Cumprimento da norma garante efetividade aos programas de compliance
11 de maio de 2021
A ética é um dos pilares mais
importantes dentro dos serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados. Mas
ao mesmo tempo em que é vital para a população, o setor de saúde é uma área onde também
podem ocorrer conflitos de interesse.
Para tanto, é necessário que as empresas deste
segmento atuem em conformidade com leis e regulamentos, dando
mais transparência na gestão, nas relações e, com isso, trazendo mais qualidade
e segurança aos pacientes.
O Brasil é signatário da Convenção
das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pela ONU em 2003, em que ficou
consignado que os participantes deveriam implantar medidas para dar mais
efetividade ao combate à prática corrupta em seu território ou em outras
nações.
Os escândalos e a prisão de grandes
executivos na última década, aliados à pressão popular, fizeram com que fosse
aprovada a lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.
Conhecida como Lei Anticorrupção, em vigor desde 29 de janeiro de 2014, a
norma trata da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas
pela prática de atos de corrupção contra a administração pública, nacional ou
estrangeira, encerrando a regra tradicional de responsabilidade subjetiva, e atende
ao pacto internacional firmado pelo Brasil. O objetivo é coibir a atuação de organizações
em esquemas de corrupção e, assim, evitar que grandes prejuízos sejam causados
aos cofres públicos.
“Nossa Lei Anticorrupção
demorou para ser sancionada se compararmos com outras legislações, como, por
exemplo: a lei anticorrupção dos Estado Unidos, sancionada em 1977 (Foreign Corrupt Practices Act), e a lei
do Reino Unido (UK Bribery Act), de 2010.
De todo modo, o benefício da tardia aplicação é poder aprender e implementar de
forma mais célere grandes mudanças que outros países já promoveram no passado, evitando-se
repetir os mesmos equívocos, visando, sobretudo, a conscientização da sociedade”,
explica Leandro
César dos Santos, coordenador da área Corporate do Escritório Machado Nunes
Advogados e membro do Comitê de Governança, Ética e Compliance (GEC) da
Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed).
Até 2019, o
Brasil ocupava a 75ª posição no ranking mundial de corrupção percebida, sendo
que o custo médio anual suportado pelos cofres em razão disto era de cerca de R$
41,5 bilhões.
“De 2014 para
cá, conseguimos enxergar um avanço significativo acerca da conscientização
geral da sociedade e, em especial, no mundo dos negócios. Basta pensarmos que
hoje é quase que impraticável fazer negócios com empresas que não possuem
programas de compliance e/ou não
queiram observar as normas de conduta dos players em que prestarão seus
serviços. As cláusulas de boas práticas e compliance
tornaram-se corriqueiras nos contratos empresariais em geral, pois evitar a
corrupção tem se mostrado mandatório pelas organizações”, esclarece Santos.
Regulamentada pelo decreto
federal nº 8.420/2015, a
mencionada lei tipifica diversas condutas lesivas que podem vir a ser
praticadas pelas instituições e prevê, por exemplo, a aplicação de multa administrativa de
até 20% do faturamento bruto anual da empresa (caso o valor não seja mensurado,
o limite da multa é de R$ 60 milhões).
Uma
inovação trazida pela norma foi a previsão do acordo de leniência – instrumento
que facilita a recuperação de prejuízos causados aos cofres públicos, pois
permite redução da multa caso a empresa admita sua participação no ilícito, coopere
efetivamente com as investigações no processo administrativo e atue para
ressarcir os danos causados.
Além da
responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, que desconsidera a necessidade de
dolo ou culpa por parte do agente, para aplicação das sanções e penalidades
previstas, a Lei Anticorrupção pune individualmente seus dirigentes ou
administradores, não excluindo ainda qualquer pessoa natural, autora, coautora
ou partícipe de ato ilícito. E sequer será necessário que o funcionário aceite
vantagens para que o caso de corrupção seja caracterizado. Ou mesmo que a
vantagem seja de caráter econômico ou financeiro.
“Com isso, as
estruturas de compliance das organizações deverão atuar de forma efetiva
e preventiva, sem perder de vista a atualização necessária de tempos em tempos.
Um programa de compliance que não se
atualiza pode perder parte de sua efetividade, afinal, as instituições são
orgânicas e estão sujeitas à mudança de seu modus
operandi a todo o momento”, ressalta Santos.
Evolução e efetividade
A Lei
anticorrupção é considerada um dos maiores marcos do compliance no setor
da saúde no país e trouxe avanços importantes para os mecanismos de
cumprimento dos atos, regimentos, normas e leis estabelecidos interna e
externamente e para a integridade do ambiente empresarial, como um todo.
“A
norma é a esperança de mais integridade nas instituições de
saúde e possibilidade delas adotarem uma postura no sentido de aperfeiçoar
a gestão e garantir uma relação íntegra com todos os públicos envolvidos: colaboradores,
fornecedores, clientes e representantes”, destaca Arthur Ferreira, diretor-executivo do
Instituto de Análises Clínicas de Santos (IACS) e membro do GEC da Abramed.
Para tanto, Ferreira
afirma que é fundamental implementar um programa de compliance efetivo,
com uma
visão crítica e isenta, que entenda às necessidades e que melhor se adequa à
realidade da empresa e das suas relações.
A própria
lei 12.846/2013 não trata com profundidade da atividade de compliance,
isso é feito pelo decreto 8.420/2015. Ele determina que as organizações
implementem um programa de conformidade que estabeleça códigos de conduta
ética, políticas e procedimentos de integridade, que devem ser
estendidos a todos os integrantes da empresa, desde a alta
administração até os colaboradores, independentemente do cargo exercido.
“Fato é
que as instituições se tornaram as principais responsáveis por
evitar, controlar e remediar, inclusive com punição, os atos antiéticos e
de corrupção internamente”, garante Ferreira.
Nesse sentido, os profissionais
de compliance adquiriram importância estratégica de zelar pelo
compromisso com a conformidade às leis e à ética. Por isso, é fundamental divulgar
a Lei Anticorrupção e seu decreto regulador entre todos os funcionários,
colaboradores e parceiros da empresa, deixando claro sua intolerância ao descumprimento
de regras de Código de Conduta, Políticas e Procedimentos do grupo empresarial.
“Todos esses pilares podem mitigar
os riscos de sanções da norma, mas será necessário investir recursos na
capacitação de seu público interno e externo”, lembra o diretor-executivo do
IACS.
As organizações
ainda devem criar canais de denúncia, estimulando colaboradores, parceiros,
fornecedores e pacientes a informar, sigilosamente, procedimentos que
contrariem normas da organização; e uma área de gestão de riscos específicos
para identificar as atividades mais suscetíveis e as pessoas mais expostas a
prováveis práticas ilegais, disponibilizando material educativo, a fim de
manter mecanismos de prevenção adequados.
“É importante relembrar que mais
do que ter um programa de compliance
no papel, o efetivo cumprimento e a disseminação do programa é que farão a
diferença no mercado. Felizmente, o sucesso de uma empresa nos dias de hoje
está diretamente atrelado às suas boas práticas e quão ética é sua postura com os
demais stakeholders”, garante Leandro César dos Santos.