Agentes de IA para otimizar a jornada do paciente no laboratório

Na Medicina Diagnóstica, cada minuto conta — não apenas para agilizar o resultado de um exame, mas para melhorar a experiência do paciente e garantir decisões clínicas mais rápidas e seguras. Nesse contexto, os agentes de Inteligência Artificial (IA) têm se consolidado como aliados estratégicos para reduzir gargalos operacionais e aumentar a eficiência em todas as etapas do atendimento, do agendamento à entrega do laudo.

Segundo o Dr. Marcos Queiroz, diretor de Medicina Diagnóstica no Hospital Israelita Albert Einstein, conselheiro e líder do Comitê de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Abramed, algumas aplicações já atingiram alto nível de maturidade para uso nos laboratórios.

“Na etapa analítica, as aplicações mais maduras estão associadas ao reconhecimento de padrões de imagens, à aceleração da leitura microscópica e à interpretação de exames complexos, como os exames genéticos”, afirma.

Essas soluções, já são implementadas em hospitais como o Albert Einstein, por exemplo, permitindo que exames como hemogramas, análises de sedimento urinário ou interpretações genéticas sejam processados com mais agilidade e acurácia.

Isso significa menos tempo de espera para o paciente, diagnósticos mais rápidos para o médico e maior capacidade operacional para o laboratório — sem abrir mão da qualidade.

O impacto também é sentido antes e depois da análise propriamente dita. Agentes de IA podem ajudar a reconhecer automaticamente problemas em amostras logo na coleta, evitando retrabalhos e convocações desnecessárias. No pós-análise, sistemas inteligentes geram alertas em prontuários eletrônicos para prevenir exames repetidos ou destacar resultados críticos, acelerando a tomada de decisão clínica.

Apesar dos grandes benefícios, a adoção de IA nos serviços de diagnóstico exige mais tecnologia avançada e compromisso com a segurança do paciente e com princípios éticos sólidos.

De acordo com o Dr. Marcos, os algoritmos precisam ser validados considerando a realidade populacional local, evitando o simples uso de soluções genéricas importadas. Essa validação demanda investimentos financeiros, tempo e treinamento especializado, mas é o que garante que as respostas geradas sejam adequadas e seguras para cada perfil de paciente atendido.

Outro ponto essencial é o olhar final do corpo clínico. Mesmo com a automação, a interpretação médica continua sendo decisiva: apenas o profissional, com visão integral do histórico e do quadro clínico, pode identificar possíveis erros ou inconsistências nas conclusões da IA.

Como os agentes de IA dependem de grandes volumes de dados para funcionar, a privacidade e a proteção dessas informações são pilares inegociáveis. A adoção de políticas rigorosas de cibersegurança e a criação de barreiras para impedir a entrada de sistemas sem todos os requisitos de proteção são medidas indispensáveis.

Além disso, o treinamento contínuo das equipes é fundamental para que se extraiam o máximo das soluções e para que se identifiquem eventuais quedas de performance dos algoritmos — o que pode ocorrer, por exemplo, com mudanças nos perfis epidemiológicos.

“A IA é uma aliada indispensável dos médicos, não uma substituta. Seu valor está no potencial de análise integrada e no suporte para decisões mais seguras e personalizadas”, conclui o Dr. Marcos.

O futuro do diagnóstico passa, inevitavelmente, pela capacidade de integrar inteligência artificial e sensibilidade humana. Quando aplicados com responsabilidade e supervisão clínica, os agentes de IA não apenas otimizam processos: eles redefinem o papel da Medicina Diagnóstica no cuidado à saúde, encurtando jornadas, ampliando acesso, preservando recursos e salvando vidas.

É nesse ponto de encontro entre dados precisos e olhar clínico que nasce o verdadeiro avanço: uma Medicina Diagnóstica mais ágil, precisa e centrada no paciente.

Vieses algorítmicos na Saúde: a IA na Medicina Diagnóstica precisa de contexto, não só de dados

Por Tatiana Almeida, Gerente Médica da área de dados do laboratório clínico no Hospital Israelita Albert Einstein e membro do Comitê de Análises Clínicas e Interoperabilidade da Abramed

A promessa de uma revolução na Medicina impulsionada pela Inteligência Artificial é real. A imagem de um “Waze da Saúde”, capaz de indicar as melhores rotas para diagnóstico e tratamento, já deixou de ser ficção científica e está sendo construída em hospitais, laboratórios e startups.

