Empresas precisam estar atentas aos procedimentos de dispensa de licitação e ao realizar doações para evitar questionamentos futuros
5 de junho de 2020
A pandemia do
novo coronavírus trouxe um cenário nunca visto para empresas no mundo todo.
Considerando os crescentes desafios, as organizações estão tendo que tomar
decisões extraordinárias e emergenciais para assegurar a continuidade dos
negócios. Nesse cenário, o compliance não pode ser deixado de lado e é preciso
estar alerta e reforçar certas medidas para mitigar riscos legais e
reputacionais após a crise, especialmente quando se trata de interação com
agentes públicos.
Diante da
crise sanitária que afetou vários países em decorrência da infecção pelo novo
coronavírus, após a Organização Mundial da
Saúde (OMS) ter declarado, em 30 de janeiro, Emergência de Saúde Pública de
Importância Internacional, foi aprovada a lei n° 13.979, de 6 de fevereiro, válida
enquanto vigorar a emergência em saúde.
A norma traz
as medidas de combate à Covid-19 e seus efeitos, como isolamento social,
quarentena, procedimentos compulsórios; dispensa de licitação pública, flexibilizando
as regras para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao
enfrentamento da pandemia; requerimentos administrativos; e notificação
obrigatória.
Para Walquiria
Favero, superintendente jurídica e de Compliance da Dasa e membro do Comitê de
Governança, Ética e Compliance (GEC) da Associação Brasileira de Medicina
Diagnóstica (Abramed), apesar da previsão de dispensa de licitação nas
contratações públicas pela nova lei, é importante que as empresas associadas à
Abramed observem o regulamento federal do chamamento público e, nas compras
estaduais e municipais, tenham a cautela de seguir os cuidados que se cercam nesses
procedimentos, pois pode variar de Estado para Estado, a fim de se evitar
futuros questionamentos.
“Estamos
vivendo um regime de exceção, de um período temporário na economia. Nesse
momento, é preciso estar ainda mais atento aos requisitos na lei, sendo eles: i)
a ocorrência de situação de emergência; ii) a necessidade de pronto atendimento
da situação de emergência; iii) a existência de risco à segurança de pessoas,
obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou
particulares; e, por fim, iv) a limitação
da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência – lembrando
que os procedimentos serão observados, auditados
e controlados pelos órgãos de controle como Tribunais de Contas e pelo
Ministério Público”, explica.
No que diz
respeito à especificidade procedimental de cada Estado brasileiro, interessante
notar a exigência feita pelo Estado do Rio de Janeiro, o qual exige a implementação de programas de compliance de
fornecedores de bens, serviços ou obras, bem como de outras pessoas jurídicas
que também possuem relacionamento com órgãos dos três poderes estaduais.
Por lá, a Controladoria
Geral do Estado (CGE-RJ) vai auditar empresas contratadas sob o regime de
emergência durante a pandemia de Covid-19 para assegurar a implantação
eficiente do Programa de Integridade (compliance). Assim, essas instituições terão
até 180 dias, a partir da data de celebração do contrato, para comprovarem a
implantação de seus programas de compliance. O objetivo é proteger a
administração pública estadual carioca de eventuais atos lesivos – causados por
irregularidades, desvios de ética e de conduta e fraudes contratuais – assim
como garantir a conformidade da lei nº 7.753/2017, que instituiu o Programa de
Integridade para os que firmarem contratos com a administração pública estadual
com valores superiores a R$ 650 mil para compras e serviços e R$ 1,5 milhão
para obras e serviços de engenharia, com prazo igual ou superior a seis meses.
Importante
lembrar, também, que outros Estados já exigem a obrigatoriedade do Programa de
Integridade para contratar com a administração pública, como, por exemplo, Espírito
Santo (lei nº 10.793/2017), Amazonas (lei nº 4.370/2018), Rio Grande do Sul (lei
nº 15.228/2018), Goiás (lei nº 20.489/2019) e o Distrito Federal (lei distrital
nº 6.112/2018).
Walquiria comenta que a
prevenção por meio da análise de com quem se faz negócios e como se faz
negócios supera qualquer circunstância atípica, visto que os órgãos
fiscalizadores não se inibirão em aplicar as sanções legais, ainda que
irregularidades sejam cometidas em períodos de calamidade pública. Pelo
contrário: o afrouxamento das regras que balizam contratações e licitações
exigirá das empresas maior esforço e foco na prevenção e detecção dos eventuais
riscos que serão assumidos por meio das novas parcerias de negócio. “O
prosseguimento de determinadas diligências será essencial para que, aos olhos
das entidades sancionadoras, a pressa não se confunda com imprudência”, alerta.
Por isso, sugere que sejam adotadas medidas preventivas à realização
de reuniões, ainda que virtuais com tais
entes públicos, como, por exemplo: a manutenção de agendamento;
disponibilização de pautas prévias; e a participação, como boa prática, de ao
menos dois funcionários da empresa. Além do mais, o gerenciamento do contrato
nestas condições deverá perdurar apenas para o período de emergência.
Nesse
sentido, o relacionamento com a administração pública deve continuar sendo
feito por escrito (via e-mails), seguindo as melhores práticas e com a maior
clareza possível sobre o intuito da comunicação. O momento de urgência e a
necessidade de rápida comunicação podem levar à falta de atenção quanto à
comunicação escrita – é vital que isso seja monitorado na interação com agentes
públicos para evitar escrita que possa gerar interpretações dúbias e/ou
questionamentos.
