Valor em Saúde: palestrante internacional do 9º FILIS mostra como o diagnóstico pode transformar sistemas pressionados por custos

A palestra do médico patologista clínico e líder em Medicina Diagnóstica, Ivan Mojica, trouxe conhecimentos técnicos e provocações aos participantes do 9º Fórum Internacional de Lideranças da Saúde – FILIS. Reconhecido por liderar projetos de transformação em saúde na América Latina, Mojica deixou claro que o laboratório não pode ser visto apenas como executor de testes, mas como protagonista de eficiência, qualidade e sustentabilidade no Sistema de Saúde.

Segundo ele, 70% das decisões clínicas dependem de exames, mas 97% dos dados produzidos permanecem sem uso. Essa lacuna, afirmou, representa desperdício e uma oportunidade perdida de gerar valor. “Valor é resultado em Saúde alcançado por cada dólar investido”, destacou, ecoando a definição clássica de Michael Porter.

Mojica explicou que o conceito de valor em Saúde só se concretiza quando há eficiência em toda a jornada diagnóstica – da coleta ao impacto clínico. “Estamos perdendo a oportunidade de diagnosticar cedo, o que gera custos maiores e mais sofrimento para o paciente”, alertou.

Entre os obstáculos, citou a escassez de mão de obra qualificada — com déficit global estimado em 10 milhões de profissionais da Saúde até 2030 — e a ineficiência operacional, já que técnicos de laboratório chegam a gastar até 90 minutos por dia em tarefas manuais. Além disso, chamou atenção para a fragmentação: dados dispersos e não estruturados tornam quase impossível extrair inteligência clínica deles, mesmo em organizações avançadas.

Casos práticos: quando o diagnóstico faz diferença

Para exemplificar, Mojica trouxe casos concretos em que a Medicina Diagnóstica transformou o curso clínico e econômico do tratamento. Em pacientes de diálise, por exemplo, mostrou que o déficit de ferro, frequentemente negligenciado, leva à resistência ao uso de eritropoetina (EPO), uma terapia de alto custo. Corrigir o ferro antes da prescrição da EPO revelou-se uma estratégia mais custo-efetiva, capaz de melhorar os níveis de hemoglobina e, ao mesmo tempo, reduzir gastos desnecessários.

Em seguida, apresentou dados preocupantes sobre a doença renal crônica na Colômbia: entre mais de seis milhões de pacientes hipertensos e diabéticos, cerca de quatro milhões não completaram o protocolo diagnóstico — a hipertensão e o diabetes são os principais fatores de risco para doença renal crônica

O resultado é que, a cada ano, surgem mais de 200 mil novos casos, sendo que 57% já chegam em estágios avançados (3, 4 ou 5). Para Mojica, essa falha de detecção precoce facilita a progressão silenciosa da doença e não apenas sobrecarrega os hospitais com internações mais caras, mas compromete também a expectativa e a qualidade de vida da população. 

Por fim, compartilhou um exemplo no manejo do infarto agudo do miocárdio. O uso de troponinas de alta sensibilidade em fluxogramas clínicos permite descartar infarto com valor preditivo negativo de 99% e confirmar casos com valor preditivo positivo de 75%. Ao enviar esses resultados em tempo real diretamente ao médico – até por aplicativos de mensagem – é possível acelerar decisões, reduzir internações desnecessárias e salvar vidas. “O laboratório precisa entregar a informação certa, no momento certo, para apoiar a decisão clínica”, reforçou.

O patologista também projetou as tendências para a próxima década: digitalização, Big Data, inteligência artificial, colaboração público-privada e maior empoderamento do paciente. Segundo ele, essas forças precisam caminhar juntas para garantir equidade de acesso, sustentabilidade e descentralização seletiva dos serviços.

“O diagnóstico é o maior hub de dados clínicos. Se continuarmos a usar apenas uma fração desse potencial, perderemos a chance de transformar a Saúde”, afirmou Mojica.

A visão apresentada dialoga diretamente com os pilares estratégicos da Abramed – interoperabilidade, qualidade, sustentabilidade e valor. Ao mostrar que laboratórios podem e devem liderar a eficiência dos Sistemas de Saúde, Mojica reforçou a mensagem de que o setor de diagnóstico precisa assumir um papel central, unindo tecnologia, dados e protocolos clínicos para entregar resultados consistentes para pacientes e gestores.

Mundo em transformação: clima, envelhecimento e sustentabilidade são pautas de debate no 9º Fórum Internacional de Lideranças em Saúde

Especialistas analisam transição demográfica e mudanças ambientais, reforçando o papel estratégico da Medicina Diagnóstica para o futuro da sociedade

O envelhecimento populacional acelerado e os efeitos crescentes das mudanças climáticas configuram uma combinação que pressiona os sistemas de Saúde no mundo inteiro. A 9ª edição do Fórum Internacional de Lideranças em Saúde (FILIS) reuniu especialistas para discutir como essas duas forças de transformação impõem o desenho de novos paradigmas e estratégias para o setor, ao mesmo tempo em que reforçam o papel da Medicina Diagnóstica como peça-chave para prevenção, sustentabilidade e resiliência social.

