Debate destacou experiências práticas e a convergência público-privada como pilares para ampliar eficiência, qualidade e cuidado centrado no paciente
Uma das principais pautas da 9ª edição do Fórum Internacional de Lideranças em Saúde (FILIS), evento promovido anualmente pela Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica – Abramed (e realizado no último dia 21 de agosto, no Teatro B32, em São Paulo-(SP), a interoperabilidade foi também tema do debate de encerramento do Fórum.
O diálogo que trouxe visões diversas sobre o avanço da transformação digital na saúde contou com a moderação de Ademar Paes Jr., Fundador e CEO da LifesHub, Sócio da Clínica Imagem e Membro do Conselho de Administração da Abramed; e as participações de Ana Estela Haddad, Secretária de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI); Carlos Marinelli, Diretor Presidente da Bradesco Saúde; Cesar Higa Nomura, Diretor de Medicina Diagnóstica do Sírio-Libanês e Presidente do Conselho de Administração da Abramed; e Rafael Lucchesi, CEO da Dasa.
Muitas vezes visto como um desafio tecnológico, os debatedores foram convergentes em reforçar o papel da interoperabilidade como um vetor para a geração de valor real para pacientes, médicos, gestores e profissionais de Saúde em geral, destacando ainda sua importância na integração dos sistemas público e privado de saúde para reduzir desigualdades e construir soluções de escala nacional.
Do conceito à prática: múltiplas visões
Abrindo o debate, Ademar Paes Jr. ressaltou que a interoperabilidade gera múltiplos benefícios e potencializa a função da Medicina Diagnóstica na jornada de cuidado dos pacientes, frisando ainda que a visão sobre o tema deve ir além das discussões sobre custo tecnológico.
“Interoperabilidade não é apenas troca de informação. Cada vez que o dado gerado por um exame é utilizado por mais um profissional, a gente está amortizando o custo desse exame, está gerando valor para o sistema e dando mais segurança para o paciente, mais eficiência e qualidade para a Saúde em geral”, afirmou.
Ele reforçou, nesse sentido, que a mudança necessária não é apenas tecnológica, mas cultural, de modo que seja possível uma convergência efetiva entre os setores público e privado, por meio da padronização de dados e processos.
Ana Estela Haddad, secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, destacou o Índice Nacional de Maturidade em Saúde Digital, voltado a medir a evolução de hospitais e gestores em sete dimensões (conectividade, infraestrutura, avaliação, monitoramento, formação, educação permanente e pessoas), apontando os desafios, mas também caminhos para a digitalização da Saúde:
Segundo a secretária, a criação da SEIDIGI já traduz uma mudança de paradigma aprendida no pós-pandemia, quando três grandes lições foram incorporadas: a transformação digital, o fortalecimento do complexo econômico da Saúde e a dimensão ambiental. Para ela, apesar de ser um desafio imenso, também há uma grande oportunidade para se pensar a transformação digital do setor no Brasil.
“A velocidade da transformação digital nos coloca sempre em defasagem, mas é importante não se prender só na falta de orçamento. Precisamos saber priorizar, buscar parcerias e fazer os projetos da melhor forma, entendendo que temos uma janela de oportunidade que demanda ações estruturantes. Os desafios culturais, de financiamento e técnicos vão sempre existir, mas eles não podem nos paralisar”, apontou a secretária.
Concordando com essa visão, Carlos Marinelli, diretor-presidente da Bradesco Saúde, trouxe a perspectiva das operadoras e a necessidade de tratar interoperabilidade como estratégia de valor de longo prazo.
“A pergunta não é se dá para fazer, é como fazer, visando o bem-estar e a resolutividade do cuidado com o paciente. E resolutividade é oferecer o melhor atendimento e a melhor assistência, e a interoperabilidade oferece a camada que potencializa esses benefícios por meio da troca de informações e padrões que integram os Sistemas de Saúde”, apontou o executivo.
“A sustentabilidade do sistema será uma consequência, uma externalidade positiva da busca pelo melhor atendimento e pela integração dos dados”, completou.
Marinelli destacou ainda que, só na Bradesco Saúde, são realizados anualmente cerca de 108 milhões de exames e 172 milhões de procedimentos em uma rede de 23 mil médicos.
Rafael Lucchesi, CEO da Dasa, por sua vez, contou que, após mais de uma década de investimento pesado, a empresa conseguiu integrar 98% dos seus 450 milhões de exames anuais, mostrando que, apesar do esforço e do custo, o potencial de ganho é exponencial.
Ele apresentou um exemplo concreto dos ganhos da integração digital a partir da interoperabilidade na Saúde:
“Tivemos um caso em que, graças a um algoritmo preditivo, conseguimos identificar uma patologia em apenas duas a três horas. Se tivéssemos esperado o laudo completo, que só sairia no dia seguinte, o paciente teria corrido uma maratona e colocado sua vida em risco. Essa integração de dados salvou a vida dele”.
Já Cesar Nomura, diretor de Medicina Diagnóstica do Sírio-Libanês, enfatizou a necessidade de uma mudança de postura do ecossistema como um todo para um real avanço da interoperabilidade:
“Se a gente não abrir mão de preconceitos, não adianta ter tecnologia. É uma mudança de cultura que não se faz do dia para a noite”.
Ele ressaltou que áreas como radiologia e laboratório já utilizam linguagens padronizadas, como DICOM e LOINC, o que mostra que a interoperabilidade é possível de forma prática se houver vontade do setor. E concluiu reforçando a interdependência entre os setores: “O público e o privado são vasos comunicantes. Não vai dar para um player se dar muito bem e o outro não. Nós temos que evoluir juntos.”
Valor em saúde e convergência de esforços
O debate mostrou que a interoperabilidade só irá se consolidar como instrumento de valor clínico, eficiência e segurança se entendida como prioridade estratégica, com agenda e orçamento dedicados. Para Marinelli, o setor está “muito próximo de vencer a arrebentação” e transformar a interoperabilidade em realidade concreta.
Já Ana Estela alertou que existe uma janela de oportunidade que precisa ser aproveitada agora, sob risco de o país não conseguir dar o salto necessário. Ela lembrou ainda que o Brasil tem uma vantagem única em relação a outros países: um sistema nacional como o SUS, que pode ser a base para acelerar a escala dessa transformação.
A convergência das falas evidenciou que o futuro da interoperabilidade depende da união entre público e privado e que o paciente deve estar no centro desse movimento.
Ao reunir diferentes visões, o FILIS evidenciou que a transformação digital na saúde brasileira só terá êxito se traduzida em benefício direto ao paciente. Nesse caminho, a interoperabilidade deixa de ser custo tecnológico para se tornar alicerce de sustentabilidade e resiliência do Sistema de Saúde.