Novas
regras para doações
Outro
alerta feito pela superintendente jurídica e Compliance da Dasa às empresas
associadas à Abramed refere-se às doações feitas a órgãos e entidades da
administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Justamente para estimular e ampliar as formas
de doações da sociedade e de empresas para reforçar o combate à pandemia, o
governo federal publicou o decreto n° 10.314/2020, de 7 de abril, permitindo a
administração pública federal receber doações com ou sem ônus ou encargos de
bem, serviço ou tecnologia. Assim, o governo pode assumir a contrapartida para
o recebimento do donativo desde que não envolva compensação financeira. O
normativo altera o decreto nº 9.764/2019, que permitia a realização de doações
por qualquer pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, em situação
regular no país, porém, sem qualquer ônus ou encargos para o governo.
As doações devem ser feitas na
plataforma digital Reuse, do governo federal, por meio do chamamento público ou de manifestação
de interesse. Na primeira opção, quando a administração pública abre um edital
expondo o objeto e as especificações da doação que tem interesse em receber,
não se pode gerar qualquer ônus ou encargo para ela e a gestão dos editais da
divulgação fica a cargo da Central de Compras do Ministério da Economia.
No novo
sistema, não há previsão de doação com encargos via chamamento público. Walquiria
Favero afirma ser esta uma decisão acertada por não ser razoável, sob a
perspectiva do gestor público, fixar de antemão os encargos vinculados à doação
almejada, tendo em vista que sempre há a possibilidade (ainda que teórica) de
recebimento dessa contribuição sem encargos (ou com encargos menos gravosos). “Assim,
cabe ao interessado no chamamento público avaliar se proporá uma doação com
encargos e quais serão eles, se essa for a abordagem escolhida pelo proponente”,
explica.
Já na manifestação de interesse, que inclui doações com ou
sem ônus para o governo, o usuário deve se cadastrar também no portal Reuse,
informar sobre o produto ou serviço, anexar fotos e indicar se a doação é para
um órgão específico. Ao finalizar, a oferta será analisada pela Central de
Compras do Ministério da Economia. Concluída a avaliação, o anúncio será
publicado automaticamente pela plataforma digital do governo e ficará
disponível durante dez dias. Nesse prazo, cabe ao donatário aceitar, ou não, a
doação. Se tiver optado por não indicar donatários, quaisquer entidades ou
órgãos interessados podem se candidatar a receber a contribuição.
Proibições
Uma das proibições está na vedação ao recebimento de doações que gerem
obrigações futuras de contratação direta do particular para fornecimento de
bens, insumos e peças de marca exclusiva ou de serviços por inexigibilidade de
licitação. “Essa proibição visa evitar que a doação direcione contratações
futuras do governo em favor do doador, o que artificialmente criaria uma
situação de inviabilidade de competição e a subversão do dever de licitar”, explica
Walquiria.
Outra regra
relevante é a proibição de recebimento de doações capazes de gerar despesas
adicionais ao governo federal, tais como gastos decorrentes de sua
responsabilização subsidiária, recuperação de bens ou outras circunstâncias que
tornem a doação antieconômica. Essa mesma lógica se verifica em outra regra
introduzida pelo atual decreto: a vedação ao recebimento de doações com
encargos desproporcionais ao bem ou serviço oferecido a tal ponto que ela se
torne desvantajosa à administração pública.
O decreto
também proíbe a utilização de bens móveis e dos serviços doados
para fins publicitários, na hipótese de haver doação sem encargos. Só é
permitido a mera menção informativa da doação no site do doador e de menção
nominal de quem fez a doação no site do órgão ou do ente donatário da administração
pública.
Para a
superintende jurídica e Compliance da Dasa, com as atualizações efetuadas em
sua redação, o decreto federal nº 9.764/2019 passou a fornecer
instrumentos jurídicos mais abrangentes, seguros e eficientes para coordenar e
executar o combate à pandemia por meio de doações de particulares para a administração
pública federal. “Trata-se de um louvável esforço que, além de atender às
necessidades do país no atual estado de calamidade pública, institui uma
regulação mais moderna, prática e sofisticada”, ressalta.
Walquiria Favero
ainda reforça que as empresas privadas devem adotar medidas
que mitiguem eventuais riscos envolvidos nas doações, em especial os previstos
nas legislações pertinentes, na Lei Anticorrupção (nº 12.846/2013) e nas boas
práticas dos programas de compliance.
Para minimizar riscos
de uso inadequado dos recursos doados, ela sugere que se faça uma verificação
prévia dos órgãos e pessoas envolvidas no processo e não envolva intermediários.
Recomenda o mesmo processo de verificação e nível de cautela nas doações para
organizações não governamentais e entidades do terceiro setor, além de
verificação da regularidade jurídica do histórico reputacional e checagem de
mídia adversa. Para dar mais transparência para o processo, sugere que todos os
documentos relativos à doação sejam arquivados, inclusive a prestação de
contas. “É importante também, antes de doar, se certificar se não há nenhum
conflito de interesses na seleção do ente público que receberá os recursos
doados em função da pandemia”, conclui.