O painel com o tema “Do Clima à Saúde: Desafios de um Mundo em Transformação”, contou com a presença de Paulo Saldiva, Médico Patologista, Professor e Pesquisador (FMUSP); Ione Anderson, Associate Partner e Diretora Executiva para Sustentabilidade na EY; e o deputado federal Pedro Westphalen (PP/RS). A moderação foi de Claudia Cohn, Membro do Conselho da Abramed e Diretora de Negócios Dasa e Relações Institucionais, que provocou reflexões sobre como adaptar protocolos médicos diante do envelhecimento acelerado da população, que verá a faixa etária 50+ dobrar até 2050 e o número de pessoas com mais de 90 anos passar de 770 mil para mais de 2,8 milhões em 2050.

O diálogo gerou análises que englobam desde o impacto clínico do envelhecimento até a necessidade de métricas internacionais de sustentabilidade que incorporem a Saúde como eixo central de uma agenda indispensável para o futuro do planeta.

Reescrevendo protocolos e enfrentando riscos

Para Paulo Saldiva, o aumento da longevidade exigirá uma revisão profunda de parâmetros médicos, que hoje não contemplam adequadamente a população de idade mais avançada.

“Estamos envelhecendo rápido e mal preparados. Protocolos médicos precisarão ser reescritos”, alertou Saldiva. “Vamos ter que desenvolver, do ponto de vista da farmacocinética e dos exames laboratoriais, uma nova medicina. O envelhecimento traz vulnerabilidade, inclusive diante de agentes infecciosos, e isso exige estratégias preparadas para a nova realidade”, afirmou.

O médico também chamou atenção para os efeitos das mudanças ambientais, reforçando que eventos climáticos extremos ampliam desigualdades e agravam doenças já presentes, e defendeu que o setor de Saúde precisa dialogar melhor com a sociedade:

“Temos uma quantidade de informações acadêmicas muito importantes, mas é preciso comunicação. Não adianta publicar apenas em ecossistemas especializados. É necessário traduzir esse conhecimento e trabalhar com um viés real de políticas públicas para que possamos, de fato, superar desafios”.

Avançando no tópico da sustentabilidade, Ione Anderson trouxe ao debate a perspectiva global das conferências do clima, lembrando que a Saúde não pode ser tratada à margem das discussões ambientais.

“Na COP28, os países concordaram que é preciso saber medir como estamos nos adaptando ao novo contexto climático. A Saúde, nesse sentido, tem um papel decisivo nas discussões da COP30, porque sem ela não conseguimos dar o próximo passo”, afirmou a Diretora Executiva da EY.

Trazendo sua experiência com projetos da EY, Ione Anderson explicou que a sustentabilidade deve ser tratada como base das estratégias de negócio dentro do panorama socioeconômico atual e não como uma obrigação acessória. 

“Ainda há uma resistência muito grande no mercado e entre as pessoas. É importante deixar claro, nesse sentido, que sustentabilidade não é uma ação à parte, é estratégia. Para tanto, precisamos conectar ESG com Saúde e construir indicadores integrados. E aqui a Medicina Diagnóstica é decisiva, no sentido de auxiliar empresas a mapear vulnerabilidades e a planejar políticas de mitigação de riscos”, explicou a executiva.

Para ela, a COP30 será um marco nesse debate, colocando o Brasil em posição de protagonismo nas definições globais.

Já o deputado federal Pedro Westphalen destacou o papel do Legislativo em criar consensos duradouros, mesmo em um ambiente marcado por disputas.

“Vejo com preocupação as pessoas se afastando da vida pública, mas também observo o surgimento de uma nova geração que compreende a importância do debate. Precisamos de instituições renovadas para dar conta de um cenário social em que desafios como o envelhecimento acelerado da população e as mudanças climáticas são uma realidade”.

Ele ressaltou ainda a necessidade de maior valorização da Medicina Diagnóstica e da integração público-privada na Saúde.

“Políticas de Saúde precisam ser planejadas para a longevidade, e o diagnóstico é a primeira linha dessa preparação, mas, sem uma real integração entre os sistemas público e privado do setor, vamos apenas apagar incêndios em vez de prevenir”, concluiu Westphalen.

Finalizando o painel, Claudia Cohn fez uma provocação sobre o consumo de plásticos, afirmando que a produção global deve saltar de 200 megatoneladas em 1995 para 1.800 em 2050. Diante desse dado alarmante, ela questionou como o setor pode repensar seus pacotes e embalagens para reduzir impactos ambientais, indo além da adoção de novas tecnologias.

