A Lei 14.510, que autoriza a prática da telessaúde, foi aprovada em 28 de dezembro de 2022 e está movimentando o setor
A telessaúde tem o potencial de transformar a forma como os pacientes recebem cuidados de saúde, permitindo maior acesso, principalmente em áreas remotas. A aprovação da Lei 14.510, em 28 de dezembro de 2022, que autoriza e disciplina a prática da telessaúde em todo o território nacional, vai proporcionar o desenvolvimento ainda maior de tecnologias e trará novas oportunidades para o setor da saúde, ampliando o atendimento às pessoas.
Em resumo, a lei inclui princípios como autonomia e dignidade do profissional de saúde, consentimento livre e informado do paciente, segurança e qualidade da assistência, confidencialidade dos dados, promoção da universalização do acesso aos serviços de saúde, bem como estrita observância das atribuições legais e responsabilidade digital. Ainda, os atos do profissional de saúde na modalidade de telessaúde terão validade em todo o território nacional. Já a competência de normatizar a ética da prestação de serviços fica a cargo dos conselhos federais de fiscalização do exercício profissional.
“A telessaúde evita deslocamentos a uma clínica ou hospital, auxiliando pacientes idosos, com necessidades especiais e que moram em regiões remotas, facilitando seu agendamento, poupando tempo e recursos. Além disso, reduz filas nesses estabelecimentos, aumentando a oferta de horários disponíveis e melhorando, assim, a qualidade, pois permite aos profissionais acessarem informações e registros médicos em tempo real”, ressalta Edgar Diniz Borges, diretor-presidente da LISBrasil, associação de referência no setor de Tecnologia de Informação que atua para desenvolver e promover iniciativas que contribuam para o fortalecimento do setor de medicina diagnóstica.
Segundo Borges, um ponto importante é a redução dos custos que envolvem o atendimento, favorecendo a alocação de investimentos nas demandas principais. “A lei é importante para garantir que os pacientes tenham acesso a serviços seguros e regulamentados, além de assegurar que os profissionais de saúde possam utilizar as tecnologias de forma ética e responsável”, salienta.
Para Michele Maria Batista Alves, gerente executiva da Saúde Digital Brasil (SDB), entidade representativa dos prestadores de serviço de telessaúde do Brasil, a regulamentação é a base para a evolução da telemedicina, pois permite que não só novas tecnologias como também soluções surjam e tenham impacto significativo. “Oferece, ainda, segurança jurídica, permitindo tanto aos governos quanto à sociedade em geral avançar na utilização deste serviço”, expõe.
Na área de diagnósticos, a telessaúde abre diversas facilidades aos pacientes, como exames e monitoramento à distância. Esse monitoramento pode ser feito por um profissional de saúde durante a realização do procedimento em si ou até mesmo consistir em teleorientação ou telemonitoramento pré e pós-atendimento, que pode se dar, por exemplo, via teleconsulta ou aplicativo.
“A telessaúde integrada à saúde digital, que é um conceito mais amplo, pois abarca as tecnologias de suporte à prestação dos serviços, permite ainda que os pacientes tenham acesso facilitado a resultados de exames e evolução clínica, recebam recomendações e monitoramento via aplicativo e realizem exames em domicílio. Tudo isso com a garantia de segurança pelos laboratórios”, salienta Michele.
Já os profissionais de saúde e os laboratórios, além de contarem com a segurança jurídica para a realização de atendimentos à distância, ainda que para alguns procedimentos seja exigida a presença de um profissional de saúde em cada ponta, podem contar também com equipamentos portáteis cada vez mais sofisticados, facilitando a realização de exames em domicílio, em áreas remotas ou em pequenos postos de atendimento.
Na análise de Cesar Nomura, vice-presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), a regulamentação não veio para impedir ou cercear a expansão da telessaúde, mas para priorizar a qualidade e evitar uma corrida pelo lucro. “É crucial ter discussões sobre questões como o nível de equipamentos, soluções e requisitos mínimos, pois trata-se de uma área que vai impactar vidas, diagnósticos, condutas e mudanças de tratamento. Portanto, deve ser feito com muito cuidado”, expõe.
Outra área relevante é a dos dispositivos utilizados na telessaúde, pois muitos deles não são homologados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ou pela Anvisa. Para Nomura, é importante encontrar formas de agilizar a implementação de novas tecnologias de monitorização de pacientes sem prejudicar a qualidade e a segurança.
Panorama Jurídico
Teresa Gutierrez, advogada da Machado Nunes Advogados, lembra que a telerradiologia e a telepatologia sempre tiveram regulamentação própria, sendo uma prática consolidada (Resolução CFM 2.107/2014 e Resolução CFM 2.264/2019, respectivamente). Para essas áreas, o impacto da Lei de Telessaúde é pouco, pois continua vigorando a regulamentação existente.
No entanto, para a teleconsulta, Teresa faz questão de destacar que o Conselho Federal de Medicina (CFM) impôs ao menos duas restrições não previstas na Lei da Telessaúde: obrigação de consulta presencial em intervalos de até 180 dias para pacientes crônicos ou que requeiram acompanhamento por longo tempo; e obrigação de acompanhamento com consulta médica presencial, independentemente do pedido do paciente. “Essas limitações não são autorizadas por lei, ressalvada a hipótese de o CFM demonstrar que efetivamente tem um dano para o paciente utilizar a teleconsulta. É o princípio da precaução, ou seja, uma vez conhecido o dano, são impostas limitações à prática.”
Sobre multas para não cumprimento de determinados pontos, a advogada conta que, antes da existência da lei propriamente dita, a falta de cumprimento de certos requisitos resultaria apenas em uma infração ética. Os responsáveis técnicos por unidades de saúde que realizam atendimento à distância respondem por elas. A penalização ocorre quando há um processo no conselho profissional; a punição pode incluir uma advertência ou até mesmo a cassação do registro, mas não há multa para infrações éticas médicas.
Quando falamos da Lei de Telessaúde, a questão pode acarretar uma infração sanitária. Nesse caso, o estabelecimento pode sofrer as penalidades previstas pelo código sanitário de cada estado, por exemplo, advertência, multa ou interdição. “No entanto, a interdição por atendimento à distância é improvável, pois não causa grande dano ao paciente. As penalidades podem ser impostas por descumprimento das normas do conselho médico ou de um parecer deste conselho”, explica Teresa.
Por sua vez, o presidente do Conselho de Administração da Abramed, Wilson Shcolnik, chama atenção para os desafios financeiros e de infraestrutura ligados a essas tecnologias avançadas. É importante que os profissionais de saúde estejam capacitados para lidar com elas e sejam capazes de interpretá-las e utilizá-las de maneira eficaz, sempre com foco no bem-estar dos pacientes.
Segundo ele, ponto relevante quando se fala de tecnologia digital é a interoperabilidade dos sistemas para garantir que as informações sejam compartilhadas de maneira eficiente. “A interoperabilidade é importante para a telessaúde, pois permite que os sistemas possam se comunicar e compartilhar informações de maneira efetiva. Isso garante que prestadores de serviços de saúde, operadoras e instituições possam trabalhar juntos e compartilhar dados importantes sobre o paciente, o que é fundamental para o cuidado de saúde e para a gestão de recursos”, expõe.
Vale salientar que a telessaúde não deve ser vista como uma substituição aos cuidados presenciais, mas sim como uma ferramenta complementar para melhorar o acesso e a eficiência dos serviços de saúde.