* Por Marcelo B. G. Funari
Julho de 2019
A estrutura hospitalar é complexa e multidisciplinar. Ela consolida, em um único ambiente físico, muitas das transformações que são vividas no cenário da saúde. Diferentemente do que muitos imaginam, quando falamos em medicina diagnóstica – segmento de extrema relevância dentro dos hospitais –, estamos nos referindo a uma área composta por diversas especialidades médicas.
Dentro da expressão “médico diagnosticista” estão incluídos patologistas clínicos (responsáveis pelos exames laboratoriais), radiologistas (responsáveis pelos exames de imagem obtidos por raio-X, ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética), médicos nucleares (responsáveis pelos exames de PET-CT e cintilografias), endoscopistas e outros médicos que, oriundos de diversas especialidades clínicas, passaram a se dedicar a exames diagnósticos dentro de suas áreas de atuação, como eletrocardiograma, eletroneuromiografia, estudo do sono e ecocardiografia, entre outros.
Todo o conhecimento gerado dentro desse setor contribui de forma direta para o diagnóstico e, por consequência, para a definição do melhor tratamento em cada caso.
Porém, o papel do médico diagnosticista – que desde sempre foi altamente indispensável na medicina – vem mudando em alta velocidade. Se há algum tempo esse profissional era coadjuvante, atuando na execução de exames solicitados pela prática clínica, hoje ele assume posição de maior protagonismo, principalmente dentro da estrutura hospitalar.
Isso ocorre, em primeiro lugar, pela importância dos métodos diagnósticos na saúde e qualidade de vida da população moderna. Hoje exames são obrigatoriamente (ou quase obrigatoriamente) indicados em praticamente todo cenário clínico minimamente complexo. Esse fato, por si só, já é responsável por ampliar as necessidades logísticas dentro dos hospitais devido à intensa movimentação dos pacientes entre espera, consultório e salas de exames.
Esse é um cenário crítico no ambiente hospitalar, onde o espaço deve sempre ser compartilhado com as demais exigências da unidade e no qual os serviços diagnósticos funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, atendendo tanto às urgências dos pacientes internados como as demandas do pronto-socorro. Somado a isso, todos os procedimentos diagnósticos exigem controle de qualidade e segurança, o que traz para esse ambiente uma série de outros profissionais como físicos médicos, analistas de qualidade e analistas de dados que monitoram toda essa complexa operação.
Outro fator de extrema relevância está na liderança da medicina diagnóstica mediante a transformação digital, inclusive no ambiente hospitalar. Hoje, com o avanço da tecnologia e a medicina entrando na era do big data e da inteligência artificial, esses profissionais se viram impactados por uma quantidade cada vez mais expressiva de dados provenientes dos cerca de 2 bilhões[1] de exames realizados anualmente no país. Esses exames, ao lado de sistemas de monitoramento e prontuários eletrônicos, consolidam-se como as principais fontes de informação em saúde levantadas diariamente pelas unidades de atendimento. Uma sequência moderna de genoma, por exemplo, é capaz de gerar até 1 terabyte[2] de dados brutos por dia.
Ainda dentro dessa transformação, porém do ponto de vista do paciente, não podemos ignorar a mudança de cultura proposta pela profusão de aplicativos que facilitam o agendamento de procedimentos e o acesso aos resultados desses exames, o que torna cada vez mais obsoleta a prática de retirar os laudos e levar para avaliação dos médicos. Dentro do ambiente hospitalar, muitos exames já têm seus laudos inseridos diretamente no prontuário eletrônico do paciente, que tende – em um futuro próximo – a se tornar a única fonte de informações.
Os impactos dessa transformação tecnológica são sentidos na pele todos os dias por quem atua no segmento de medicina diagnóstica. Com as informações extraídas dos exames sendo cada vez mais abundantes e complexas, torna-se mais difícil fazer caber todo esse montante de dados em único laudo. Assim, esse médico diagnosticista acaba por se tornar uma espécie de consultor dos médicos clínicos, sendo responsável por consolidar todas essas informações correlacionando-as com os sintomas dos pacientes e, em conjunto com a equipe, formular as melhores hipóteses diagnósticas bem como possibilidades de tratamentos para cada caso.
Esse panorama é particularmente premente dentro da estrutura hospitalar, onde diagnosticista e clínico já dividem o mesmo espaço físico. Hoje os bons hospitais promovem reuniões clínicas periódicas em diversas especialidades médicas para debater casos. Nessas reuniões, o médico diagnosticista é figura obrigatória.
Ultrapassando o ambiente de atendimento, a ampliação do papel do diagnosticista na saúde chega ao ensino e à academia. Algumas faculdades de medicina já incluíram em seu corpo docente médicos radiologistas para ministrar aulas de anatomia. Com a melhoria significativa da qualidade dos exames de imagem que revelam os mais ínfimos detalhes da anatomia humana, o médico radiologista vem se tornando o profissional com melhor conhecimento, substituindo, em sala de aula, a figura do professor de anatomia tradicional.
* Marcelo B. G Funari é diretor do departamento de imagem do Hospital Israelita Albert Einstein e membro da Câmara de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Abramed.
[1] Painel Abramed – O DNA do Diagnóstico
[2] HIMSS – Good Informatics Practices (GIP) Module: Data Management