A provocação encontrou respostas diretas dos debatedores. Ione Anderson lembrou que ainda há uma grande resistência em associar o impacto do plástico aos benefícios que sua redução traria para o meio ambiente e para a Saúde, e destacou que sustentabilidade pode ser um diferencial estratégico em toda a cadeia.

Já Paulo Saldiva defendeu a criação de indicadores capazes de traduzir o efeito dos poluentes persistentes em desfechos de Saúde e sugeriu um esforço de comunicação nas escolas para modificar atitudes desde cedo. O deputado Pedro Westphalen relacionou o tema às tragédias climáticas recentes e reforçou que cabe ao país fortalecer suas agências reguladoras para transformar essas discussões em políticas públicas consistentes.

Diagnóstico como alicerce da sustentabilidade

O debate demonstrou que, diante de pressões simultâneas do clima e da curva demográfica no Brasil, a sustentabilidade dos Sistemas de Saúde dependerá da capacidade de antecipar riscos e de adotar políticas preventivas. O diagnóstico, ao fornecer dados confiáveis e precoces, posiciona-se como elo estratégico entre ciência, gestão pública e sociedade.

A Medicina Diagnóstica se coloca, assim, não apenas como ferramenta clínica, mas como instrumento de resiliência social. Fomentar essa integração é um dos compromissos da agenda ESG da Abramed, que tem atuado como articuladora entre os players envolvidos nessa temática.

Crise ambiental e Saúde: Paulo Saldiva mostra como o setor pode orientar caminhos diante dos desafios climáticos

Palestrante propõe uma reflexão sobre os desafios da Saúde em tempos de mudanças ambientais.

No 9º Fórum Internacional de Lideranças da Saúde (FILIS), realizado em São Paulo, o médico patologista, professor e pesquisador Paulo Saldiva trouxe uma reflexão contundente sobre os desafios da Saúde em tempos de mudanças ambientais.

Ele destacou que o ato de cuidar, marca da nossa espécie desde o início da civilização, é também o que permitiu à humanidade avançar diante das crises. “Não vencemos pela força física, mas pela capacidade de colaborar, cuidar e educar”, afirmou. Segundo Saldiva, a Educação, a Saúde e a própria experiência das crises históricas moldaram a evolução social e tecnológica, mostrando que os momentos de dificuldade são também motores de inovação.

Ao traçar paralelos entre o corpo humano e o corpo urbano, o pesquisador ressaltou que as cidades, assim como os organismos, adoecem e revelam sintomas claros: poluição, sedentarismo compulsório, obesidade, violência no trânsito e desigualdades no acesso ao cuidado. “Hoje, as cidades estão na mesa de autópsia, e a Saúde tem um papel central em diagnosticar, propor terapêuticas e orientar caminhos de sustentabilidade”, observou.

Nesse cenário, o setor assume um papel que vai além da assistência: torna-se também direcionador de políticas públicas. Isso porque, com base em sua capacidade de produzir diagnósticos e cartografar padrões de adoecimento, é possível oferecer dados para a formulação de medidas que enfrentem os impactos das mudanças ambientais e sociais.

“A Saúde não regula o trânsito nem a indústria, mas pode discutir o sofrimento humano e fazer advocacy de boa-fé. Existe uma generosidade intrínseca em cuidar, e esse cuidado pode nortear governos e gestores”, destacou.

Entre os impactos das mudanças climáticas, ele chamou atenção para dados alarmantes: a cada aumento de cinco graus na temperatura, cresce em cerca de 8% a demanda hospitalar. Esse cenário representa uma perda de aproximadamente 5 bilhões de dólares anuais para o Brasil — um custo que Saldiva diz representar “o imposto que a população paga pelas mudanças climáticas”’.

Além disso, fenômenos como inundações trazem efeitos em cadeia, que vão desde o aumento de infartos até surtos de doenças infecciosas e um crescimento expressivo da demanda por atendimento em saúde mental.

Nesse contexto, o professor reforçou o poder da união entre Saúde e Educação como instrumentos de transformação. Segundo ele, essa parceria é fundamental para induzir mudanças de comportamento — tarefa mais difícil do que o próprio diagnóstico.

O setor já mostrou que isso é possível ao participar ativamente do combate ao cigarro. Da mesma forma, é preciso investir em educação para combater a ignorância. “A ignorância pode ser criativa, mas também pode ser dogmática e opressora. Se a boa informação em saúde promove saúde, a desinformação, por definição, faz o contrário”, alertou.

Saldiva concluiu destacando que a Saúde deve ocupar o centro da agenda pública e institucional, não só como campo de assistência, mas como norteadora de políticas ambientais, urbanas e de bem-estar, e que o setor já demonstra capacidade de superar barreiras tradicionais por meio da cooperação.

“Estamos vendo aqui empresas concorrentes trabalhando juntas, dialogando e trocando informações — e isso não é habitual em outras áreas. Esse talvez seja o maior legado da Saúde: mostrar que é possível avançar coletivamente em prol da vida”, finalizou.