A medicina não pode mais negligenciar a gestão e a eficiência econômica

A medicina não pode mais negligenciar a gestão e a eficiência econômica

Por Alberto Duarte*

É inegável que a medicina contemporânea se depara com desafios complexos, sobretudo quando nos debruçamos sobre o intricado cruzamento entre diagnóstico, gestão e a sustentabilidade de nosso sistema de saúde. Como profissional imerso nesse cenário, percebo que é hora de uma reflexão profunda sobre como podemos promover mudanças positivas, levando em consideração o papel da medicina diagnóstica, pois se sabe que cerca de 70% das decisões médicas se baseiam em resultados de exames laboratoriais.

Quando pensamos em laboratórios e exames de imagem, inevitavelmente, estamos falando de elementos fundamentais na jornada diagnóstica do paciente. Contudo, aprimorar esses ambientes não deve se limitar apenas à sofisticação tecnológica, mas também à consciência de que a busca por diagnósticos precisos deve ser equilibrada com a responsabilidade de evitar exames desnecessários, que não apenas encarecem o processo, mas também expõem o paciente a procedimentos invasivos sem razão clínica.

Ao longo de minha trajetória, tive a oportunidade de liderar iniciativas voltadas para o uso racional do laboratório em um hospital público. Esta experiência ressaltou a importância de conscientizar os médicos sobre a necessidade de solicitar exames de forma ponderada. Alguns deles pecam pelo excesso por receio de serem acusados de negligentes.

Então, criamos algoritmos que indicavam quando e com que frequência determinados exames deveriam ser realizados, evitando excessos e reduzindo a sobrecarga econômica nos serviços de saúde. Esse é o tipo de movimento que contribui para o equilíbrio na cadeia de saúde, que envolve o médico, o paciente e a operadora de saúde.

Entretanto, a responsabilidade não recai apenas sobre os ombros dos médicos. A gestão, muitas vezes negligenciada nos currículos médicos, deve ser incorporada de maneira mais significativa na jornada de aprendizado. Durante minha presidência no conselho do Instituto Central do Hospital das Clínicas, percebi a complexidade que surge quando profissionais, muitas vezes não treinados em gestão, são encarregados de administrar serviços médicos.

A gestão eficaz não é apenas uma habilidade administrativa, mas uma ferramenta essencial para otimizar recursos, escolher opções terapêuticas mais acessíveis e, consequentemente, oferecer um atendimento de qualidade sem exorbitantes custos. No entanto, essa perspectiva de gestão não é amplamente ensinada nas faculdades de medicina, fazendo com que o médico nem sempre esteja apto a tomar decisões eficientes no âmbito financeiro.

Além disso, é importante abordar a assimetria na qualidade do ensino de medicina entre diferentes regiões. A padronização e a normatização nos currículos médicos são imperativos para garantir que todas as faculdades do país formem profissionais aptos a atuar em diversos cenários. Não podemos aceitar faculdades que não ofereçam oportunidades adequadas de prática clínica e residência, afinal, a experiência é crucial para o desenvolvimento de habilidades médicas. Há avanços na conscientização sobre essas questões, mas ainda há muito a ser feito para melhorar o sistema de saúde como um todo.

Nesse contexto de transformações necessárias, a inteligência artificial emerge como uma aliada promissora. A capacidade de reunir e analisar dados de forma rápida e precisa pode ser aproveitada para orientar os médicos na tomada de decisões mais embasadas. Algoritmos podem indicar a necessidade real de determinados exames, evitando solicitações desnecessárias e contribuindo para a racionalização dos recursos.

A Abramed, como representante das empresas de medicina diagnóstica, não tem como normatizar esse tema, mas pode, como vem fazendo, promover a racionalização através da conscientização da cadeia de saúde sobre a importância dessa questão e suas consequências. Dessa forma, a entidade visa a proteger seus associados, evitando glosas e o mau uso da prática médica.

Portanto, o futuro da medicina, na minha visão, depende da sinergia entre conscientização, gestão eficaz e incorporação de tecnologias inovadoras. A inteligência artificial não vai substituir o profissional, mas é uma ferramenta valiosa para orientar práticas mais conscientes e eficientes. As associações médicas, as instituições de ensino e os próprios profissionais têm um papel crucial na promoção dessas mudanças.

Como atuante na área, reafirmo que a medicina não pode mais negligenciar a gestão e a eficiência econômica. A busca incessante pelo que é mais recente e saliente na mídia nem sempre se traduz no melhor para o paciente. É chegada a hora de um realinhamento na formação médica, incorporando uma visão mais holística que compreenda a importância da gestão, da responsabilidade financeira e do uso consciente da tecnologia em prol de um sistema de saúde sustentável e de qualidade.

*Alberto Duarte – Graduado em Medicina pela Universidade de Pernambuco, com doutorado em Nefrologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e aperfeiçoamento em Imunologia pela Harvard Medical School. Conquistou livre-docência na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em 1983, e implantou o serviço de Imunologia Clínica do Hospital das Clínicas, além de ser responsável pela criação do Laboratório de Investigação Médica também nessa faculdade. Entre 2011 e 2013, foi Diretor do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, e entre 2012 e 2023 foi Professor Titular de Patologia da FMUSP e Diretor do Laboratório Central do Hospital das Clínicas da FMUSP.  Recebeu o Prêmio Dr. Luiz Gastão Rosenfeld de 2023, homenagem criada pela Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed).

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