Os impactos da Reforma Tributária na Medicina Diagnóstica: avanço ou novos desafios?

Lei Complementar nº 214/15 introduz novos paradigmas fiscais para o setor e exige adaptação

Por Renato Nunes*

Com a recente promulgação, em 16 de janeiro de 2025, da Lei Complementar nº 214/15, a Reforma Tributária deu um significativo passo em sua longa jornada de transição – que deve vigorar até 2032, segundo cronograma estabelecido pelo Governo Federal – estabelecendo a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), tributos que trarão implicações profundas para diversos setores da economia e da sociedade brasileira, incluindo a Medicina Diagnóstica. 

Tais implicações influenciam tanto na dinâmica da arrecadação – a partir, por exemplo, da instituição do princípio de não cumulatividade para apuração dos valores a serem pagos de IBS e CBS representantes do setor – quanto nos processos de governança e planejamento financeiro das organizações.  

Diante desse cenário, é imprescindível avaliar se tais mudanças trarão avanços ou novos desafios para o já complexo contexto tributário para um segmento crucial do ecossistema de saúde brasileiro.

Uma nova dinâmica tributária

Certamente, o principal efeito sobre o dia a dia das empresas de Medicina Diagnóstica se dará no processo de recolhimento dos tributos instituídos pela Reforma Tributária. Antes de tudo, é importante reforçar que o IBS e a CBS substituirão o ISS e o PIS/COFINS, tributos que hoje incidem sobre o consumo e atualmente são recolhidos pelas organizações do segmento. 

O ISS e o PIS/COFINS são calculados de forma cumulativa – ou seja, sem que haja a possibilidade de compensar tributos pagos em etapas anteriores da cadeia, lembrando que, conforme mencionado anteriormente, com a Reforma Tributária, a nova sistemática passará a ser não cumulativa, permitindo que as empresas abatam créditos dos valores de IBS e CBS pagos nas aquisições de bens e serviços. 

Em tese, esse seria um potencial benefício para as empresas e não há dúvidas de que se trata de uma mudança fundamental de paradigmas tributários. No entanto, ele também traz consigo mais complexidade para a apuração fiscal, exigindo maiores níveis de controle e adaptação operacional por parte das organizações.

Essa complexidade, aliás, ganha uma camada adicional quando levamos em conta que, durante o período de transição da Reforma, as empresas do setor precisarão lidar com a coexistência de dois regimes fiscais, questão que poderá exigir potenciais investimentos extras em capacitação, tecnologia e cumprimento de obrigações – tudo isso considerando ainda complementares regulamentação e debates que seguirão transcorrendo nesta nova página que está se desenhando no sistema tributário nacional. 

Em outras palavras: a possibilidade de abatimento de créditos tributários é uma medida positiva, mas seu impacto real depende da eficiência da sistemática de apuração, do compliance dos fornecedores para fins de tomada de crédito do IBS e da CBS nas aquisições e mesmo do grau de esclarecimento e suporte oferecido pelo Fisco nessa jornada de transição. 

Dentro de todo esse cenário, é preciso considerar também que a discussão hoje existente quanto ao ISS sobre serviços de análises clínicas (quando a coleta se dá em Município distinto daquele onde ocorre o processamento do material biológico) pode continuar nebulosa no âmbito do IBS, já que as disposições da Lei Complementar nº 214/15 sobre o local de ocorrência do fato gerador deste tributo ainda oferecem margem a dúvidas sobre para qual Município ou até mesmo Estado esse último imposto será devido. 

Isso posto, é essencial também citar que o setor de saúde (incluindo o segmento de Medicina Diagnóstica) foi contemplado com uma alíquota reduzida em 60% para os novos tributos do IBS e CBS, o que mitiga o impacto da excessiva carga de 28% projetada pelo Governo Federal, que colocará o Brasil com o IVA mais alto do mundo. 

Se as alíquotas ordinárias do IBS e CBS confirmarem esse montante previsto pelo próprio Governo Federal, as empresas de Medicina Diagnóstica pagarão algo em torno de 11,2%, percentual próximo à carga atual, se considerarmos ISS, PIS/COFINS e os tributos incidentes nas aquisições de bens e serviços.

Daí a necessidade de que se acompanhe com atenção os próximos capítulos da Reforma Tributária, de modo que sejam sanadas dúvidas sobre a regulamentação e implementação das alíquotas – que, aliás, já começarão a ser testadas pelo Fisco em 2026.

Desafios e perspectivas para o futuro da Medicina Diagnóstica

Como é possível notar, ainda há incertezas consideráveis e desafios já previstos para o novo contexto tributário que alcança as empresas de Medicina Diagnóstica.

A falta de maior clareza sobre a incidência do IBS no caso de exames realizados em localidades diferentes daquelas em que os materiais biológicos são processados, por exemplo, pode ser um fator de disputa entre Municípios ou até mesmo entre Estados e, no limite, gerar um ônus tributário para as organizações.

Nesse sentido, a regulamentação da Lei Complementar nº 214/15 será crucial para garantir previsibilidade, segurança jurídica e para que realmente o setor de saúde conviva com uma carga tributária semelhante à atual (um dos objetivos intrínsecos a alíquota reduzida de 60% aplicada ao segmento).

A própria transição complexa para o modelo do IVA Dual poderá afetar operacionalmente o dia a dia da gestão fiscal das empresas e, por isso mesmo, a atuação da Abramed tem sido decisiva tanto no sentido de garantir que a regulamentação da reforma tributária leve em consideração as demandas do setor de Medicina Diagnóstica quanto no esclarecimento e suporte a seus associados por meio de eventos, publicações e atualizações contínuas sobre o andamento da Reforma. 

