Os players precisam trabalhar em conjunto com a mesma quantidade de dados, olhando para o paciente de forma igualitária
Para uma gestão corporativa de saúde eficiente, dois pontos são fundamentais: integração entre os players do setor, inclusive interoperabilidade, e remuneração baseada em valor, na busca por eliminar os desperdícios. Essas questões acompanham as mudanças pelas quais o sistema de saúde vem passando, principalmente após a pandemia de covid-19.
Atualmente, muitas das empresas da área da saúde tem capital aberto na bolsa ou estão buscando destaque no mercado financeiro, necessitando apresentar resultados positivos e em períodos mais curtos de, no máximo, um ano, caso, contrário, suas lideranças podem ser trocadas. Na verdade, estas lideranças são contratadas sabendo do foco em resultados e até por este motivo, muitos são oriundos do mercado financeiro, não na área de saúde.
A questão delicada é que, além de oferecer saúde, é preciso ser sustentável para dar retorno aos acionistas. “Não há nada errado em empresas entrarem no mercado visando ao lucro, mas é preciso fazer o outro lado, ou seja, a operação técnica. Afinal, o objetivo não é meramente financeiro”, expõe Claudio Tafla, presidente da Aliança para a Saúde Populacional (ASAP).
Pelo lado dos pacientes, Milva Pagano, diretora-executiva da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), ressalta que hoje as pessoas estão mais conscientes da responsabilidade sobre a própria saúde, buscando saber mais. Questões ligadas ao autocuidado não eram nem conhecidas há alguns anos. Ainda, vale lembrar que a gestão de saúde se faz com três pilares básicos: alimentação saudável, atividade física e consciência sanitária. Por si só, o sistema não tem o poder de mudar o perfil da pessoa; a motivação precisa vir dela, mas as empresas devem estar preparadas para lidar com isso.
Outra mudança relevante no sistema de saúde é a prevalência de planos coletivos empresariais ou coletivos por adesão, enquanto, no passado, os planos para pessoas físicas detinham a maior quantidade. “Com isso, há uma pressão ainda maior das empresas contratantes das operadoras de planos de saúde nos dois sentidos: menores reajustes anuais das mensalidades, porém com incremento e foco na saúde dos colaboradores para que diminuam absenteísmo e presenteísmo em curto, médio e longo prazos, aumentando sua produtividade”, comenta Tafla.
Por conta disso, a gestão da saúde passou a ser impulsionada pelas empresas contratantes/empregadoras e o termo gestão de saúde corporativa ganhou força, como observa Milva, citando a sinistralidade e a polarização entre operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços de saúde, que levam à eterna discussão sobre demanda X necessidade e as consequentes glosas. “E aqui entra o valor efetivamente do serviço que está sendo prestado, não o aspecto da quantidade, mas o da qualidade. Tirando as distorções do mercado, quando olhamos para a integração da cadeia e uma gestão mais eficiente, com o paciente no centro, conseguimos pensar mais na efetividade do cuidado, no uso do recurso certo na hora certa, conforme a necessidade real”, diz.
Essa questão se liga ao desperdício em saúde, como mostram vários estudos quantitativos e qualitativos sobre o tema. Em 2005, a Universidade de Boston identificou que 50% do que era investido acabava desperdiçado. Esse mesmo estudo, em 2009, revelou que o valor caiu para 30%. Atualmente, no Brasil, segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), 20% do valor investido em saúde é desperdiçado. “Hoje, são investidos R$ 600 bilhões em saúde, se esses 20% fossem reinvestidos em ações eficientes, seriam mais de R$ 120 bilhões para melhorar o sistema, o que traria menos tensão a questões como má remuneração de prestadores, falta de recursos e judicialização na saúde”, acrescenta Tafla.
No entanto, vale lembrar que não basta colocar mais recursos no sistema de saúde se ele é mal gerido, porque isso só aumentaria a ineficiência e o desperdício. Primeiramente, é necessário melhorar a gestão para então começar a aportar recursos e “cortar pelas beiradas” o que é preciso cortar. “É um conjunto de ações que passa pela efetiva integração da cadeia. Quanto mais integração, mais efetividade e menos desperdícios”, complementa Milva.
Faz parte desse conjunto de ações a mudança do modelo de remuneração. “Precisamos equilibrar o acesso à saúde com modelos acordados entre todos os atores do sistema e realizáveis na prática. Assim, traremos todos para o mesmo lado e foco no melhor desfecho para o usuário, porque o sistema está fragmentado devido a um modelo de remuneração onde cada um busca o melhor resultado para si, e isso, com certeza, não traz eficiência para o sistema”, explica Tafla.
“Se houvesse um modelo de remuneração que convidasse a medicina diagnóstica a fazer uma melhor gestão das solicitações de exames pelos profissionais de saúde, seria possível criar uma consultoria/auditoria/curadoria dos pedidos, permitindo ao médico avaliar a própria solicitação, inclusive com base no histórico e no prontuário do paciente”, argumenta Tafla. “O modelo de remuneração vai forçar uma integração e vice-versa, os dois caminham juntos”, adiciona Milva.
Os players precisam trabalhar em conjunto utilizando a mesma quantidade de dados e informações, olhando para o paciente com visão igualitária. “O médico que está examinando o indivíduo tem determinado olhar para ele; a operadora tem outro olhar; e a medicina diagnóstica tem um terceiro. Como eles não têm os mesmos dados, a discussão se torna inócua, não se chega a um ponto em comum. Se todos os players tiverem a responsabilidade de atuar com eficiência, conseguiremos trazer todos para o melhor cenário”, analisa Tafla.
Importante reconhecer que prevenção e promoção da saúde são básicas para a gestão de saúde, mas é preciso encontrar recursos e fornecer acesso para entregar a todas as populações, de forma igualitária, tudo aquilo que é possível entregar. “Não podemos utilizar tecnologias muito avançadas para analisar o genoma, por exemplo, e não dar acesso a medicamentos e tratamentos básicos a pacientes já diagnosticados. Acredito que não podemos fechar os olhos para esse desequilíbrio em termos de saúde populacional”, diz Tafla.
O presidente da ASAP defende um sistema de saúde mais consistente, mesmo que caminhe devagar. “Ganhos que acabam trazendo repercussões negativas dão passos para trás na evolução do sistema de saúde. Temos de ser pró-inovação, pró-desenvolvimento, pró-pesquisa, mas com eficiência e responsabilidade.”
A melhor forma de tomar decisões é reunir todos os envolvidos no setor da saúde e debater se um ganho individual pode ser benéfico para todos. Dessa forma, as informações serão combinadas para alcançar resultados mais satisfatórios. É preciso buscar cases de sucesso e investir em pilotos de mudança que ajudem a trilhar esse caminho juntos, para gerar eficiência.
A medicina diagnóstica, com seus recursos de dados, qualidade e informações técnicas, pode ajudar a melhorar a seleção de exames, as prescrições e as indicações médicas no sistema de saúde. “É importante que as empresas sejam adequadamente recompensadas por isso. Ao realizar menos exames, é possível obter resultados mais precisos e precoces, contribuindo para a melhora do tratamento do paciente. Essa economia também gera beneficiários melhores, por isso, essa questão precisa ser considerada”, declara Tafla. Para os entrevistados, o foco na sustentabilidade é fundamental para o equilíbrio do sistema. A ideia agora é que haja avanços na integração entre os diversos atores da cadeia de saúde e que a transformação comece desde já. Abramed e ASAP, por exemplo, já estão articulando essa união de esforços em prol do setor.