*Por Matheus Sabbag Leonel
Janeiro de 2019
O que todos ouvimos falar por compliance eu prefiro aqui denominar como integridade. Afinal, aquele que é íntegro consequentemente estará em compliance, termo proveniente do inglês to comply – estar em conformidade com algo.
Para fazer uma análise do nosso atual momento, é interessante considerarmos o tema em quatro prismas distintos: a visão macro de um país que está em pleno processo de mudança; o recorte do setor de saúde; a visão das instituições e empresas; e a perspectiva individual do ser humano.
Olhando pelo aspecto macro do Brasil, o que movimentou todo o processo de renovação recente do Governo foi a expectativa de mudança na forma de fazer política. Uma consolidação da visão voltada à meritocracia, com a ética acima de tudo, somada ao combate à corrupção e à valorização dos “bons costumes” e de visões mais conservadoras – mesmo que, muitas vezes, tenhamos a percepção de que a mudança não foi tão drástica quanto a esperada.
Esses primeiros movimentos, após a definição do processo eleitoral, mostram-nos que essa perspectiva ainda existe principalmente no que diz respeito à continuidade do combate ostensivo a práticas de corrupção e ao fortalecimento do ambiente regulatório que constrói instituições mais independentes e fortes. Talvez o que se espere agora seja uma maior evolução na eficiência da aplicação de penalidades a todos que transgredirem a lei, incluindo aperfeiçoamentos institucionais que podem ser feitos para implementar medidas estruturais que tragam resultados de longo prazo capazes de influenciar mudanças na educação e na cultura da população.
Como exemplo, temos o novo pacote de medidas anticorrupção proposto com apoio de diversas organizações, que, desde a campanha eleitoral, vem sendo amplamente debatido.
Trazendo a questão do compliance para o prisma da saúde, os desafios não são muito diferentes, mas estão em outro estágio. O setor evoluiu em alguns aspectos de integridade e viveu algumas “dores” que despertaram iniciativas de autorregulação em entidades setoriais como a Abimed, a Abraidi, a Abimo e a própria Abramed.
Uma iniciativa mais ampla e intersetorial existente é o Ética Saúde. Criado em 2014 como um movimento voluntário de empresas, é liderado pela Abraidi e pelo Instituto Ethos e, desde 2016, teve seu escopo de atuação ampliado para congregar os demais atores do segmento de saúde, sendo disponibilizado como uma importante ferramenta para a mobilização e a transformação do mercado.
Porém, o mercado de saúde é muito amplo e tem relações acontecendo nos mais diversos cantos do país, inclusive em locais onde a maior parte dessas iniciativas não chega para evitar que práticas antiéticas sigam destruindo valores e vidas todos os dias. E é justamente nesse ponto que encontramos nossos grandes desafios, que abrangem desde o desenvolvimento de regulamentações, até a sensibilização e a criação de iniciativas, ferramentas e medidas que possam efetivamente alcançar todas as práticas e localidades, fazendo com que as relações do setor deixem os interesses escusos de lado para retomar seu objetivo central, que é o cuidado com o paciente. Isso contribuirá fortemente com um dilema discutido há anos por todos no setor: a sustentabilidade e a eficiência na utilização dos recursos da saúde.
Olhemos, agora, para as instituições que têm papel importante em todo esse processo e, justamente por isso, deveriam ter maior interesse em alavancar as construções internas e externas de ambientes de negócios cada vez mais íntegros. A ACFE (Association of Certified Fraud Examiners) estima que as empresas perdem, anualmente, o equivalente a 5% de seu faturamento com fraudes. O que, por si só, já seria motivo para que se dedicassem às iniciativas de integridade.
O que temos visto até o momento é um movimento das empresas na implantação de programas de compliance em maior ou menor grau de complexidade. Porém, o problema não está nessa complexidade, mas no que costumo chamar de “grau de verdade”. Muitas companhias encaram esses programas como uma mera questão de conformidade sob o pensamento de que “se todos têm, também precisamos ter”. Elaboram códigos de conduta, políticas internas, criam áreas de compliance, mas, na verdade, não incorporam as questões de integridade em suas práticas de negócios.
Outras empresas até enxergam nessas ferramentas algo positivo para identificar e punir transgressões que lesem a companhia, mas essa preocupação não alcança as decisões pouco íntegras ou mesmo ilegais tomadas conscientemente pela administração em favor dos interesses do negócio, de seus executivos ou proprietários. Nesses casos, os programas são implantados para que a administração seja capaz de controlar os outros, mas não para se autorregular.
O grande paradoxo é que os maiores escândalos estão em companhias as quais vivenciam este último modelo e contam com programas formais de compliance e integridade. Porém, são as decisões da alta administração que levam suas organizações a caminhos equivocados que destroem o valor de suas empresas.
Por fim, em meio a todos esses aspectos, estamos nós, seres humanos que respondem por uma parcela importante de todo esse contexto. De forma geral, todos concordam ser necessário implementar medidas e aprimorar o controle e a punição a condutas inadequadas, visto que existem pessoas que não são íntegras e que vão transgredir. Mas nós mesmos nunca nos enxergamos nessa situação.
É como indica em seus estudos o Professor Doutor Alexandre Di Miceli. Ele diz que o ser humano em geral tem uma visão superestimada da sua própria ética, o que nos faz crer que somos mais éticos do que a média e provoca o que ele denomina como “cegueira ética”. Esse cenário, aliado ao ambiente em que vivemos, muitas vezes contribui com incentivos inadequados, fazendo com que as pessoas tomem atitudes acreditando, realmente, que não estão cruzando o limite do legal ou mesmo que aquela atitude é totalmente justificável (Silveira, 2018).
Esse cenário nos indica que temos um trabalho importante a ser feito junto aos indivíduos. No fim do dia são as pessoas físicas os agentes executores de ações que podem ou não ser corruptivas. O trabalho com as pessoas para melhorar suas percepções, capacidades de escolha e de tomada de decisões, somado a uma forte atuação na educação e na disponibilidade de informações, poderá construir um panorama mais positivo.
Diante de tudo isso há um otimismo e uma expectativa muito grandes de que tudo continue a evoluir com mais celeridade no próximo ano. A eleição foi uma demonstração dessa vontade e expectativa. O desafio, em todos esses prismas, é a execução. De fazer as coisas efetivamente acontecerem. Todos sinalizam que querem e precisam de um ambiente mais íntegro e saudável, onde a confiança se estabeleça, os negócios possam fluir de maneira transparente e, no caso do setor de saúde, possamos sempre manter o foco exclusivamente no cuidado com o paciente.
*Matheus Sabbag Leonel atua na área de Gestão de Riscos e Compliance do Grupo Fleury e integra o grupo de trabalho de Compliance da Abramed.
¹ Silveira, A. D. M. (2018). Ética empresarial na prática: soluções para gestão e governança no século XXI. Alta Books.