Mas por trás dessa inovação, esconde-se um desvio perigoso: o risco de transformar desigualdades históricas em verdades matemáticas. Não há dúvidas de que o debate em torno dos vieses algorítmicos ganhou escala com o avanço da inteligência artificial e do aprendizado de máquina a partir de grandes bases de dados, porém, já de início, é importante esclarecer que estamos diante de um desafio que tem raízes mais profundas.

Os vieses não nascem da IA — eles refletem um mundo construído com recortes sociais, culturais e econômicos que agora são aprendidos pelas máquinas. A medicina baseada em evidências tenta reduzir esses efeitos com ensaios clínicos e amostragens controladas. A IA, no entanto, aprende com o que existe — e o que existe, muitas vezes, é desigual.

Seja cognitivo ou algorítmico, o viés distorce decisões. E quando um algoritmo é treinado com bases incompletas ou enviesadas — o que infelizmente não é raro — ele tende a replicar e amplificar esses desvios, com aparência de neutralidade, sobretudo em um cenário de (hiper) digitalização.

Na Medicina Diagnóstica, isso é ainda mais sensível: decisões orientam condutas e definem desfechos. Os exemplos são sutis e, ao mesmo tempo, alarmantes.

Um algoritmo pode diagnosticar pneumonia em pessoas negras com uma frequência maior do que a real — mas o que ele lê, na verdade, são as consequências de uma vulnerabilidade social, que muitas vezes recaem em moradias precárias, falta de acesso ao saneamento básico e alimentação inadequada. Em outro caso, um sistema otimizou a fila de ressonâncias magnéticas ao separar meninos “mais agitados” das meninas “mais calmas”. A eficiência operacional cresceu. Mas a que custo? O de reforçar um estereótipo cultural e institucionalizar, sem perceber, uma lógica de segregação de gênero.

Os algoritmos não produzem causalidade, apenas reconhecem padrões. E padrões podem ser perigosos se não forem avaliados com senso crítico, responsabilidade e contexto. O maior risco, porém, é a invisibilidade do viés. Um ciclo se instala: diagnósticos excessivos em populações vulneráveis geram tratamentos desnecessários, que levam a efeitos adversos e reforçam a falsa ideia de que aquele grupo é “mais doente”.

A estatística final apenas confirma o erro — e ele vira política pública, decisão médica, critério de triagem. E, nesse cenário, a regulação atual — centrada na eficácia técnica — não consegue identificar distorções éticas ou sociais.

Esse, aliás, é um ponto central: a IA é ferramenta, não agente decisório. O profissional de saúde precisa manter sua autoridade crítica, interpretando os dados com conhecimento clínico, a partir de exames precisos e de sensibilidade.

Como virar esse jogo?

A primeira resposta está na base: os dados. Modelos treinados a partir de bases limitadas — como de um único hospital público ou privado — não são aplicáveis em outros contextos. Criar bases diversas, testar o desempenho dos modelos com rigor e cruzar variáveis socioculturais é uma exigência ética.

O case do modelo de risco metabólico desenvolvido pelo Hospital Israelita Albert Einstein para os seus pacientes é ilustrativo: baseado em check-ups clínicos, ele indica alterações com potencial de agravamento ou melhora, de forma individual, sem generalizar e sem prescrever condutas, preservando o papel do médico. É o tipo de IA que alerta, mas não decide.

Outras boas práticas já estão descritas, como mostram as diretrizes do Departamento de Medicina Laboratorial (DLM, 2024): divisão clara de dados em treino, teste e validação; reprodutibilidade e explicabilidade — ou seja, a capacidade de compreender por que determinada decisão foi tomada  — precisam se tornar regra.

Além disso, a regulação, nesse cenário, precisa acompanhar o ritmo da inovação. Modelos validados tecnicamente ainda podem ser falhos do ponto de vista ético ou social. Relatórios de equidade e diversidade devem deixar de ser exceção e se tornar parte obrigatória da governança algorítmica, especialmente em soluções para a Saúde.

O futuro da inteligência artificial no setor não pode ser construído apenas por engenheiros ou desenvolvedores. É preciso reafirmar o papel do profissional de saúde como intérprete crítico e reforçar o protagonismo e a responsabilidade da área para propor seus próprios padrões e colaborar com a construção de diretrizes claras que garantam o olhar humano no centro de toda decisão automatizada.

A inteligência artificial pode, sim, levar a Saúde a um novo patamar de precisão e eficiência. Mas, como no Waze, nem todo caminho mais rápido é o mais seguro. Se não estivermos atentos ao destino, podemos acabar reforçando os becos mais escuros das desigualdades sociais.

Afinal, não basta inovar. É preciso inovar com responsabilidade.