anos, não existiu um esforço de saúde e segurança do
trabalho para tratar a doença psíquica e o ambiente organizacional de alguma
forma favorece esse aumento”, aponta o especialista.
Para Cardoso, isso também está ligado às
características da personalidade sociopata e narcisista que influencia a forma
de gestão dos líderes, executivos da alta direção, entre outros tipos de
gestores, que nem sempre estão preparados para lidar com as questões emocionais
dos colaboradores.
O presidente do Instituto Integral Brasil observa
que do jeito que a sociedade se organizou nos últimos 100 anos, tratando as
pessoas como recursos e valorizando a construção da lógica de que é preciso
atingir as metas de produção é um fator que propicia em potencial a exposição
dos trabalhadores aos mecanismos que criam a doença mental.
“Acredito que apesar dessa situação ser
preexistente, a pandemia agravou e meio que nos arremessou nessa realidade. Ela
não é a causa, mas é um grande agravante dessa situação que estamos vivendo nos
ambientes corporativos”, avalia.
Milva, por sua vez, lembrou que a pandemia
impulsionou mudanças em torno do isolamento social nas empresas e trouxe à tona
para as pessoas uma vulnerabilidade que colocou todos na mesma linha como seres
mortais, do CEO ao chão de fábrica, e, talvez, isso tenha feito as pessoas
repensarem o que é de fato importante em suas vidas e o que elas querem e o que
estão dispostas a se sujeitar ou não em termos profissionais.
A executiva fez as observações levando em conta a
dinâmica dos profissionais do setor da saúde, considerados exemplos de pessoas
mais propensas a cuidar do próximo. “Em vista disso, sempre me questiono sobre
a importância do propósito pessoal e do seu alinhamento com o propósito da
corporação onde a pessoa está inserida”, salienta.
Além disso, Milva destacou que vale refletir sobre
o quanto o profissional da saúde está sendo influenciado por esses reflexos
psicológicos gerados pela pandemia. Se o comportamento deles também difere em
algum grau dos outros profissionais, por ter o lado do propósito pessoal mais
aguçado. “Por ver valor no que está fazendo ao cuidar das pessoas, o
profissional da saúde consegue agregar esse valor ao seu objetivo pessoal”,
exemplifica a diretora-executiva da Abramed.
A observação de Milva alimentou o bate-papo entre
Cardoso e demais participantes da reunião. Diante dos reflexos causados pela
pandemia na saúde mental das pessoas, a questão vem ganhando espaço nas
discussões de RH e a busca para atender essa nova configuração organizacional
trazida com o sistema de trabalho híbrido. O grupo falou, especialmente, sobre o
que essas mudanças refletem nos interesses acerca dos propósitos pessoais, uma
vez que os profissionais almejam dar sentido para o que se faz no trabalho, e
como alinhá-los aos objetivos das organizações. Eles destacaram experiências
vivenciadas nesse período, os desdobramentos que as questões de saúde mental
vêm repercutindo na área da saúde e quais ações devem ser encaminhadas pelos
profissionais do setor de RH dessas empresas.