A efetividade das mudanças propostas pelo novo regime dependerá, por fim, de um diálogo entre governo, setor empresarial e entidades representativas, de modo que elas tragam, de fato, mais justiça e equilíbrio para o nosso desafiador sistema tributário.   

*Renato Nunes é sócio da Machado Nunes Advogados, assessoria jurídica da Abramed

Welcome Saúde 2025 debate inovação, Inteligência Artificial e os desafios da sustentabilidade na saúde

Evento abre o calendário de discussões sobre as perspectivas políticas e econômicas do setor para o ano. A Abramed esteve presente em debate no primeiro dia.

O presidente da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), César Nomura, foi um dos executivos convidados a participar do Welcome Saúde 2025, evento promovido pelo Grupo Mídia, com correalização da Associação Brasileira da Indústria de Tecnologia para a Saúde (Abimed), que reuniu especialistas, líderes e autoridades para discutir desde a aplicação da Inteligência Artificial (IA) até os compromissos necessários para garantir a sustentabilidade e a qualidade do sistema de saúde.

Representando a entidade no painel “Compromissos de Líderes para 2025”, Nomura abordou os desafios e oportunidades do setor, com destaque para a interoperabilidade de dados, Inteligência Artificial e qualidade dos serviços de saúde.

Interoperabilidade, Sustentabilidade Financeira e Qualidade

Ao lado de Allisson Barcelos Borges (diretor-geral do Hospital DF, Rede D’Or) e Nilton Nunes (presidente da Unimed Teresina), sob a moderação de Fernando Silveira Filho, presidente da Abimed,  César Nomura enfatizou a importância da interoperabilidade para evitar a repetição desnecessária de exames e aprimorar o atendimento.

Hoje, o paciente faz um exame em um laboratório, mas, ao ser atendido em outro hospital, precisa repetir tudo. Isso gera custos desnecessários e reduz a eficiência do sistema”, afirmou Nomura.

Ele defendeu um maior diálogo entre os diferentes agentes do setor para garantir avanços concretos. “Precisamos sair do modo reativo e pensar em soluções estruturais. Tomar mais café juntos, fazer menos encontros online e mais presenciais, para construir um setor de saúde mais integrado e eficiente. A judicialização e a fragmentação do sistema só agravam os problemas”, refletiu.

Comentou ainda que a Abramed está trabalhando em parceria com a Secretaria de Informação e Saúde Digigital do Ministério da Saúde (SEIDIGI) em um projeto sobre interoperabilidade, que estabelece um padrão para troca de informações de exames dos exames de notificação compulsória, como os de Covid, Monkeypox e HIV, e ressaltou a necessidade de métricas claras para avaliar os serviços de saúde, mencionando a possibilidade de a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) lançaro QUALISS para a medicina diagnóstica, similar ao que já existe para hospitais.

Em relação à IA, o presidente da Abramed destacou o grande uso dessa tecnologia na área de medicina diagnóstica e reforçou os dados apresentados anteriormente por Giovanni Guido, Presidente do Conselho Diretor do INRAD e do Conselho de Administração do Instituto Coalizão Saúde:

Em 2024, quase 60% dos algoritmos aprovados para a saúde estavam relacionados à medicina diagnóstica. A regulamentação da IA precisa ser cuidadosa. Se for muito pesada, pode encarecer o que hoje é uma ferramenta de redução de custos e ganho de produtividade”.  Nomura alertou sobre a necessidade de uma regulamentação equilibrada para a inteligência artificial, que não iniba a inovação nem encareça os custos: 

Outro ponto debatido no painel foi a qualidade do serviço prestado. Allisson Barcelos Borges apontou a necessidade de padronização e transparência na avaliação dos serviços de saúde. “Pior que não ter uma informação, é ter uma informação errada. Precisamos de indicadores claros para que o paciente possa escolher onde se tratar com base em dados confiáveis”, opinou.

Já Nilton Nunes trouxe um tom crítico à judicialização da saúde, que, segundo ele, compromete a sustentabilidade do setor. “Hoje, qualquer prescrição pode ser levada à Justiça e, muitas vezes, aprovada sem critérios técnicos sólidos. No momento que eu prescrevo algo que eu não tenho uma relação de custo-eficácia adequada, eu estou onerando toda a cadeia do sistema e não sobra dinheiro para negociar com o prestador hospitalar, não sobra dinheiro para pagar melhor o radiologista nem a melhor clínica”, afirmou.


Reflexões e caminhos para o futuro

O Wellcome Saúde 2025 proporcionou uma discussão necessária sobre os rumos do setor e deixou claro que o futuro da Saúde dependerá da integração, inovação e responsabilidade na aplicação de novas tecnologias para garantir um sistema de saúde mais eficiente, acessível e seguro para todos.

César Nomura  encerrou sua participação com um chamado à ação:
“Precisamos nos colocar no lugar do paciente. Cada pessoa que busca atendimento é o amor da vida de alguém. Se tivermos isso em mente, as decisões serão mais fáceis e mais humanas. A inovação e a tecnologia são ferramentas poderosas, mas só farão sentido se estiverem a serviço das pessoas”.

Embora os desafios sejam grandes, a união de esforços e o foco em soluções práticas podem trazer avanços relevantes para o setor. A Abramed, juntamente com outras entidades e líderes, seguirá trabalhando para promover a interoperabilidade, a qualidade dos serviços e uma regulamentação equilibrada para a Inteligência Artificial, sempre com o objetivo de melhorar a experiência do paciente e garantir a sustentabilidade do sistema de saúde.

Abramed participa do lançamento da Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança e à Defesa Cibernética